"É difícil alcançar ou manter o êxito do primeiro disco"
A canção Já não falamos tinha sido lançada na madrugada de segunda-feira e era tema de conversa nas redes sociais de Diogo Piçarra na manhã em que o DN entrevistou o cantor. É o mais recente single do disco que será lançado dia 31. Chama-se Do=s, lê-se Dois, e a conversa, numa pausa do primeiro ensaio para a nova digressão passa, obrigatoriamente, pelo título. "Queria que significasse mais do que o dois do segundo disco. Ao colocar dois traços quis simbolizar as duas pessoas de uma relação", explica. "E também não haveria essa pergunta".
Trata-se, então, do segundo disco de Diogo Piçarra, 26 anos, que, perseguido pelo número dois, aparece um par de anos depois do álbum de estreia, Espelho, aquele que pôs o vencedor da quinta edição do concurso de talentos Ídolos (SIC) no mapa, com canções como Tu e Eu.
É o próprio Diogo Piçarra que admite que o segundo disco foi mais difícil. "É mesmo e não é a minha opinião, é a opinião de artistas consagrados com quem falei, o David Fonseca e o Pedro Abrunhosa. Já os encontrei e sempre que pedi conselho, dizem que o segundo disco foi o mais difícil para ambos. É difícil alcançar o êxito do primeiro disco ou manter. E a confiança pode ser a morte do artista. A confiança pode afetar a maneira de escrever".
Garante que não quis replicar fórmulas de sucesso. "Não quero repetir uma Tu e Eu, que já tem 12 milhões de visualizações no YouTube, não quero uma Verdadeiro. Vou fazer o que estou a ouvir neste momento e não tive medo". A saber: Hip hop, Future, "imenso Drake", The Chain Smokers, a última do Carlão, Agulha no Palheiro, Rihanna... "Adoro Rihanna, adoro a nova Rihanna. Esta nova abordagem: uma cara bonita, inocente e, de repente, torna-se uma bad girl. Muitas [cantoras] vão por esse caminho. Beyoncé, Taylor Swift, que agora é uma bad girl também". Acrescenta: "Não me quero tornar um bad boy, nada disso, mas é uma evolução". E ainda junta os Coldplay à sua playlist no Spotify.
A eletrónica tomou conta da música de Diogo Piçarra. É evidente na escolha dos produtores de oito das canções - Branko e Riot (Buraka Som Sistema), Lhast, Karetus, J-Cool - e no mais reconhecido dos novos singles, Dialeto (produção Karetus). "Foi muito arriscado, muito diferente do primeiro disco, para mais com um bye, bye, bye, uma letra em inglês, mas achei que era o caminho correto, chamar a atenção, surpreender". "Como já dei os primeiros passos na eletrónica e não senti nenhuma rejeição por parte do público, senti-me à vontade para continuar e para explorar, mas continuo o mesmo Diogo e a música continua a ser feita na guitarra e no piano antes de passar para a produção". Ele próprio produziu Dois e Só Existo Contigo.
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Do lote de canções que apresentou à editora, Universal, uma chegou a ser pensada para Mickael Carreira. "O Mickael não ficou com a música e permaneceu igual. Com a minha voz e a da April [Ivy], como estava na maquete". Erro entrou quase por acaso. "Estava a trabalhar com o Branko, mostrou-me um instrumental e surgiu uma ideia".
Revisão da matéria estudada
Por esta altura, menos de uma semana para o lançamento oficial do disco, outras três músicas são já conhecidas - História, 90, Wall of Love [com os Karetus]. De que serve, pois, um disco, com tantas canções na rua? "Acho que o problema é que nos pressionamos uns aos outros. Um lança um single, o outro lança um single na semana a seguir, sentimos a pressão desse ritmo. Não só em Portugal, mas também lá fora", analisa. "O disco é a revisão da matéria estudada, é apenas mais um ritual do que outra coisa. As pessoas querem ouvir uma música, querem um videoclip, querem ouvir na rádio". Na segunda-feira saiu também o vídeo de Já não Falamos. Piçarra costuma estar também atrás das câmaras, na realização e edição.
"Sinto que o álbum hoje é obsoleto e apenas uma carta de visita para um primeiro disco. As pessoas não compram, vão ouvir no concerto ou no Spotify, no Youtube. Há tanta oferta! Seja em termos de artistas seja de singles, e eu sinto isso. Senti no primeiro disco, apesar de ter atingido o número 1 de vendas, e não espero o mesmo deste segundo disco, nem penso nisso. O que queremos é a casa cheia nos concertos."
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A mudança na trajetória para a eletrónica tem, também, a ver com a experiência ganha em palco. "As músicas preferidas das pessoas começaram a ser as mais eletrónicas, e eu sempre pensei que era ao contrário, que o povo português era mais de acústicos, mais de guitarras e pianos. Sinto que as pessoas gostam de ouvir em casa, mas fora gostam de se mexer, de se divertirem."
Um novo concerto
Uma semana antes do lançamento do disco, começou a digressão com novo concerto. Desta vez, em casa. O novo formato estreou, esgotado, na sexta-feira no Teatro das Figuras, em Faro, a cidade onde vivia até há quatro anos, e de que lhe ficou um sotaque que só lhe sai quando fala com os músicos que o acompanham - Francisco Aragão, guitarra e teclados; Miguel Santos, baixo; e Filipe Cabeçadas, bateria.
Juntos, reveem o alinhamento, trocam frases apenas compreensíveis entre eles sobre o espetáculo de 15 músicas, mais uma -90 - "que ainda estamos a avaliar se vamos tocar". "Decidi não misturar tantos estilos, como acontecia no outro concerto em que tocava ukelelé, tambores, piano, guitarra acústica, agora optei para não fazer tanto no concerto e ficar mais coerente". Os únicos que serão diferentes, garante, são os coliseus do Porto (27 de outubro) e Lisboa (3 de novembro).
"O mais difícil era definir o setlist, e ter as pistas e os backtracks prontos, o resto já estamos habituados a tocar. Conhecemo-nos muito bem. Sei que nunca vai estar perfeito, mas para quem não percebe de música vai estar sempre do caraças. Não [devemos] complicar de maneira a que fique inalcançável, mas mostrar que há trabalho e muito empenho", diz. "Para mim, hoje em dia, é totalmente o oposto do que acontecia antigamente quando tinha bandas de rock e de covers . Passávamos noites e noites a ensaiar, até ficar roucos e cansados, e depois repetíamos os mesmos erros em palco".