"É imprescindível, é importante, é fundamental o aeroporto"
Este pode ser o nosso melhor ano de sempre no setor do turismo. Tem uma ideia concreta sobre o aumento que o setor pode ter em relação ao número de turistas e ao nível de receitas?
O ano está praticamente a acabar, falta um mês, e eu estou convencido de que vamos ter - tenho praticamente a certeza, se nada de anómalo acontecer -, vamos ter, novamente, um ano melhor do que o ano passado. E, ainda sem levantarmos o véu, quase diria que, com todos os dados que temos neste momento, podemos dizer que 2017 ainda irá ser melhor do que 2016. Mas, ainda [relativamente] a este ano, neste momento, os dados que temos, concretos, são os dados de setembro e, quer em número de hóspedes - estamos a subir mais de 9% - quer em número de dormidas estamos com mais 8,7%. É evidente que as dormidas de estrangeiros estão a subir mais - nós temos perto de 30% de mercado interno. Mas o que nós assistimos, para lhe dar uma ideia e novamente [em relação] a setembro, é que em relação às dormidas temos mais 10% de ingleses - e, portanto, ainda não estamos aqui a sentir o efeito brexit, que é uma coisa que nos preocupa para 2017 -, estamos com mais 8% da Alemanha, que é um sítio onde nós achamos que podemos crescer muito, a Espanha 10%, a França, que nos está a "invadir", 16% e, um bocadinho mais abaixo, temos aqui os americanos com 20%. O que é que nos aconteceu? Tivemos aqui uma baixa com o mercado brasileiro e angolano.
Já está a subir o mercado brasileiro, curiosamente. Mas a dinâmica é de tal maneira grande que nem se sente essa baixa desses mercados. E esta aposta que a TAP está a fazer nos Estados Unidos, que eu penso que é uma aposta ganha, estamos a falar, provavelmente, de uma TAP que, há dois anos, tinha se calhar nem dez voos para os Estados Unidos e que o seu presidente, David Neeleman, anunciou a semana passada que o objetivo é ter setenta. Portanto, quase vai tentar replicar no mercado americano aquilo que fez no mercado brasileiro e sabemos que, neste momento, a ocupação dessa linha é, maioritariamente, de americanos a virem a Portugal e não de portugueses a irem à América. E é um turista - só para acabar - que é muito interessante, por duas ordens de razões. Quer dizer, todos os turistas são interessantes. O americano tem duas particularidades.
Têm mais poder de compra.
E vem mais tempo. Tem mais poder de compra e vem mais tempo.
Esse crescimento já se reflete positivamente na situação financeira das empresas?
Diz bem. Aquilo que nós tivemos foram anos muito maus: 2009, 2010, 2011. Quer dizer, apanhámos a crise, como toda a gente. As empresas portuguesas de turismo, à semelhança das outras, estavam endividadas. Hoje em dia, isso deixou de ser um tabu. E, portanto, o que acontece é que havia um desafio muito grande, que era podermos aumentar a ocupação. Porque aumentando a ocupação, coisa que aconteceu nos últimos três anos, foi possível aumentar os preços. Neste momento, o aumento dos preços é uma realidade. Inclusive, por exemplo, se estivermos a falar na época alta no Algarve, o aumento dos preços foi uma realidade muito positiva. E isso está a começar a refletir-se nas empresas portuguesas.
[citacao:Os turistas estrangeiros deixam em Portugal mais de um milhão de euros por hora]
Este aumento de turismo que temos visto, acima de tudo, em Lisboa e no Porto... Temos estrutura preparada para este acréscimo ou esta pressão? Já se tem discutido, até, se vale a pena ter tantos turistas.
O turismo tem dado um grande contributo para as contas do país e para o crescimento do PIB. O turismo, este ano, já criou 45 mil postos de trabalho; e, pela primeira vez em dois anos nos últimos 40, as nossas contas são positivas por causa do efeito do turismo. Os turistas deixam, hoje em dia, em Portugal mais de um milhão de euros por hora. É este número que a gente tem de reter. Agora, dito isto, o turismo tem sido muito importante. E nós estamos preparados. É evidente que há sensibilidades. Repare numa coisa, por exemplo, falando no caso de Lisboa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa é o presidente da Associação de Turismo de Lisboa e, portanto, está permanentemente em contacto com as realidades - e, na Associação de Turismo de Lisboa, estão representadas praticamente todas as forças vivas do turismo, seja a animação, a hotelaria, a restauração, as agências, tudo. E, portanto, os problemas são lá debatidos. Agora, é evidente que uma carga adicional de turistas traz problemas ou traz atenções diferentes. Estávamos, há bocado, a falar nas nossas tendências futebolísticas. A gente não se pode esquecer de que, se passar à porta de um estádio, aqui na 2.ª Circular, neste momento está vazio. No fim de semana, se calhar, tem lá 50 mil pessoas e as coisas aparecem: aparece alimentação, transportes, segurança. Tudo aparece calmamente.
