É possível rebocar icebergues até à África do Sul? Cientistas dizem que sim
A ideia já foi avançada há meses e consiste em rebocar icebergs para regiões quentes e com problemas de água, como é o caso da Cidade do Cabo, na África do Sul. Parece inviável? Os defensores do plano pedem para considerar o seguinte: o volume de água que salta da Antártida como icebergues é maior a cada ano que passa e supera o consumo global total de água doce. Isto sem incluir o gelo do Ártico. Apontam que é pura água doce, desperdiçada à medida que se derrete no mar e assim contribui para o aumento do nível do mar. Soa mais viável agora? - pergunta em artigo publicado na BBC Tim Sedley, jornalista especializado em sustentabilidade.
As tentativas de aproveitamento e transporte de água têm motivado cientistas e empreendedores desde o século XIX. Mas todas falharam. Houve planos no século XIX para levar água de barco à Índia e para fornecer cervejarias no Chile. Na década de 1940, John Isaacs, do Instituto Oceanográfico Scripps, pensou em levar um icebergue para San Diego como forma de acabar com a seca na Califórnia. Mais recentemente, nos anos 1970, o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed Al-Faisal, queria rebocar um icebergue da Antártida para a Arábia Saudita e financiou mesmo duas conferências internacionais sobre o assunto. E a UE recebeu propostas já esta década para rebocar um icebergue da Terra Nova até às Ilhas Canárias.
Os últimos planos de reboque de icebergue surgiram da Cidade do Cabo, na África do Sul, e dos Emirados Árabes Unidos, duas regiões do globo que sofrem de escassez extrema de água. Este ano, a Cidade do Cabo entrou no "Dia Zero" - o dia em que os reservatórios secaram e uma cidade de quatro milhões de habitantes ficou sem água. O consumo de água foi limitado. Quando as chuvas finalmente chegaram, o Dia Zero foi levantado, mas talvez apenas por mais um ano. Enquanto isso, nos Emirados Árabes Unidos, um dos estados mais áridos do mundo, o ministro da Energia declarou ser uma "grande preocupação" para o país, acrescentando que irão "tentar encontrar soluções alternativas".
A maioria dos planos desde a década de 1970 envolveu sempre os mesmos nomes, homens agora com 70 e 80 anos, e que voltam agora para 'um último serviço'. Peter Wadhams, diretor do Instituto de Pesquisa Polar Scott, de Cambridge, em 1987-1992; Olav Orheim, diretor do Instituto Polar Norueguês de 1993 a 2005; e Georges Mougin, engenheiro francês que elaborou o plano do príncipe Al-Faisal.
Agora o plano na África do Sul é a nova esperança. Desta vez, Mougin e Orheim juntaram-se a Nick Sloane, da empresa de engenharia naval Resolve Marine. Sloane é mundialmente conhecido no setor de salvamento marítimo, tendo liderado a equipa que atuou no naufrágio do cruzeiro italiano Costa Concordia, em 2014. Rebocar objetos grandes no mar é o que Sloane faz com regularidade e está convencido de que pode puxar um icebergue para o Cabo.
"Passamos dois meses a rastrear icebergues na área alvo", conta à BBC. O alvo é a Ilha Gough, coberta de pinguins no Atlântico Sul, a 2700 km a oeste da Cidade do Cabo. Ali esperam agarrar um icebergue de 85 a 100 milhões de toneladas. "Os icebergues árticos são completamente diferentes, são instáveis e têm muitas fraturas e falhas salinas", diz Sloane. "Os icebergues da Antártida são todos tabulares, são muito mais planos, mais sólidos e sua temperatura central é muito mais fria." O reboque para a Cidade do Cabo, diz Sloane, levaria 80-90 dias, usando um super-tanque (com mais de 20 mil cavalos de potência), além de três rebocadores.
Mesmo que seja concretizável a ideia, a água precisa depois de um comprador. E as autoridades locais sul-africanas não parecem muito recetivas. Xanthea Limberg, que dirige o comité do município da Cidade do Cabo para serviços de água e resíduos, diz sem rodeios à BBC: "Esta proposta não foi considerada adequada para a Cidade do Cabo. De acordo com os cálculos feitos, é provável que custem aproximadamente 29 rands por 1000 litros (aproximadamente 1,170 euros por 1000 litros), excluindo o custo da infraestrutura necessária em terra". Na cidade da Cidade do Cabo "é mais uma questão de apostar na dessalinização e na capacidade de tratamento de águas residuais para reutilização ", diz Limberg.
No entanto, Sloane e a sua equipa não estão convencidos. Enquanto a cidade administra a infraestrutura de água, é o governo nacional que é o proprietário. Sloane confirma que os custos apresentados estão certos mas diz que a água do icebergue não competiria com a água subterrânea, mas sim com a dessalinizada que tem sido um enorme investimento da cidade. "Não queremos substituir outros métodos. Estamos apenas a tentar complementá-los."