É melhor não riscar já o diesel das nossas contas

Sob o título Os números não mentem - 71 coisas que precisa de saber sobre o mundo, Vaclav Smil escreveu um livro acessível mas recheado de informação que aborda desde a geopolítica até à economia, da tecnologia à saúde, do ambiente à comida. Para os leitores, o DN selecionou para pré-publicação, com o acordo da editora Crítica, o ensaio "É melhor não riscar já o diesel das nossas contas", um exemplo do estilo do professor da Universidade do Manitoba, em Winnipeg, no Canadá.
Publicado a
Atualizado a

No dia 17 de fevereiro de 1897, Moritz Schröter, professor de Engenharia Teórica na Technische Universität de Munique, conduziu o teste oficial de certificação do novo motor de Rudolf Diesel. O objetivo era certificar a eficiência da máquina e assim demonstrar a sua adequabilidade para desenvolvimento comercial.

A prestação do motor com 4,5 toneladas métricas foi impressionante: na sua potência máxima de 13,4 quilowatts (18 cavalos, o equivalente a um pequeno motociclo moderno), a eficiência líquida chegou aos 26%, muito melhor do que qualquer motor a gasolina da época. Cheio de orgulho evidente, Diesel escreveu à mulher: «Mais nenhum motor concebido por outros conseguiu o mesmo que o meu, e por isso tenho a orgulhosa consciência de ser o primeiro na minha especialidade.» Mais tarde nesse mesmo ano, a eficiência do motor atingiu os 30%, o que tornou a máquina duas vezes mais eficiente do que os motores Otto, da altura, alimentados a gasolina.

Com o tempo, este fosso de eficiência estreitou-se, mas os atuais motores a diesel continuam a ser pelo menos 15% a 20% mais eficientes do que os seus rivais a gasolina. Os diesel têm várias vantagens: usam combustível com uma maior densidade de energia (contém quase 12% mais energia do que o mesmo volume de gasolina, o que permite a um veículo ir mais longe com um depósito de igual capacidade); a autoignição envolve rácios de compressão duas vezes superiores aos dos motores a gasolina (do que resulta uma combustão mais completa e gases mais frios à saída do escape); conseguem queimar um combustível de menor qualidade, logo mais barato, e os modernos sistemas de injeção pulverizam o combustível nos cilindros a altas pressões, o que resulta numa maior eficiência e gases de escape mais limpos.

Mas o teste de 1897, que estabeleceu novos recordes, não foi de imediato seguido por um desenvolvimento comercial. A conclusão de Diesel de que tinha «uma máquina totalmente comerciável» e que «o resto seguir-se-á automaticamente pelo seu próprio valor» estava errada. Só em 1911 o navio dinamarquês Selandia se tornou o primeiro cargueiro oceânico propulsionado por um motor diesel, e o diesel só dominou a marinha mercante depois do fim da Primeira Guerra Mundial. A tração ferroviária pesada foi a sua primeira conquista terrestre, seguida pelo transporte rodoviário de mercadorias, veículos todo-o-terreno e maquinaria de construção e agrícola. O primeiro automóvel a diesel, o Mercedes-Benz 260 D, apareceu em 1936. Hoje, em toda a União Europeia, cerca de 40% de todos os veículos de passageiros estão equipados com motores diesel, mas nos Estados Unidos (onde a gasolina é mais barata) representam apenas 3%.

A esperança inicial de Rudolf Diesel era ver pequenos motores usados sobretudo por pequenos produtores independentes como ferramentas da descentralização industrial, mas passados mais de 120 anos verifica-se o oposto. Os motores diesel são os incontestáveis facilitadores da produção industrial maciçamente centralizada e os principais agentes insubstituíveis da globalização.

Equipam praticamente todos os porta-contentores e transportadores de veículos e de bens a granel como petróleo, gás natural liquefeito, minérios, cimento e cereais. Também movem quase todos os camiões e comboios de carga.

A maior parte das coisas que o leitor come ou usa são transportadas, pelo menos uma vez, e geralmente muitas vezes, por máquinas movidas a diesel, quantas vezes de outros continentes: roupas do Bangladexe, laranjas da África do Sul, petróleo bruto do Médio Oriente, bauxite da Jamaica, automóveis do Japão, computadores da China. Sem os baixos custos operacionais, a elevada eficiência, a elevada fiabilidade e a grande durabilidade dos motores diesel, teria sido impossível chegar à medida de globalização que define a economia moderna.

Ao longo de mais de um século de uso, os motores diesel cresceram em capacidade e eficiência. As maiores máquinas usadas na navegação debitam agora mais de 81 megawatts (109 mil cavalos, e o seu máximo de eficiência líquida situa-se acima dos 50% - melhor do que a das turbinas a gás, que ronda os 40% (ver A razão por que as turbinas a gás são a melhor escolha, p. 143).

E os motores diesel vieram para ficar. Não há nenhuma alternativa disponível para o transporte de grandes cargas capaz de continuar a integrar a economia global com um tão baixo custo, eficiência e fiabilidade como as máquinas de Diesel.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt