Duarte da Costa "O combate não é solução para os incêndios, é a prevenção. Não há sistemas infalíveis"

Preside à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil há seis meses, antes foi comandante operacional. Afirma que "não estamos livres de uma conjugação de meios" como a que ocorreu nos grandes incêndios de 2017, mas "estamos mais bem preparados".
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Comando, ranger e paraquedista. Brigadeiro-general, fez carreira no exército onde completou os cursos das três tropas especiais, comandou a brigada aerotransportada independente, foi chefe de Estado-Maior da brigada de reação rápida, comandante do regimento de paraquedistas. Tem um longo e condecorado currículo militar. Já na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, onde chegou em 2018, foi comandante operacional, sendo agora o presidente do organismo, desde há seis meses.

Na tomada de posse definiu a imagem da Proteção Civil como um dos vetores fundamentais do seu mandato. Porquê?
Estabeleci três vetores fundamentais. Primeiro, continuar a ser uma resposta credível para todo o efeito naquilo que é a segurança dos portugueses. Outro, as pessoas, aliás, o primeiro vetor até era o das pessoas. E o terceiro que elegi foi o da imagem, porque aprendi à minha própria custa, através de todo o trabalho que tive como comandante nacional desde 2018, que uma boa imagem de um sistema de proteção civil demora muito a construir. E pode estragar-se muito rapidamente. O problema não é a dificuldade só de construir uma boa imagem, mas é a vicissitude do facto de um evento não controlado poder estragar toda uma imagem de uma instituição que trabalha para ser exemplar. Por isso, temos de ter um cuidado muito grande relativamente a como é que podemos fazer esta gestão da imagem da autoridade. Não é uma imagem para vender. É uma imagem que interessa que os portugueses tenham para ter confiança na sua Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e ter confiança no sistema de proteção civil. Uma sociedade em que os seus cidadãos se reveem naquilo que são projetos de cidadania ativa, ligados à proteção civil, é muito importante para dar precisamente essa serenidade às pessoas. Nós não estamos livres dos vários riscos a que estamos sujeitos, nomeadamente nesta época, com riscos de incêndio. Estamos a fazer tudo o que podemos e o que não podemos para ter um sistema de seguro.

Nessa preocupação com a imagem da Proteção Civil não cabe, portanto, o que aconteceu em 2017? Ou processos judiciais como o das golas antifumo que, entre os arguidos, conta com o seu antecessor, o general Mourato Nunes?
Eu diria que tudo contribui para um projeto de imagem que nós queremos ter da própria autoridade... parametrizando cada um dos fatores que já disse. 2017 foi um sobressalto cívico para todos nós. Acho que não haverá um único dia em que, quando fazemos planeamento da resposta para a época de incêndios, não nos lembremos de 2017. E, portanto, convém não esquecer. Aliás é uma das coisas que eu estou sempre a dizer, ao meu sistema e às pessoas que trabalham comigo: nós não nos podemos esquecer de 2017. E, portanto, essa talvez tenha sido a condição para, definitivamente, investirmos numa maneira diferente e numa maneira integrativa, participativa, e planeada, daquilo que é o sistema de resposta aos fogos rurais. Por outro lado, o caso das golas... o caso das golas é um caso episódico apenas. Apesar de, na altura, eu ser comandante nacional e não ter responsabilidade no projeto da aquisição das golas, estas foram tidas, na altura, apenas como um meio de divulgação de uma imagem. São golas antifumo. E, portanto, acho que houve um excesso de avaliação relativamente àquilo que foi um projeto episódico. Se me perguntar se 2017 tem uma grande influência na imagem que um sistema civil tem, 2017 é definitivamente aquele episódio que tem um projeto e que associa um projeto de construção de imagem que nós temos todos de trabalhar. O caso das golas antifumo eu relevo como uma coisa perfeitamente episódica.

