E a personalidade do ano é?
É uma espécie de passatempo global: escolher a personalidade que mais marcou cada ano que está prestes a findar.
Se algumas pessoas se inclinam mais para as personalidades que deixam uma impressão positiva, outras lançam para a linha da frente as que fizeram do mundo um lugar pior para todos nós.
Líderes políticos e religiosos, grandes filantropos, artistas, ativistas sociais e de direitos humanos rapidamente são arrolados e as respetivas façanhas que os habilita a tão honrosa distinção expostas na praça pública.
O ano de 2015 foi dos anos mais interessantes que já vivi. Uma nova agenda de cooperação para o desenvolvimento sustentável centrada nos direitos humanos, um novo acordo climático global, a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo em Portugal, a criação do crime de mutilação genital feminina e de casamento forçado no Código Penal Português, acordos de paz que puseram fim a conflitos duradouros, o reatar de relações diplomáticas entre estados desavindos há décadas, o Papa católico mais progressista de sempre e todos os bons ventos que varreram o planeta e quem os arquitetou encontram fortes competidores na outra face do espelho. E outra face tem expressão nos atentados terroristas que quiseram semear a morte e o medo e a paranoia securitária em todos os continentes, no avanço do daesh - um autoproclamado estado islâmico que não é estado nem é islâmico -, na onda humana de refugiados, deslocados em fuga de conflitos políticos armados, de violações inenarráveis dos seus direitos humanos, do tráfico de seres humanos, da escravatura sexual e da violência sexual nos conflitos e da morte, na devastação provocada pelas alterações climáticas provocadas por ação humana...e apenas para citar alguns.
Nada me fez doer a humanidade como as imagens de homens, mulheres e crianças fugindo dos seus lares que se haviam tornado espaços de conflito, de pobreza e de morte em busca de uma vida. As Nações Unidas dizem-nos que são 13 milhões de pessoas, com um milhão a usar a rota do mediterrâneo para chegar à Europa, o seu idealizado eldorado. Outros, mais 38 milhões de seres humanos, estão deslocados, sendo que em 2014 todos os dias se criaram mais 30.000 novas pessoas deslocadas. Uma escala que é mais clara quando pensamos que 40% da população síria foi deslocada pelo conflito que devasta o país - são 7,6 milhões de pessoas que fogem da morte certa que significava ficar em casa.
São estas pessoas, todas elas, que fogem, que buscam santuário e abrigo em países que não o seu porque deixaram de poder contar com a proteção do estado de que são nacionais, os meus heróis e heroínas de 2015. A sua fuga não é sinal de rendição, é outrossim sinal de coragem, de empreendedorismo, de resiliência, de inconformidade com o sofrimento, de exercício de humanidade. Mais do que aqueles que lhes abrem as portas, mas que merecem a minha admiração, mais do que os que tentaram vergar a nossa maneira de estar no mundo e sucumbir ao medo que a ameaça terrorista instila, mais do que figuras políticas a quem a excelência devia parecer o requisito mínimo para permanecer nos cargos para os quais são eleitos, mais do que qualquer outra personalidade, são os migrantes e os refugiados que marcam o ano que finda.
* Professora universitária e ex-secretária de Estado da Defesa