Pois é. É o que se espera...
Aqui é igual. O que acontece aqui é que - e os vários governos têm tido atenção nesse sentido - as coisas têm-se passado com alguma tranquilidade, estamos preparados para isso. Agora, há consequências? Há.
[citacao:São os turistas que estão a reabilitar os bairros históricos]
E há adaptações a fazer nas próprias cidades para que esse aumento seja bem gerido. Essas adaptações foram feitas, estão em marcha?
Eu diria que há mais alterações do que propriamente adaptações. Agora repare numa coisa, de que a gente tanto fala: os bairros históricos, etc. A nossa Baixa, o nosso Chiado estava deserto. Há dez anos, estava deserto.
Sim, mas, em contrapartida, Alfama tem cada vez menos gente de Alfama e cada vez mais turistas a viver lá dentro.
Mas, oiça uma coisa, a gente poderia estar aqui a discutir muito tempo, mas as pessoas queriam ir mesmo para Alfama ou só as pessoas que lá estavam é que gostavam de lá estar? É que eu acho é que são os turistas que estão a redescobrir esses bairros históricos. Aquilo estava tudo desertificado, estava tudo abandonado, os prédios estavam abandonados. E o que nós vemos hoje em dia é uma requalificação muito grande desses bairros.
O crescimento do setor tem que ver com uma definição de uma estratégia por parte dos operadores ou tem mais que ver com o facto de haver áreas do globo, nomeadamente aqui próximas de nós - nomeadamente o Norte de África - que acabam por empurrar turismo para Portugal mas também muito para Espanha? Qual é, das duas, a que tem mais peso aqui?
Eu, aí, tenho de puxar a brasa à minha sardinha. Quando tem quase 20 milhões de turistas, não há moda nem desvio de tráfego que justifique os 20 milhões. E, portanto, usando as palavras de um ex-secretário de Estado, o que eu acho é que nós temos muita gente, há muito tempo, a fazer muita coisa muito bem feita. É evidente, não escondamos isso, existem países ou destinos que, infelizmente para eles, não estão a atravessar a melhor situação, inclusive de segurança, e que [com] isso haja algum desvio de tráfego. Mas, repare uma coisa, na sua análise bem feita disse "desvios para Portugal e Espanha". Nunca se esqueça de uma coisa: durante muitos anos, a Espanha tinha um problema de segurança grande, com a ETA, e nós andámos a beneficiar muito tempo (porque Portugal e Espanha, nomeadamente no sol e mar, são muito concorrentes) do desvio. Hoje em dia, Espanha é um destino seguro. E, portanto, a questão que se põe é [que], quando um determinado turista não quer ir para o Norte de África, como disse, não tem de vir para Portugal: pode ir para Portugal, pode ir para Espanha, pode ir para Itália, pode ir para a Grécia. Portanto, eu acho é que isto é uma situação muito mais estrutural. Claro que ajuda. Claro que ajuda!
[citacao:Com o brexit haverá uma alteração dos hábitos de consumo e Portugal poderá vir a ganhar com essa alteração]
Em 2017 acha que nós vamos conseguir patamares de crescimento idênticos àqueles que tivemos em 2015 e em 2016?
Sim. Eu tenho aqui uma dúvida - e adorava ter uma bola de cristal, mas não tenho - que é o brexit. Os ingleses marcam as suas férias com muita antecedência, razão pela qual, em 2016, não estamos a sentir qualquer impacto. Pode não ser, mas pode ser. São, provavelmente, os turistas que marcam as suas férias com mais tempo. Quer a nível de privados, quer a nível de públicos (Secretaria de Estado do Turismo e Turismo de Portugal), os operadores estão extraordinariamente sensíveis e estão a fazer tudo, com ações muito concretas no mercado britânico, para tentar evitar problemas...
Que é um mercado fundamental para nós...
