Criaram por computador o genoma de um ser que nunca existiu. E funciona
Chamaram-lhe Caulobacter ethensis-2.0, e tem razão de ser. Na verdade, esta "bactéria" não existe - nunca existiu -, e é bem possível que nunca venha a existir, mas o seu genoma sim, é real. Foi produzido em laboratório por uma equipa da universidade técnica ETH de Zurique, com o auxílio de um algoritmo informático, e é uma versão simplificada do genoma de uma bactéria bem conhecida dos biólogos e dos cientistas: a Caulobacter crescentus, que vive na água doce, é inofensiva e muito utilizada em trabalho de laboratório.
Segundo a equipa que foi liderada pelo químico Mathias Christen,, e pelo o seu irmão biólogo, Beat Chisten, este é um "enorme avanço, que tem o potencial para revolucionar a biotecnologia", já que permite simplificar muito os processos, economizando tempo e mantendo a funcionalidade dos genomas, para a produção, por exemplo, de medicamentos, vacinas e outros produtos biológicos na área da saúde.
Esta não é a primeira vez que um genoma é sintetizado. O pioneiro norte-americano da sequenciação de genomas Craig Venter - que em 2003, publicou o primeiro mapa completo do genoma humano, a par de um projeto internacional público independente - anunciou em 2010 ter feito o primeiro genoma sintético de uma bactéria. Foi o resultado de dez anos de trabalho, que ocupou a tempo inteiro 20 cientistas e custou 40 milhões de dólares, e o genoma então sintetizado foi feito inteiramente em laboratório.
No caso da equipa ETH de Zurique, que publicou esta segunda-feira os resultados do seu trabalho na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences , o genoma criado é uma versão simplificada, que conserva intactas as suas funções, e que foi desenhado graças a um algoritmo, permitindo a otimizando do processo.
A Caulobacter crescentus tem um total de quatro mil genes, e estudos anteriores já tinham demonstrado que, em laboratório, este micro-organismo sobrevive de forma funcional com apenas 680, Isso explica-se pelo facto de o genoma ter muitos fragmentos redundantes, que podem substituir-se uns aos outros sem perda de função.
Foi portanto daí, dessa versão reduzida, que a equipa da ETH de Zurique partiu, para construir o seu genoma sintético simplificada totalmente funcional.
Os investigadores começaram por sintetizar 236 fragmentos do genoma da bactéria, que depois ligaram entre si. Um trabalho que "nem sempre é fácil", como explica Mathias Chisten, porque, "dependendo da sequência em questão, elas podem enrodilhar-se e afetar a produção dos segmentos da molécula". Mas a etapa foi vencida com sucesso.
O algoritmo informático desenvolvido pela equipa permitiu, entretanto, fazer a escolha ótima dos genes para manter a funcionalidade do genoma, segundo os próprios autores, que acreditam que "este projeto permitiu aprender", e que "será agora possível melhorar o algoritmo e desenvolver uma versão 3.0, que já será completa".
A atual versão, sublinham, "ainda não está perfeita". Mas o trabalho desenvolvido serviu para aprender e demonstrar a hipótese, para, "no futuro, se poder fazer o design computacional do genoma, de acordo com os objetivos", adianta Mathias Christen.
Em breve, asseguram os autores do trabalho, "vai ser possível produzir células bacterianas" deste tipo, para criar "microrganismos sintéticos" destinados à biotecnologia, para a produção de moléculas na farmacologia, por exemplo. Mas, alertam, "vai ser necessário um profundo debate social sobre a utilização desta nova tecnologia e sobre a forma como terão de ser prevenidos eventuais abusos".