E depois de Lula e de Bolsonaro? Quem são os herdeiros da dupla
A campanha eleitoral para as presidenciais de outubro ainda nem começou e a esquerda e a direita brasileiras já pensam em 2026: quem pode empunhar as respetivas bandeiras, depois da saída de cena dos carismáticos Lula da Silva e Jair Bolsonaro? Do lado do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad surge como sucessor natural do antigo sindicalista. No campo bolsonarista, é Tarcísio Gomes de Freitas o principal candidato a herdeiro do ex-capitão do exército. Sucede que os dois delfins, Haddad e Tarcísio, vão se enfrentar também em outubro mas na corrida ao governo de São Paulo.
A discussão sobre a eleição de daqui a quatro anos pode parecer extemporânea mas há fatores que a precipitam. Caso Lula ganhe, em 2026, ano do próximo sufrágio, terá 81 anos. Ora, a média de idade dos presidentes brasileiros é 57 - o mais velho a ocupar o Palácio do Planalto foi Michel Temer, empossado à beira de completar 76, mas não pelo voto - assumiu, na qualidade de vice-presidente, após impeachment de Dilma Rousseff.
E Bolsonaro, do Partido Liberal, caso vença este ano, não pode concorrer, a não ser que mude a Constituição do país, a um terceiro mandato.
A jornalista Andréia Sadi, que cobre os bastidores de Brasília para a TV Globo e a GloboNews, escreveu no portal G1 que Lula e Bolsonaro usam a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes (sede do governo paulista) como teste aos seus sucessores.
"Tanto Lula quanto Bolsonaro querem testar e fortalecer nomes de potenciais sucessores para futuras eleições presidenciais em que eles não serão protagonistas", assinala a colunista. "Com ou sem vitória de Lula, Haddad já é apontado como um sucessor natural do ex-presidente - mas, se vencer no maior colégio eleitoral do país, ganha ainda mais força como herdeiro do lulismo, avaliam petistas".
"A mesma avaliação vale para Tarcísio", continua Sadi. "Ele é apontado por bolsonaristas, por militares e também por líderes do centrão [grupo de deputados que apoia o governo em vigor, no caso, o de Bolsonaro], como um dos favoritos para futuras disputas presidenciais pelo campo bolsonarista". "Se Tarcísio ganhar o governo de São Paulo, não vai ter para ninguém em 2026", disse um ministro à repórter.
Haddad, que concorreu à presidência em 2018, dada a prisão de Lula, e perdeu para Bolsonaro (por 55% a 45%, à segunda volta), já é, por ter participado nessa campanha, conhecido do público. Natural de São Paulo, 59 anos, bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia, foi ministro da Educação de Lula e Dilma e prefeito da cidade natal. "Ele é tudo o que eu não sou", disse Lula, "é alto, é bonito e é doutor!". "E foi o melhor ministro da Educação da história desse país", acrescentou.
Tarcísio, ainda sem partido, nasceu no Rio de Janeiro - o que já está a ser usado contra si por rivais nas eleições paulistas - e terá 47 anos no dia das eleições. Engenheiro de formação e funcionário público de carreira, depois de servir como diretor de transportes sob Dilma, foi nomeado ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro, onde ganhou estatuto de "estrela". "Asfalta o que pode mesmo com menos recursos" e "orgulha a classe dos engenheiros", disse dele Bolsonaro. "Não é de São Paulo? Quem sabe, São Paulo o adote...".
Para Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado, faz sentido, à luz da história da política brasileira, considerar um governador de São Paulo, como podem vir a ser Haddad ou Tarcísio, como candidato automático a presidente.
"Há uma ideia na política brasileira de que o governador de São Paulo, por controlar o segundo maior orçamento do país, é imediatamente candidato a presidente", diz.
E o domínio do estado mais rico, poderoso, influente e populoso do Brasil serve, por outro lado, como refúgio de luxo para quem perca eleições nacionais. "Num cenário em que Tarcísio ganhe São Paulo e o seu mentor, Bolsonaro, perca o Planalto, ou vice-versa, em relação a Haddad e Lula, o campo derrotado em Brasília terá em São Paulo o acesso a verbas, a cargos públicos e aos media considerados essenciais para voltar a ser competitivo no próximo ciclo eleitoral - o PSDB, aliás, só sobreviveu às derrotas presidenciais dos últimos 20 anos por ter mantido sob seu controle, durante esse tempo, o governo de São Paulo".
De 1995 até hoje, o Partido da Social Democracia do Brasil, de Fernando Henrique Cardoso, governou São Paulo através de Mário Covas, de Geraldo Alckmin, de José Serra e de João Doria, todos eles, depois, candidatos à presidência do país.
Alckmin, por ter sido, com surpresa, o escolhido de Lula para seu candidato a vice-presidente, apoiará, portanto, Haddad. Mas pode ser Tarcísio, segundo Vinícius Vieira, a herdar o seu legado conservador. "Tarcísio aparece em surpreendente boa posição para ganhar o estado - surpreendente porque ele nem é de São Paulo e jamais concorreu a um cargo público -, uma vez que é o seu nome, e não o de Haddad, que ecoa nos eleitores conservadores órfãos de Alckmin no interior do estado".
"O estado de São Paulo", continua o académico, "é muito dividido entre o interior, conservador e agrícola, e a cosmopolita capital estadual e a sua periferia, muito mais diversas, económica e até etnicamente, o que faz com o primeiro vote tradicionalmente à direita e as segundas, à esquerda".
"Tarcísio busca, entretanto, conquistar a periferia da capital São Paulo, com uma eventual candidata a vice-governadora negra e militar, a Coronel Helena", diz Vieira. "Ele é um técnico bem-visto pelas elites, e é mais moderado do que Bolsonaro, mas, uma vez eleito, terá necessariamente de abrigar no seu governo o bolsonarismo, o que é um perigo: imagine-se as universidades públicas de São Paulo, o estado que mais investe em ciência, nas mãos de evangélicos que se preocupam sobretudo com questões comportamentais e não científicas...".
"E, caso essa vitória se confirme, Haddad ficará com estigma de derrotado, depois de perder, em 2016, a reeleição para a prefeitura de São Paulo, em 2018, a eleição presidencial e, em 2022, o governo", adverte Vieira.
Wagner Romão, cientista político da Unicamp, não acha ser já o tempo para se falar em sucessão de Lula e Bolsonaro. "Muita coisa vai acontecer e, Haddad ou Tarcísio, poderão querer continuar no governo do estado em 2026 em vez de se arriscarem ao Planalto".
"Entretanto, Tarcísio, caso seja eleito governador, pode, sim, ser uma ótima opção para o campo autoritário conservador, e Haddad está, claro, na calha para suceder Lula à esquerda", concorda.
Em sondagem da Quaest/Genial, de quinta-feira, 17, Haddad somava 35% e Tarcísio 15% na corrida ao governo de São Paulo, indicando eventual segunda volta entre os dois.
Os dados para a disputa em São Paulo-2022 (ou já Brasil-2026), entretanto, já foram lançados há ano e meio - pelo Twitter. Na ocasião, a propósito de um apagão no Amapá, em pleno caos da pandemia, Haddad provocou Tarcísio: "O ministro da Infraestrutura, segundo a imprensa, era "o competente do governo". Será que ao contrário do seu colega da Saúde ele sabe onde é o Amapá? Que tragédia de governo". E Tarcísio rebateu logo: "Haddad, o meu ministério cuida de transportes. Será que, ao contrário de quem nunca esteve num governo, você não deveria saber as atribuições dos ministérios? Que tragédia de oposição".