"É como se fôssemos escolhidos por Deus para não ter combates aqui..."
Quais são as ameaças que Portugal enfrenta?
As ameaças que Portugal enfrenta são, embora com menor probabilidade de ocorrerem, as que aponto no livro. Pode acontecer um atentado terrorista. É claro que, com os mesmos riscos, se obtêm mais resultados fazendo uma operação em Madrid, Londres, Paris ou Bruxelas do que em Lisboa. Também corremos riscos que resultam das nossas obrigações internacionais face às alianças a que pertencemos e à nossa posição estratégica... ameaças quer aéreas quer navais.
Mas o grau dessas ameaças é menor em Portugal...
É menor para qualquer dos dois grandes grupos de ameaças, um ataque terrorista tipo Paris e ações de natureza militar na nossa área de influência estratégica. Pensamos é em que zonas podem levar a um atrito, inclusive conflitual, entre a Rússia e o Ocidente e que são aquela linha de Estados que vai do Báltico ao mar Negro e Cáspio. Muitos deles são satélites da antiga URSS e agora pertencem à NATO e UE. Uma demonstração disso foi a conquista da Crimeia, onde a Rússia alterou fronteiras políticas pelo uso da força.
Sendo menor a ameaça, Portugal é capaz de se defender?
Tem meios... é muito difícil dar uma resposta de sim ou não, porque isso poderia levar a induzir que não temos atentados. Podemos vir a ter e temos capacidades semelhantes às dos outros países europeus, talvez reforçadas após o que aconteceu em França. Os principais instrumentos defensivos para lhes fazer frente são bons serviços de informações. A única maneira de nos anteciparmos a um ataque daquele tipo é termos serviços de informações capazes de ter notícias e conseguir infiltrar organizações dessas... tenho criticado os serviços de informações, mesmo os civis, por não terem capacidade de fazer escutas para conseguir conhecer o que são os metadados e perceber as redes de ligações... devemos ser os únicos sem essa capacidade. O Parlamento e os partidos e os governos não têm cedido nesse campo, apesar das posições dos responsáveis, eventualmente por fantasmas do antigamente. Talvez não esteja apagada a memória de que a PIDE existiu e pode voltar e os media lembrarem isso. Em termos do país ter capacidades autónomas para se defender, temos algumas relativas às ameaças que poderão acontecer e não necessitam do envolvimento dos parceiros da Aliança.
Portugal não enfrenta uma guerra há dois séculos, sendo um caso quase único na Europa. O sentimento de segurança dos portugueses é real?
Os portugueses consideram absurdo e portanto impossível ou muito improvável que sejamos obrigados a defender-nos pelas armas, a responder a um ataque militar. Estão convencidos de que não precisamos de ter meios para ameaças que não se concretizam e isso resulta de há muito não termos guerra no nosso território. É como se fôssemos escolhidos por Deus para não ter combates aqui.... É falso, porque há ameaças ao país cuja probabilidade de serem concretizadas existem... com menor probabilidade, porque estamos na ponta da Europa e a retumbância estratégica em termos de informação não seria tão grande.
O país pode assumir uma política de defesa externa? Com que capacidade operacional das Forças Armadas (FA)?
À nossa dimensão, temos mostrado que somos capazes de ombrear com os outros países europeus com mais capacidades, o que se tem verificado na nossa atuação com as Forças Nacionais Destacadas. Em todo o lugar são sempre muito elogiadas pelos comandantes e, curiosamente, muito bem recebidas pela população, o que normalmente não acontece com os aliados.
Em 1995, nas vésperas da ida para a Bósnia, mostrou-se contrário a essa missão. Como avalia agora essa decisão política?
Não concordei porque nunca se tinha feito uma missão dessas e, para a dimensão do país, considerei uma aventura que nos saísse cara e Portugal não estava em condições de pagar um preço elevado. Mas com o tempo teve o efeito positivo de mostrar não só aos aliados que tínhamos capacidades para usar e estávamos dispostos a fazer. E os nossos responsáveis políticos aperceberam-se de que o emprego de meios militares podia ser um instrumento útil da política externa.
O orçamento para este ano é igual ao de 2015. Não se vê como e quando atingir o compromisso de investir 2% do PIB com a Defesa numa década...
Não vamos conseguir. Ou mantemos os meios que temos ou então temos mesmo de gastar. Quando foi assumido esse compromisso [na cimeira da NATO] em Gales, até chamei a isso uma anedota. A Europa convenceu-se de que não vai ter problemas...
A ameaça terrorista é usada para financiar as FA?
Os serviços de informações podem falhar. Dando-se a violência, precisamos de instrumentos para a contrariar. Um é o Estado ter meios de combate para, se necessário, combater e, por os ter, ajudar a dissuadir iniciativas de grupos que nos possam atacar, por receio da resposta... embora o principal dessa luta sejam os serviços de informações.
Diz no livro que um Estado sem FA não dispõe de soberania. E sem dinheiro, como sucede desde o pedido de ajuda externa em 2011?
É evidente que um Estado que depende de outros para ter meios financeiros indispensáveis perdeu soberania e isso agrava-se se estiver desarmado, porque não só fica em piores condições para usar os meios que tem como não tem dinheiro para reforçar esses meios. O dinheiro está na base de tudo e quem não tem dinheiro não tem vícios.
Faz sentido rever a decisão de acabar com o serviço militar obrigatório (SMO)?
Todo o sentido. Foi um erro que nos pode sair caro, não pelas necessidades das FA mas por uma questão de valores. No passado, havia basicamente três escolas de valores: a família estruturada e moralizada, a religião e o SMO. Neste momento, a parte da escola de valores relativa à família está a erodir-se. A religião idem. Se acabarmos com a escola de valores trazida pelo SMO, arriscamo-nos a ter jovens desestruturados, sem noção dos valores.