"É importante que não tarde um sinal que ajude a recuperar confiança" na IGAI

Ministro da Administração Interna com António Guterres e da Justiça com José Sócrates, o socialista Alberto Costa foi o "pai" da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), criticada por arquivar os inquéritos dos agentes de Alfragide, para fiscalizar a atuação policial. "Esta não é a minha polícia" ficou como a sua célebre frase e provocou a sua demissão.
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Quase 20 anos depois de ter dito, na sequência de um caso de violência policial contra trabalhadores que ocupavam uma fábrica, a célebre frase "esta não é a minha polícia", como recebeu a notícia da recente acusação contra os 18 agentes da PSP por crimes daquela gravidade?

Com muita surpresa. Os progressos feitos pelas forças policiais no domínio do respeito pelos direitos humanos foram muito grandes. O que se vier a passar neste processo, seja em que sentido for a decisão judicial final, trar-nos-á sempre lições sérias.

Durante o seu mandato a PSP passou a ser comandada por civis. Qual era o objetivo?

Hoje já quase não nos lembramos. Mas, décadas depois do 25 de Abril, as duas principais forças de segurança continuavam comandadas por generais do Exército (não apenas a GNR, como ainda hoje). A influência do modelo militar no estilo do policiamento urbano era significativo. Não se investira na formação policial e nos novos modelos de proximidade. Muitas falhas no respeito pelos direitos não eram apuradas ou sancionadas como se impunha. Não havia controlo externo da atividade policial. Tratava-se de alterar esse panorama. E isso aconteceu. Não só o novo modelo de direção da PSP, não militar, como o controlo externo da IGAI, programas de policiamento como a Escola Segura, etc., surgiram então.

Como se podem prevenir casos como este da Cova da Moura? Impera a impunidade?

Ainda não é possível saber com rigor o que se passou, e em que medida falharam instituições ou apenas pessoas. Também é cedo para falar de impunidade. O Estado de direito está ainda em plena ação.

O facto de ter arquivado os inquéritos dos agentes agora acusados fragiliza a IGAI?

Não sei exatamente como se passaram as coisas no âmbito da IGAI. Coube-me escolher o primeiro Inspetor-Geral e pôr em marcha essa instituição de controlo externo da atividade policial que não existia até 1995. O que retiro desde já é que será necessário trabalhar a sério a favor da capacidade, da credibilidade e da confiança nessa instituição. Isto para que o prestígio forjado nesses anos se possa manter.

Qual o papel que a IGAI devia ter?

As atribuições e competências que já constavam do desenho legal com que ela foi formatada há duas décadas permanecem válidas. A eficácia do controlo externo da atividade policial continua a ser do maior relevo não só para a garantia dos direitos como também para aumentar a confiança na intervenção da polícia e nos seus profissionais. E insisto: vai ser preciso trabalhar mais e melhor também no domínio do controlo externo.

A esmagadora maioria das queixas são arquivadas...

Muitas dessas questões nunca terão solução satisfatória na esfera penal ou disciplinar. Há que instituir novas soluções, inclusivamente de mediação e de diálogo, no domínio do policiamento de proximidade, soluções que, a montante, possam contribuir para dirimir e mesmo evitar muitas delas.

Que mensagem devia ser dada pelo governo sobre este caso?

Dado o ritmo próprio da atividade judicial, é importante que não tarde um sinal que ajude a recuperar confiança na intervenção do controlo externo. Em qualquer hipótese, essa confiança já está afetada.

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