Definiu outros dois vetores fundamentais para o mandato: as pessoas e os recursos do sistema de proteção civil. Com que metas?
Começaria pelos recursos. Eu, como militar, sempre me habituei a trabalhar e a cumprir missões com aquilo que tenho e não com aquilo que gostaria de ter. E, portanto, tento fazer um planeamento relativamente às condições de trabalho que eu tenho. Os vários sistemas são os sistemas que apoiam a proteção civil, de comunicação, monitorização, vigilância e reconhecimento. O que eu tenho de fazer é, com os meus colaboradores e que todos os dias trabalham comigo naquilo que é a prossecução de um projeto de proteção civil, obter os melhores resultados com aquilo que temos. Poder-me-ão fazer a pergunta "gostaria de ter mais?" Gostaríamos todos de ter mais. Mas nós sabemos que os recursos são escassos. O país tem outras prioridades. Nos recursos as minhas metas são, pelo menos, não perder aquilo que tenho, continuar a operar com os sistemas que tenho, ir incrementando sistemas de apoio à decisão - e isso foi uma das grandes diferenças de 2017 para agora, foi um investimento que temos feito naquilo que é o apoio à decisão e à capacidade que temos de saber o que é que está a ocorrer no terreno, onde e quem está envolvido, através da geolocalização, do reconhecimento aéreo que, por exemplo, temos sempre na época de incêndios com dois aviões com câmaras térmicas e câmaras visuais a dar-nos a imagem real do que se está a passar. O aspeto das pessoas é talvez o aspeto mais importante. Para além daquelas pessoas que trabalham na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o sistema tem também mais de 90% das pessoas que integram o sistema e não são da autoridade. Temos os bombeiros voluntários que são elementos de espinha dorsal daquilo que é o sistema de proteção civil. Quer para aqueles que integram o sistema da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil quer para todos os agentes de proteção civil, mas muito especialmente para os bombeiros voluntários, tenho de ter uma visão sobre o que pretendo da sua prossecução, em termos de capacidade de resposta para o sistema. Mas também dar perspetivas de melhoria de vida, carreira, formação.

E como é que pretende fazer isso?
Internamente, finalizar um processo que está sujeito a vicissitudes legislativas e que têm que ver com a finalização dos precários na Autoridade. Tínhamos três grupos de precários, uns que eram técnicos e que trabalhavam no âmbito da sede, os nossos operadores e os bombeiros, ou melhor, os elementos integrantes da força especial de proteção civil. Para os técnicos foi um processo que já acabámos. Está a ser feita a sua integração no quadro. Falta-nos integrar os operadores, que são verdadeiros agentes que participam naquilo que é a importância da própria proteção civil. É um processo em fase de finalização. E serão integrados, respeitando aquilo que neste momento têm garantido. Nada disso está em perigo. Tenho sentido todo o apoio da tutela neste assunto, quer da Secretaria de Estado da Administração Interna quer do próprio Ministério da Administração Interna, e penso que a breve prazo este assunto estará concluído. Relativamente aos agentes do sistema, formação, muita formação técnica, especializada, certificada.

O que é que mudou de substancial depois dos grandes incêndios que ocorreram em 2017?
O nosso futuro começou precisamente logo no início de 2018, quando o meu antecessor, a quem presto a minha homenagem e respeito, iniciou este trabalho, secundado pelo comandante nacional, que era a minha própria função, e que agora, como presidente, continuo a dizer que continuamos a investir para melhorar o sistema. O sistema é um sistema credível. Os portugueses podem ter confiança. É um sistema que está diferente do sistema de 2017. A primeira grande mudança é na questão da aquisição de informação operacional. Nós antigamente, até 2017, tínhamos um modelo muito incipiente da aquisição da informação operacional dos teatros. Trabalhávamos muito por carta, por mapa e hoje temos sistemas eletrónicos, que permitem ter uma visão real do que se está a passar no terreno. A informação é captada quer através dos telemóveis de qualquer um dos elementos que sejam um agente de proteção civil, através de um sistema quick capture, que nos manda essa informação com metadados e com georreferenciação para os próprios comandos. Permite-nos ver o que é que se está a passar no terreno, permite-nos geolocalizar, através da rede SIRESP, saber quem é que está no terreno e permite, a quem tem de tomar a decisão da alocação de meios, deslocar logo os meios iniciais necessários. Por outro lado, a capacidade de rapidamente fazer o pré-posicionamento de meios através do planeamento. Por exemplo, neste fim de semana soubemos que a situação de risco ia estar mais vincada na região do Algarve, retirámos alguns meios aéreos que estavam focados a norte e transportámos esses meios para lá. Onde é que tivemos incêndios? Castro Marim. Temos, também, uma postura mais integrativa, não podemos comandar à distância, temos de comandar com proximidade e estar ao pé das pessoas. Outro fator: planos de contingência. Já o fizemos para a covid, estamos sempre a fazê-los para o a questão dos incêndios. Temos ainda investido muito na tecnologia associada à parte das comunicações. Hoje em dia a rede SIRESP está muito mais capaz, tem redundância, permite-nos fazer um trabalho de planeamento. Sobre o SIRESP, quando, em 2018, tivemos o problema do Leslie, a única forma de falar com os operacionais, e mesmo com os presidentes de câmara que estavam na zona da Figueira, foi através do SIRESP. Nem telemóvel nem telefone fixo, mais nada funcionou a não ser o SIRESP. No Leslie tivemos de chamar oficiais de ligação da EDP e da rede SIRESP para percebermos se houve falha de energia, queda de postes de média e baixa tensão em determinadas zonas e sabemos que temos seis horas para as antenas funcionarem. Não há sistemas absolutos. Temos é de trabalhar com os sistemas e potenciar o que de melhor o sistema tem. E ele tem sido um bom sistema.

