Um governo minoritário que dura há três anos e durará mais um é uma excepção em Portugal e na Europa. As raízes de tal grau de estabilidade política nunca poderemos verdadeiramente conhecer, mas podemos tentar, e não nos limitarmos a usar a imaginação para lhe encontrar nomes. Vejamos então..Em primeiro lugar, está o bom começo, que se deveu em grande medida a factores externos. O governo de aliança entre o PSD, o CDS e os princípios da troika de instituições financeiras que concederam o empréstimo internacional ao país não foi apenas inepto ao tratar das finanças sem se preocupar com a economia. Foi também pouco hábil quanto à política, tornado mais fácil unir as forças da oposição. Cavaco Silva, o Presidente da República desse início de mandato, também deu uma grande ajuda ao nomear um governo do seu partido, à partida derrotado no Parlamento. A seguir, veio a inteligência de responder directamente à questão de se saber qual era a alternativa política. A pergunta era falsa mas, em vez de a evitar, foi-lhe dada uma resposta. E essa resposta envolveu a escolha de um futuro ministro das Finanças vindo da instituição que melhor acolheu a troika em território nacional, o Banco de Portugal, mostrando que o unanimismo entre economistas "clássicos" era também falso, coisa que aliás sempre esteve à vista de todos..Mas isto serve para explicar o início. E depois? A resposta torna-se cada vez mais difícil mas, mais uma vez, não pode ser evitada..Uma das chaves desse sucesso minoritário é seguramente o facto de os protagonistas do actual governo e dos partidos que o apoiam serem todos políticos que gostam de política e que estão apostados em fazer carreira política. O resultado é que têm tempo para pensar, para dialogar, para estudar. Ao contrário dos políticos por empréstimo, quase sempre potencialmente menos concentrados na governação, Costa, Martins e Sousa são políticos que gostam do que fazem e que pouco mais fizeram na vida ou farão. Isso, ao contrário do que os "interesses" muitas vezes propalam, é uma vantagem. E uma banalidade, pela Europa, mais ou menos bem governada, fora..Para além da profissionalização, os três líderes representam o país em diferentes campos. Curiosamente ou não, pertencem a gerações distintas, e todos têm raízes diferenciadas pelo país adentro. Urbanos, mais ou menos burgueses, mais ou menos operários, mais ou menos estudantes, mais ou menos reformados, mais ou menos doentes. Ficou de fora o espaço afastado das cidades mas até isso se procura corrigir, sobretudo depois do forte aviso dado pela tragédia dos incêndios rurais de 2017..A duração do governo minoritário passa também necessariamente pelo Parlamento e por uma nova geração de deputados de "esquerda" que se entende bem, de uma forma ou de outra. A coesão, nem sempre à nossa vista, tem sido importante para a negociação de pastas mais difíceis e, acima de tudo, para a calendarização das medidas. Essa coesão permite compromissos e melhor encontrar soluções faseadas e possíveis..Assim, a profissionalização política, a representação social alargada, o compromisso de entendimento presente e futuro, ajudarão seguramente a entender a inédita ou rara estabilidade de um governo minoritário. Não chegarão para explicar tudo, mas é seguramente uma via de interpretação mais interessante do que aquela que apenas procura epítetos mais ou menos "engraçados" e sempre redutores..Cada um poderá procurar melhor o que verdadeiramente identifica este governo. Para mim, será porventura um dos governos mais sociais-democratas que alguma vez tivemos no país, com três partidos a fazerem a quadratura da moderação financeira, da criação de valor e de emprego, e da melhoria das condições gerais de vida, dos menos aos mais abonados..É importante perceber bem o que se está a passar com a política em Portugal, para assim melhor se entender o futuro próximo, pois ele não é seguramente fácil, dentro e fora das fronteiras..Escreve quinzenalmente..Escreve de acordo com a antiga ortografia