E agora, a vez do Papa

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Para que serviu este Sínodo? Depois de dois anos, uma grande auscultação de grupos e comunidades católicas do mundo inteiro e duas assembleias de bispos em Roma, é legítimo perguntar se valeu a pena. A resposta é uma dupla.

O Sínodo valeu, sobretudo, pela libertação da palavra pedida pelo Papa Francisco, pelo debate que o próprio processo exigiu e permitiu e pelo confronto público de opiniões, com cardeais e bispos sem medo de defender ideias diferentes.

Esse debate intenso e a aceitação da diversidade foram um grande passo, numa Igreja habituada a uma leitura monolítica da realidade. E ele fica a dever-se muito à forma como o Papa Francisco faz as propostas e é consequente com elas. E pelo facto de ele estar aberto mesmo a críticas - desde que feitas com verdade e não escondidas sob anonimatos ou mentiras, como aconteceu nestas três semanas -, as pessoas percebem que têm nele um líder que é autêntico com o que diz e faz.

O debate livre foi um grande passo se pensarmos que, até há pouco tempo, nem sequer era divulgado o relatório final do Sínodo. Agora, não só se conhece o texto como, por decisão do Papa, se fica a conhecer também o resultado da votação de cada parágrafo, como já sucedera no ano passado.

Serviu este Sínodo para algo mais do que um debate livre? A esperança, agora, é que o Papa tome toda a documentação produzida ao longo destes dois anos - relatórios finais, intervenções, debates dos grupos - e faça um documento que proponha muito mais arrojo nas questões em que os bispos não foram capazes de encontrar consensos.

Não é por acaso que dois dos momentos marcantes desta assembleia sinodal tenham sido dois discursos do Papa - no dia 17, evocando os 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos, e no sábado passado na intervenção conclusiva da assembleia.

Em ambos os momentos, Francisco sublinhou que o Sínodo - a hierarquia católica - deve estar à escuta do povo e não limitar-se a repetir doutrina. E é verdade que mesmo a proposta mais destacada neste Sínodo, abrindo um processo de discernimento sobre casos de separações, estava já prevista num documento do Papa João Paulo II, de há três décadas. Então, porque não se avançou?...

Se o Sínodo deve estar à escuta, é de estranhar, então, que o tema da contraceção não tenha merecido mais do que a reafirmação dos métodos de planeamento familiar "naturais". Nas respostas ao inquérito de há dois anos, que lançou este processo, a esmagadora maioria das respostas chegadas ao Vaticano apontava a necessidade da revisão profunda da doutrina católica sobre a contraceção.

Ao ignorar esses apelos do "povo de Deus", os bispos mostraram que já são capazes de conversar, mas que ainda é preciso aprenderem mais a escutar.

O Papa, que terá a última palavra, tem tido a arte de partir do que existe e propor caminhos mais ousados. Em 2016, irá provavelmente demonstrá-lo mais uma vez.

Especialista em assuntos religiosos

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