Fundamental. E então para o Algarve é muitíssimo importante que isso aconteça. Mas tirando isso, repare, o Brasil já está a recuperar na segunda parte do ano de 2016 e todos os nossos mercados tradicionais - Espanha, Itália, França, Alemanha, Benelux -, estão todos a crescer. Repare numa coisa, vou só falar-lhe de dois destinos: o alemão, em que nós temos uma quota de 1% nos turistas alemães que viajam. Ou seja, não é dos alemães, é dos que viajam nós só temos 1%. O estado de satisfação dos alemães quando vêm cá é extraordinariamente grande. Portanto, é algo que nós estamos, neste momento, a tentar fazer crescer. Temos tido várias reuniões, inclusive, com a tutela para fazermos ações concretas, maciças e dinâmicas no mercado alemão, porque é um mercado que nós achamos que temos de tentar...
Que pode crescer.
Fazer aquilo que se fez com o francês.
Mas há, de facto, esse problema com os britânicos, são o nosso principal cliente...
É a única dúvida que nós temos. É a única dúvida. Mas, repare...
Já há uma desvalorização da libra. Diz-me que não se sentiu este ano...
Não se sentiu.
Muito provavelmente por causa de terem marcado férias com antecedência. Mas é isso que teme, é que a libra fique tão barata que torne muito caro vir para Portugal para os ingleses? Ou ficar mais caro do que é habitual?
Não, que haja hábitos de consumo diferentes. Porque o que vai acontecer no brexit - e eu não tenho dúvida nenhuma nisso - é que vai haver uma alteração do consumo. Nós poderemos beneficiar com isso. Repare, o que acontece é o seguinte: os britânicos viajam muito para o longo curso; pode acontecer um fenómeno, que nos beneficiaria muito, que era trocarem o longo curso pelo médio curso e então nós irmos buscar visitantes ou turistas ingleses que iriam, se calhar, para as Caraíbas ou para destinos mais longínquos e que agora, por uma questão de preço face à desvalorização da libra, que já existiu, poderem escolher um destino de mais médio curso e em que Portugal, aí, poderá ser eleito. Mas não se esqueça do que falámos há bocado, que com o crescimento dos americanos, com a oferta instalada, vai ser...
Exatamente a propósito disso e da TAP - já disse mais do que uma vez que a TAP é determinante para o turismo português -, está a crescer tanto o turismo, está a crescer também a TAP para a América e outras companhias de aviação a vir para cá. Com a evolução prevista do transporte aéreo, é imprescindível, na sua opinião, voltarmos a pensar num novo aeroporto em Lisboa? E, já agora, pergunto-lhe se o Montijo é uma boa solução.
Olhe, ajude-me a encontrar palavras: imprescindível, importante, fundamental, determinante, tudo. A Confederação do Turismo não se cansa de o dizer e dissemos no passado que, numa altura em que não fazia sentido falarmos todos os dias do aeroporto, falávamos todos os dias no aeroporto; neste momento que deveríamos estar a falar todos os dias no aeroporto, não se fala no aeroporto. Vou dizer-lhe duas coisas que aconteceram nos últimos dez dias. Quer o presidente da ANA quer o presidente da TAP, ambos disseram que o aeroporto da Portela não vai conseguir satisfazer a procura que existe neste momento.
Um deles deu mesmo uma data, o verão de 2018. Se não estou em erro, o David Neeleman disse que, no verão de 2018, a TAP estará no seu limite, se nada mudar, no Aeroporto da Portela.
Exatamente. E, como sabemos, uma instalação aeroportuária não é fazer assim [estala os dedos], não se faz de um dia para o outro. Nesse sentido, e porque também já vi declarações dessas do presidente da ANA, se optarmos pelo Montijo - e eu penso que deveríamos fazê-lo -, não sou um técnico da matéria, mas estou aqui a privilegiar o tempo, porque não há nenhuma solução tão rápida como o Montijo...
Já lá têm alguma infraestrutura.
Exatamente, ajuda. Mas são três anos. Neste momento, se me disser [perguntar] se eu posso eleger o nosso principal problema, aquilo que iremos dizer, até que a voz nos doa, é o aeroporto. É urgente, urgente, urgente a definição e que seja o Portela+1, com o Montijo, porque, como disse e bem, existe uma estrutura aeroportuária já montada e será mais fácil de adaptar do que a construção de um novo aeroporto.