Duas décadas a fazer da defesa uma arte
Quando a 20 de Janeiro de 1985, no intervalo de um Udinese-AC Milan, o lendário treinador sueco Nils Liedholm se virou para o "miúdo" Paolo, então com 16 anos, e lhe perguntou "Onde é que preferes jogar?", estaria longe de adivinhar que seria aquele o início de uma das mais impressionantes histórias do futebol mundial. Vinte anos depois, Paolo Maldini (36 anos) continua a ostentar orgulhosamente a camisola vermelha e preta do AC Milan (adornada com a braçadeira de capitão), o clube de toda a sua vida profissional. "Maldini não é um símbolo do Milan. Maldini é o Milan", define-o o administrador delegado do clube milanês, Adriano Galliani.
Hoje, o "grande capitão", como é idolatrado pelos tiffosirossoneri, cumpre vinte anos de carreira. Duas décadas recheadas de troféus e recordes, mas sobretudo dedicadas a transformar a missão de defender numa arte do futebol. Antes de Maldini, o futebol imortalizava apenas os "defesas atacantes", o estilo de Faccheti (defesa esquerdo do Inter na década de 60), o jogo total de Beckenbauer, a visão global de Baresi (um número dez disfarçado de defesa)... Com Maldini, o futebol rendeu-se à arte de defender, aprendeu a aplaudir o tackle, a elogiar a estampa física, a admirar a marcação. Atributos que fez discorrer, primeiro, pelo flanco esquerdo da defesa e, nos últimos anos, já instalado no eixo, apesar da sua resposta a Liedholm no intervalo daquele jogo inaugural "Eu prefiro a direita 'mister'".
Maldini só podia ser, claro, produto do futebol italiano. Filho de um mundo onde o catenaccio (a ciência do futebol defensivo) dita regras. Mas com Maldini até o catenaccio ganhou beleza. Pela elegância das suas acções, pela coordenação dos movimentos, pela amplitude do seu jogo. Duro, viril, mas nunca violento. Prova disso é que viu apenas por três vezes o cartão vermelho em 21 temporadas de calcio. "É o melhor defesa do mundo", resume Fabio Capello.
Beleza e elegância são atributos definitivamente colados à vida de Paolo Maldini, não só nos relvados como fora deles. Alvo preferido das paixões do público feminino desde que surgiu na primeira equipa, ainda adolescente, Paolo tornou-se ícone de ligação entre o futebol e a moda. «É o modelo perfeito», disse uma vez Giorgio Armani. Mas Maldini nunca se desviou da sua paixão de sempre, o futebol. E a ele se entregou com uma dedicação tão grande quanto o seu talento, numa combinação que fez ultrapassar rapidamente o estigma com que iniciara a carreira "o filho de Maldini", Cesare, capitão da primeira equipa campeã europeia do AC Milan, em 1963, frente ao Benfica.
Desde que Liedholm lhe deu ordem de entrada em campo, naquele 20 de Janeiro de 1985, Maldini jogou com nomes grandes de diferentes gerações, como Gullit, Van Basten, Rijkaard, Ancelotti (seu actual treinador) Papin, Baggio, Weah ou Shevchenko. Mas foi Franco Baresi aquele que mais o marcou, e de quem terá bebido mais ensinamentos, no auge do Milan de sonho de Arrigo Sacchi, que venceu duas Taças dos Campeões Europeus, em 1989 e 1990. Foi aí que Maldini começou a construir a sua imagem de perfeição, verdadeiramente cruel para os adversário. A tal ponto que Michel, extremo direito do famoso Real Madrid da "quinta del Buitre", uma das vítimas preferidas desse Milan, ao ser apresentado à mãe de Maldini no Euro2000, onde estava como comentador da TVE, não resistiu a desabafar "Senhora, estou muito zangado consigo. Tinha que parir um filho como Paolo?"