"É possível comprar um carro Hyundai, que é uma marca coreana, mas que tenha pneus portugueses"
A Kotra está de volta a Portugal, 16 anos depois de deixar de ter representação em Lisboa. O regresso, com a nova sede lisboeta simbolicamente de novo nas Torres das Amoreiras, deve-se a um forte crescimento das relações comerciais entre Portugal e a Coreia do Sul?
Não tanto quanto gostaríamos, mas sim, tivemos algumas mudanças significativas nas relações comerciais entre os dois países. De acordo com as estatísticas do governo coreano, 10 anos depois do acordo entre a Coreia e a União Europeia as exportações da Coreia para Portugal duplicaram e as exportações de Portugal aumentaram três vezes, embora o valor ainda seja baixo. No entanto, creio que temos a possibilidade de aprofundar ainda mais estas relações comerciais.
A Kotra é uma agência governamental coreana para a promoção de investimento e relações comerciais, com funções semelhantes às da AICEP no caso português?
Sim, é a mesma coisa. Chamamos-lhe em inglês TPO (Trade Promotion Organization), todos os governos têm as suas próprias TPO ou organizações de promoção do comércio.
Em quantos países está presente a Kotra, que representa o décimo maior exportador mundial?
Neste momento em 84 países, e no total temos 129 gabinetes, incluindo este gabinete de Lisboa.
Estão presentes em toda a Europa?
Não, temos 24 gabinetes na Europa.
Então, havendo mais de meia centena de países na Europa, de certa forma a vossa presença significa que Portugal é um dos países prioritário para a Coreia?
Sim.
Em relação às exportações da Coreia para Portugal, estamos a falar maioritariamente de tecnologia, aquilo que é mais visível para os consumidores, ou há outros produtos menos evidentes?
O produto principal são os bens intermediários. Relativamente a bens consumíveis ou produtos finais, as exportações são mais pequenas. Alguns exemplos de bens intermediários são polímeros de plástico ou materiais para fabricar produtos em plástico. Na realidade, traduzem-se no segundo produto mais exportado da Coreia para Portugal, o primeiro é aço e produtos fabricados em aço. Os materiais de aço e plástico são os nossos principais produtos de exportação, 17% no caso do aço e 14% do total no caso dos materiais para produção de plástico.
E só depois disso os bens consumíveis de tecnologia, dos telemóveis às televisões?
Depois ainda temos os circuitos integrados, como semicondutores.
Todos conhecemos as grandes marcas coreanas de tecnologia, como Samsung ou LG, ou a Kia e a Hyundai no caso dos automóveis, mas na realidade estes bens intermediários de aço e de plástico, destinados à indústria portuguesa, são o que representa a maior exportação.
Sim, são quase produtos invisíveis mas contribuem para fazer produtos portugueses de boa qualidade.
Portanto, podemos dizer que algumas das exportações de Portugal para outros países incluem materiais coreanos?
Sim, penso que sim.
E quais são as principais exportações de Portugal para a Coreia? Suspeito que vai ser surpreendente.
Neste momento, os produtos principais são pneus para carros. Por exemplo, é possível comprar um carro Hyundai, que é uma marca coreana, mas que tenha pneus portugueses. Temos uma indústria de construção automóvel muito forte, temos vários complexos fabris para produção de uma grande variedade de modelos. E, em termos de fornecedores de pneus, neste momento o primeiro grande exportador para a Coreia é a China, em segundo é a Tailândia e o terceiro é Portugal. O produto mais exportado de Portugal para a Coreia são pneus Continental, marca alemã, mas os pneus que chegam à Coreia são feitos em Portugal. E alguns dos nossos modelos de SUV, que também se vendem bastante em Portugal, usam pneus Continental. Temos carros de vários segmentos, dos mais acessíveis até às gamas mais elevadas, muito importantes para exportação, e é por isso que as companhias coreanas que produzem automóveis têm vindo a procurar componentes de alta qualidade. Os pneus são uma dessas coisas, os produtores de carros escolhem os pneus europeus ou portugueses, mais especificamente, para os montar nos carros com maior qualidade.
E, além dos pneus, o que mais vende Portugal à Coreia?
Roupa é a segunda exportação, algo que acho curioso. Também importamos sapatos, mas é um produto que já está em quinto ou sexto lugar nas vossas exportações. Importamos roupa de Portugal praticamente todas as semanas. Durante a pandemia, as companhias de carga aérea coreana vinham a Portugal todas as semanas buscar roupas feitas em Portugal, mas sob a marca Zara, que é espanhola.
E os vinhos também são importantes nas exportações?
Está a aumentar essa importância, mas ainda não é um produto principal, os valores ainda não são elevados. No ano passado, a importação de vinho português pela Coreia andou à volta dos sete milhões de euros, o que como valor não é muito elevado, mas o mais importante é que está a aumentar. Antes não consumíamos vinho português, não encontrávamos no mercado vinho português, mas num espaço de 10 anos isto mudou, porque vários coreanos descobriram, ao fazerem turismo em Portugal, o vinho português e também a gastronomia. Foi a partir daí, desse crescimento do turismo, que também se começou a encontrar vinhos portugueses nas lojas e supermercados das cidades coreanas, além de outros produtos portugueses.
Em Portugal há um grande consumo de cultura pop sul-coreana, especialmente via internet, com as séries televisivas e as músicas. Isto é importante em termos de trocas comerciais ou apenas indiretamente favorece as exportações sul-coreanas?
Normalmente, os fãs de K-pop encontram o conteúdo de que gostam na internet, não há propriamente um dispêndio de dinheiro com isso. Mas promove a imagem do país.
