"É muito difícil surpreender o público. O mundo real já o faz por nós"

Howard Gordon, produtor de "24: Legacy" e cocriador de "Segurança Nacional" conta ao DN como tem evoluído a abordagem ao terrorismo na TV
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"A vida real está a ficar mais doida do que a ficção". Quem o diz é Howard Gordon, produtor-executivo de 24: Legacy, novo spin-off da série de êxito protagonizada por Keifer Sutherland, que se estreia em Portugal a seis de fevereiro na Fox com uma nova personagem principal (Corey Hawkins), e ainda cocriador de Segurança Nacional, que regressou há uma semana, no mesmo canal, com a sua sexta temporada.

"É muito mais difícil fazer estas séries agora, do que alguma vez o foi. Em parte, pelo fator óbvio no argumento. Qualquer série se torna mais difícil de fazer com o passar do tempo, a não ser que limpes dali as mãos e desistas do projeto. Algumas pessoas fazem isso. Mas tem-se tornado cada vez mais desafiante. É muito difícil surpreender o público porque o mundo real já o faz por nós", diz Gordon, em conversa com o DN.

À frente de duas séries que misturam drama, crime, thriller, espionagem e, acima de tudo, o tema do terrorismo - ou a luta contra este -, o galardoado norte-americano de 55 anos conta que é muito diferente abordar este tema na ficção televisiva nos dias de hoje, em comparação com 2001, quando se estreou 24, apenas dois meses depois do 11 de setembro. "Nessa altura, o nosso trauma e medo era tão significativo e visível que o Jack [Bauer, agente da Unidade Anti-Terrorismo interpretado por Keifer Sutherland] se tornou no soldado que desejávamos, num herói, não só na luta contra o terrorismo mas também a burocracia incompetente. Foi catártico para os espectadores poderem ver este homem que fazia tudo o que podia para evitar o mal", começa por explicar.

Gordon conta que 24 se tornou mais "complexa" com a guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão e a mediatização da Prisão de Guantánamo. "Começámos a perceber que a série estava a gerar uma espécie de xenofobia, de "islamofobia". Alguns soldados estavam a inspirar-se na série e achámos que isso se poderia tornar perigoso. Não queremos provocar coisas desnecessárias. E por isso mesmo, a nossa sensibilidade para o tema do terrorismo evoluiu, certamente, nos últimos 15 anos. E continua a ser um desafio", ressalva.

A tensão entre Trump e a CIA

24 [tanto a antiga como a nova] e Segurança Nacional movem-se no mundo dos serviços de inteligência dos EUA, a primeira com a fictícia Unidade Anti-Terrorismo e a segunda com outras entidades, como a CIA, para a qual trabalhava a protagonista do drama político, Carrie Mathison (Claire Danes), na primeira temporada. Na vida real, Howard Gordon considera que "vai ser necessária alguma diplomacia interna para reparar alguns dos danos" causados pela tensão que se tem intensificado entre Donald Trump e os serviços de inteligência norte-americanos.

"O lado irónico e trágico é que estes serviços são altamente importantes. E isso viu-se na tentativa trapalhona de Trump de tentar estabelecer paz com a CIA. Acho que esta vai continuar a fazer o seu trabalho o melhor que pode. Mas quando existe uma falta de confiança entre as duas partes, isso não é bom. Não sei o que acontecerá, mas será interessante de ver", conta o produtor.

O homem que já esteve envolvido na equipa de Ficheiros Secretos revela que a obra literária de John Le Carré e o filme de espionagem A Vida dos Outros (2006), foram algumas das influências para a forma como 24 e Segurança Nacional foram criadas e evoluindo.

No caso da trama protagonizada por Claire Danes, a série em si foi baseada num original israelita. Mas Howard Gordon revela que são várias as diferenças entre as duas. "Não havia nenhuma Carrie Mathison na original. Era sobre terrorismo e dois soldados de guerra a regressarem a casa. Tirei esta ideia como base porque estava muito interessado no facto de os EUA estarem em guerra, ao invadirem o Iraque e o Afeganistão, com resultados mistos ou maioritariamente negativos. E não havia, na televisão norte-americana, uma personagem que fosse um soldado de guerra a regressar a casa. Essa ausência intrigou-me muito, a mim e ao Alex [Ganza, cocriador]", frisa.

Num mundo dominado pelas redes sociais, onde o consumidor da ficção televisiva tem, assim, uma voz mais ativa e audível, o produtor revela, curiosamente, que tenta desvalorizar o feedback que vem deste tipo de plataformas. "É uma faca de dois gumes. Tento ignorar as opiniões porque, infelizmente, as redes sociais são um convite às pessoas que não têm nada para fazer para criticar e insultar. Ler as opiniões seria um exercício destrutivo. Acho que tenho conseguido fortalecer o escudo à minha volta, mas tento não abrir essa caixa porque não gosto do que lá está dentro", afirma ao DN, em Chicago, pelo telefone.

24 e Segurança Nacional, de resto, têm o aplauso geral da crítica. Juntas, já venceram 28 galardões nos Emmy e sete Globos de Ouro. Mas Gordon revela que "os prémios são apenas um bónus". "Se levares os elogios demasiado a sério, terás que fazer o mesmo com as críticas. Só tento trabalhar o melhor que sei. Mas sou muito cínico em relação a estas coisas até eu ganhar os prémios. Aí, adoro", ri-se.

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