A ópera ao vivo regressa ao Grande Auditório da Fundação Gulbenkian esta sexta-feira e no domingo, com duas récitas das Bodas de Fígaro, de Mozart, com início marcado, em ambos os dias, para as 19.00. Trata-se de uma versão semi-encenada, com a componente visual-dramatúrgica a cargo do encenador (e ex-barítono) italiano Claudio Desderi (n. 1943). A direção musical cabe ao inglês Paul McCreesh, maestro principal da Orquestra Gulbenkian desde a pretérita temporada e cuja experiência operática, não vasta, já passou pelo Teatro Real de Madrid, Ópera Real Dinamarquesa, Festival de Verbier, Ópera da Flandres e Welsh National Opera..O elenco que estará em palco é liderado por um quinteto de cantores internacionais, com o apoio de um sexteto de cantores portugueses em papéis secundários..Assim, teremos o baixo inglês Matthew Rose no papel de Figaro; o soprano sueco Malin Christensson fazendo a sua noiva Susanna; o barítono canadiano Joshua Hopkins será o Conde Almaviva, ao passo que o soprano norte-americano Susanna Phillips será a Condessa sua mulher, ficando para o mezzo croata Renate Pokupic o popular papel do pajem Cherubino..Nos portugueses, teremos, entre outros, o soprano Cátia Moreso como Marcellina, o barítono Luís Rodrigues como Don Bartolo e o baixo João Rodrigues como Don Basilio. Participação adicional do Coro Gulbenkian, numa formação reduzida: 28 cantores [7,7,7,7]..Matthew Rose já desempenhou este mesmo papel em teatros como a Ópera da Baviera ou a Welsh National Opera. Em Mozart, também já foi Sarastro (Flauta Mágica) na Royal Opera House e Leporello (Don Giovanni) no Festival de Glyndebourne. Malin Christensson já foi Susanna na Los Angeles Opera, em Aix-en-Provence e em Salzburgo, enquanto que Joshua Hopkins já foi Papageno na Washington National Opera e Guglielmo (Così) na Ópera de Frankfurt. Já Susanna Phillips cantou os papéis de Fiordiligi (Così) e de Donna Anna (Don Giovanni) no Met de Nova Iorque. Por fim, Renata Pokupic já foi Dorabella (Così) na Washington National Opera e cantou Cherubino na Royal Opera House. Voltará a cantar este papel em junho, na produção que a Ópera de Flandres (Gent) irá levar à cena, a qual terá igualmente Paul McCreesh na direção musical - ela é, aliás, o único elemento comum aos dois elencos..De resto, o mesmo Paul McCreesh dirigiu no verão de 2012 uma versão também semi-encenada das Bodas de Fígaro, a qual tinha no elenco os mesmos Susanna Phillips e Joshua Hopkins, cantando os papéis que ora repetem em Lisboa..Claudio Desderi distinguiu-se como barítono/baixo-barítono nos anos 70 e 80, especializando-se no repertório bufo de Mozart e Rossini. Estreou-se no Scala em 1973, cantando Rossini numa série de produções dirigidas por Claudio Abbado e encenadas por Jean-Pierre Ponnelle. No mesmo Teatro, faria depois a trilogia Mozart/da Ponte sob a direção de Riccardo Muti e encenações de Giorgio Strehler. Nas Bodas de Fígaro, especificamente, cantou os papéis de Conde Almaviva e Figaro. Foi como Figaro que se estreou na Royal Opera House e também cantaria esse papel em Glyndebourne, sob a direção de Bernard Haitink (produção de que existe uma gravação). Nos anos 90, derivou para a direção de orquestra, encenação, intendência de teatros e lecionação (Escola de Fiesole, Accademia di Santa Cecilia-Portogruaro e Academia do Festival de Verbier). Já encenou, por exemplo, no Festival de Aldeburgh, no San Carlo de Nápoles e nas ópera de Bilbau, Marselha, Nice, Monte Carlo e Baltimore..A ópera.As bodas de Fígaro, ópera bufa em quatro atos, é por muitos considerada "a ópera das óperas", ou seja, algo como a mais perfeita obra-prima do teatro lírico jamais composta. Claro que tudo isto é relativo, mas diz alguma coisa....Ouviu-se pela primeira vez no Burgtheater de Viena, a 1 de maio de 1786, mas o início da senda de sucesso só aconteceria cerca de sete meses depois, quando a ópera foi montada em Praga (acontecimento que levaria Mozart pela primeira vez a essa cidade em janeiro do ano seguinte e motivaria a encomendo do Don Giovanni). Curiosa e incrivelmente, a ópera só chegou a Lisboa (Teatro São Carlos) em 1945!.O libreto, da autoria do italiano Lorenzo da Ponte (1749-1838), então recente poeta oficial do Teatro da Corte Imperial de Viena, é baseado na comédia teatral La folle journée, ou le mariage de Figaro, de Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732-99), escrita em 1778, mas só estreada (Paris) em 1784, após sucessivos problemas com a censura. Neste campo do "lápis azul", o facto de a obra ter de todo chegado à cena em Viena (e tão pouco tempo após a estreia) sem ser desfigurada pelos censores, é um pequeno milagre que devemos à abertura de espírito do imperador José II e, provavelmente, aos bons ofícios de sua irmã, a rainha Maria Antonieta de França (mulher de Luís XVI), que sempre fôra uma defensora da obra de Beaumarchais..A ação passa-se no paço (incluindo jardins) do Conde Almaviva, perto de Sevilha, cerca de 1780..O espírito do original de Beaumarchais foi agudizado por Lorenzo da Ponte, que tinha um "faro" para acentuar as características/potencialidades humorísticas ou satíricas das personagens, e que deve ter percebido cedo que Mozart sentia especial deleite em musicar personagens com essas tipologias de carácter. Resultou daí uma galeria de criações inesquecíveis, uma trama de uns ritmo e verve que nunca cedem e o todo servido por uma música que é puro "néctar dos deuses" de início ao fim. E, nas palavras de da Ponte, nasceu aí "um género de ópera virtualmente inédito"..Esta produção é uma colaboração da Gulbenkian com o Dona Maria II, a casa Maria Gonzaga-Guarda Roupa e o Horto do Campo Grande..Haverá um intervalo entre o 2.º e o 3.º atos, com a duração de 30 minutos. A duração total (incluindo intervalo) será de 3h45m, aproximadamente. Se acha um pouco longo, saiba que já Lorenzo da Ponte, o libretista, ciente da duração da obra, escreveu no prefácio ao seu libreto: "Desculpar-nos-emos com a variedade de peripécias deste drama". Nem ele adivinharia como ficou mais que desculpado!