Há alguns restaurantes e supermercados coreanos em Portugal, sobretudo em Lisboa. Os produtos vendidos são originalmente da Coreia ou são inspirados?
É uma mistura, alguns são originalmente coreanos, mas outros são inspirações feitas na Europa. Não investiguei propriamente que tipo de produtos vendem esses supermercados, mas neste momento as empresas coreanas dedicadas à indústria da comida têm fábricas fora do país, principalmente na América do Norte, porque temos grandes comunidades de emigrantes lá. Na Europa não tenho a certeza de quais são as empresas que tenham presença cá, mas sei que várias tentam estar.
O turismo é muito importante para Portugal diretamente, mas também é muito importante para promover as exportações dos nossos produtos, como o vinho, como já sublinhou. Depois da pandemia e do aligeirar das medidas de proteção na Ásia, pensa que os turistas sul-coreanos voltarão a visitar Portugal em grande número?
Sim, claro que sim. Recentemente começámos a expandir-nos em termos de indústria de turismo, mas devido à pandemia os turistas coreanos não puderam sair nos últimos dois anos, coisa que agora já é possível. As pessoas agora têm muita vontade de sair e Portugal e Espanha são dois dos destinos principais na Europa. Geralmente, é bastante comum que quando o turista coreano decide vir a Portugal ou a Espanha opte por visitar os dois países, como se fosse um conjunto. Há um voo direto da Coreia para Barcelona, por exemplo, ainda é recente, mas o turismo também está a aumentar novamente.
E essa ligação direta com Espanha também acaba por beneficiar Portugal?
Sim. Em Madrid, por exemplo, também havia voo direto para Seul, mas ainda não o recuperaram depois da pandemia, contudo é expectável que o façam em breve. Não tenho a certeza se haverá algum voo direto para Portugal, mas, se for esse o caso, os turistas certamente virão cada vez mais.
Há alguns investimentos coreanos importantes em Portugal neste momento. A Coreia do Sul ambiciona estar entre os 10 maiores países investidores em Portugal?
Não para já, pois o volume total de investimento da Coreia em Portugal é ainda pouco significativo e o principal investimento tem sido no setor manufatureiro, nomeadamente na indústria automóvel.
Acha que as empresas coreanas verão Portugal como um bom sítio para investir? Tem alguma vantagem específica?
Sim, acho que consideram Portugal muito interessante. O mercado norte-americano é a nossa principal prioridade, o europeu também, mas no caso do mercado norte-americano foi feito outro acordo para proteger a indústria manufatora. A União Europeia está a tentar que as cadeias de abastecimento sejam internas e isso acaba por afetar um pouco as possibilidades de investimento em toda a região da Europa. Ainda assim, algumas empresas coreanas vão continuar a escolher a Europa para instalar fábricas e venderem os seus produtos, e, naturalmente, Portugal poderá ser um candidato para a implementação de fábricas. O que mais importa acaba por ser o custo de produção, algo que aqui é consideravelmente baixo ou não tão elevado quando comparado com outros países da Europa.
Então o custo de produção mais baixo ainda é uma das vantagens de Portugal?
Sim, pode ser. Mas quase todas as empresas coreanas sabem que Portugal tem mão de obra de qualidade e com um custo relativamente baixo, por isso, se as empresas coreanas começarem a perceber ainda mais esses benefícios, pode ser que considerem a possibilidade de vir para Portugal. O problema é que as firmas coreanas gostam de trabalhar depressa, mas a nível de burocracia acaba tudo por demorar a acontecer em Portugal. O governo pode ajudar nessa questão acelerando os processos para que as empresas coreanas possam vir para Portugal. Acho que esse é mesmo um dos principais elementos que elas têm em conta quando estão a pensar nos seus investimentos.
Depois da guerra com a Coreia do Norte entre 1950 e 1953, a Coreia do Sul era um país completamente destruído, empobrecido, mas agora é um dos maiores países em termos de PIB e até de índice de desenvolvimento. Isto tem muito a ver com a globalização, mas também com a importância que os coreanos conferem à educação e à ética de trabalho? Como é que explica este sucesso da Coreia do Sul?
Tem a ver com a cultura e com a educação, certamente, mas também com as organizações de países que também contribuíram para o nosso crescimento económico, nomeadamente as dos Estados Unidos. E os anos 60 e 70 foram um período crucial para nós, houve um crescimento muito rápido nessa altura. Havia um mercado global que estava disponível e era favorável ao nosso desenvolvimento, ou seja, havia a possibilidade de fabricarmos produtos que depois conseguíamos vender no estrangeiro, e isso foi muito importante. Creio que são vários os elementos que nos ajudaram a crescer, mas principalmente porque havia mercados disponíveis para exportar e soubemos aproveitar essa oportunidade.
Se um dia houver uma reunificação das Coreias, acha que a mão de obra norte-coreana podia adaptar-se rapidamente aos padrões de produtividade sul-coreanos ou teria de haver uma transição?
Penso que sim. Começámos uma cooperação há alguns anos na cidade fronteiriça de Kaesong, que serviu de movimento simbólico em direção a uma eventual reunificação, foi uma experiência positiva, com empresas sul-coreanas a utilizarem mão de obra norte-coreana, uma força de trabalho que também é mais barata. Neste momento essa cooperação com a Coreia do Norte está suspensa e ao mesmo tempo surgiram alguns obstáculos para continuar a crescer ao mesmo nível, especialmente quanto à questão demográfica, mas penso que ainda temos bastante potencial, sobretudo se conseguíssemos fazer algo em conjunto com a Coreia do Norte.