É a epidemia, estúpido!
A primeira vez que estive em Xangai cheguei a uma quinta e saí num sábado. Se calhar não vi nem 2% da cidade, mas passei várias vezes num cruzamento ali para os lados do Bund, a zona junto ao rio Huangpu. É, provavelmente, a área mais turística da cidade, com os seus arranha-céus iluminados, a marginal e milhares de pessoas a circular.
No tal cruzamento, na quinta à noite, tinham começado a construir um complexo de apartamentos. Na sexta à tarde, a obra já ia no segundo piso. No sábado de manhã, já tinha ultrapassado os quatro andares. Sim, já sei que é muito provável que as normas de segurança não tenham sido seguidas à risca ou que os materiais utilizados não tenham sido os mais nobres, mas aquilo crescia de dia para dia. Tal como os hospitais que estão a ser erguidos em Wuhan no seguimento da epidemia da pneumonia asiática, também conhecida por coronavírus. Um já foi terminado e as obras continuam em mais três. Provavelmente, entre o fecho de edição do 1864 [de 8 de fevereiro, onde esta crónica foi publicada pela primeira vez] e a chegada à banca desta publicação do DN outro já deve estar concluído. No mínimo.
É assim que se trabalha na China. E quase que arrisco dizer em grande parte da Ásia desenvolvida. Tudo é para ontem e a capacidade de mobilização do país e dos seus habitantes não tem comparação com o resto do mundo. É cultural. Aos olhos dos tecnocratas europeus isto pode parecer um absurdo, mas conhecendo a cultura chinesa e asiática depressa percebemos que não devemos querer usar os nossos parâmetros naquelas paragens. Se eu pudesse escolher um país onde conter um surto epidémico, teria de ser a China. Desculpem-me os democratas, mas o que pode estar em causa é muito mais importante do que as regras de segurança no trabalho, o respeito pelos direitos individuais dos pacientes ou as leis de expropriação de terras.