Dunkirk, um filme-evento contra esta silly season cinematográfica

Nem tudo são rosas em "Dunkirk", o novo filme de Christopher Nolan, vítima de um media hype exagerado. A história do resgate dos soldados ingleses em 1940 em Dunquerque, uma das maiores produções do ano, estreia-se hoje.
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Segundo a imprensa americana, a corrida para os Óscares de 2018 começa nesta semana com a chegada deste novo filme de Chris Nolan, o épico de guerra que relata a retirada das tropas inglesas de Dunquerque, um dos episódios que terá mudado o destino da Segunda Guerra Mundial.

Os exageros da imprensa americana neste verão estão por demais. Primeiro foi a histeria com o novo Homem-Aranha, de Jon Watts e, na semana passada, com Planeta dos Macacos - A Guerra, de Matt Reeves. É preciso ter calma: este filme de guerra é bom, mas convém embarcar com cautela. Dunkirk está longe de ser o melhor filme de Nolan. Toda a superfície em constante movimento que aqui é desencadeada tem algumas falhas.

Tudo se passa durante o dia decisivo da retirada das tropas britânicas de Dunquerque, cidade francesa cercada pelos nazis (que nunca vemos, não há um único plano de um soldado inimigo). A ação é contada sobretudo pelo olhar de um jovem soldado que está desesperado por voltar a casa e que se vê constantemente em situações no limite de sobrevivência.

Mais de 400 mil soldados estão cercados e Churchill quer uma retirada para que a derrota não seja ainda mais colossal. O filme relata as mesmas situações em três tempos tomando como perspetiva a terra (a situação na praia de Dunquerque), o ar (a ação de dois aviões ingleses) e o mar (com epicentro numa das centenas de embarcações civis que se lançaram em missão de salvamento do outro lado do canal).

Para Nolan, a primazia é fazer um exame moral e sensorial sobre um dos acontecimentos que mudaram o curso da guerra. Isso e também refletir sobre o caos e a desumanidade da guerra, sempre com dispositivos cinéticos do mais apetrechado que um orçamento milionário pode permitir, inclusive a permissão para apostar tudo nos 35 mm e nos prazeres de uma câmara pensada para os cinemas IMAX (Nolan sempre foi um entusiasta desses grandes ecrãs...).

Pois então, o que nos deixa com o pé atrás aqui passa sobretudo pelo excesso (engarrafamento) da música de Hans Zimmer - o filme pode ter um início com poucos diálogos, o que funciona de forma esplendorosa, mas há sempre a batida dos sintetizadores de Zimmer, que, por muito que seja um dos megacompositores de partituras musicais de Hollywood, parece sempre abusar da ênfase. De facto, a culpa é do realizador. As suas ideias de suspense parecem presas à pompa da banda sonora. Se na saga de Batman resultava, aqui dá ideia de ser apenas um atafulhar descontrolado.

Outro dos problemas do filme é um certo ar de exibicionismo dos próprios prodígios técnicos, como que se houvesse uma insistência em mostrar ao espectador "olhem como eu filmo ação sem truques digitais". Na verdade, não é assim tão de tirar a respiração o amontoar de cenas com efeitos não digitais. Poderíamos e deveríamos sentir mais o peso das embarcações a tombarem ou a vertigem de um avião a ir contra o mar.

Felizmente, Nolan continua a conseguir tirar partido da sua sisudez prática. Dunkirk não brinca na sua tese de múltiplos orgasmos através de um trabalho espantoso sobre o tempo e o espaço. A história conta-se em múltiplas dimensões temporais. Voltamos sempre àquilo que já vimos. O tempo e o espaço multiplicam-se. Esse é o grande truque ou trunfo do filme, aquilo que mais entusiasma, mesmo quando reparamos que o mesmo cineasta já o tinha feito em Memento, o primeiro filme de Nolan estreado entre nós, precisamente há 17 anos...

Para o bem e para o mal, Dunkirk é o blockbuster de prestígio deste verão, o acontecimento que nos deixa descansar de produtos ruidosos com efeitos visuais e super-heróis infantilizados. Um filme-evento contra esta silly season cinematográfica (quem não puder ver em IMAX que o veja numa sala com ecrã o mais largo possível...)

Kenneth Branagh, Tom Hardy, Mark Rylance e Cillian Murphy são os atores britânicos que dão prestígio à coisa, mas são curiosamente os jovens Barry Keoghan (quem o viu em Cannes em The Killing of a Sacred Deer, ao lado de Nicole Kidman, já percebeu o que este menino irlandês vale!) e Fionn Whitehead quem se destacam mais.

Em Portugal, a Warner aposta numa estreia substancial, pronta para ir à luta nas bilheteiras com Carros 3, da Disney, e com o atual fenómeno intransponível, a animação Gru - O Maldisposto 3.

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