O Tribunal de Contas, numa auditoria recente, veio dizer que as medidas que foram decididas após os fogos de 2017 ainda não tinham sido concretizadas. Preocupa-o que quatro anos não tenham sido suficientes?
Estamos a falar de medidas fundamentais. Mas se leu o relatório com atenção, e ao qual dediquei grande parte do meu tempo, a primeira constatação é que a nível do combate e a nível da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil os reparos não são de monta. São pequenos. É referido que tem havido um trabalho constante de aquisição de capacidade de resposta atempada, rápida.

É verdade que sim.
O problema é a montante. Não tenhamos a crença de que o combate é a solução para os problemas dos incêndios em Portugal. Não é. Faz parte da resposta que temos de dar, mas a solução é a prevenção. E a prevenção e a gestão do espaço florestal, e é aí que o relatório incide e com muita veemência relativamente àquilo que é o problema da nossa floresta, aí é que tem de haver, cada vez mais, um investimento ainda maior e mais permanente.

Daí a minha pergunta. Está preocupado?
São tudo processos que demoram muito tempo. Fazer a gestão e a modificação da floresta não é uma coisa que se faz num ano, nem em dez anos. A própria prevenção e os comportamentos de uma cidadania ativa - estou sempre a bater nesta tecla - demora. Relembro que a campanha do cinto de segurança em Portugal demorou dez anos a produzir efeitos. Há um espaço de maturidade que a própria prevenção tem de ter. Gostaria de ter um botão onde eu carregasse e dissesse: não, a montante está tudo resolvido. Tenho consciência de que não está. Por isso é que todos os anos temos de investir e preparar, com muita cautela, aquilo que é o dispositivo especial de combate aos incêndios rurais. E por isso é que nós fazemos a apresentação do dispositivo e investimos no próprio dispositivo, sempre tendo por base as cartas de risco. E aí temos sempre o sistema a responder o melhor possível. Não há sistemas infalíveis e não vale a pena dizer que há sistemas infalíveis. Não há recursos infinitos para ter um bombeiro atrás de cada árvore. Há é capacidade de planeamento, de colocarmos os bombeiros onde eles são necessários, mediante os riscos e as condições meteorológicas.

Um dos reparos do Tribunal de Contas prende-se com a velha questão dos seis helicópteros bombardeiros pesados Kamov, que permanecem inoperacionais. E que ainda não foram transferidos para a Força Aérea. Estes helicópteros ainda voltarão a voar?
Eu desconheço qual é o futuro. Até porque a decisão, mediante uma resolução do Conselho de Ministros, é que esses helicópteros irão passar para a gestão direta da Força Aérea. E, portanto, não me cabe a mim ver se eles vão voar, porque não sei se eles iram voar ou não. Agora o que me cabe é ter meios que substituam esses que estão parados.

E tem esses meios?
E foi isso que foi feito naquilo que é o desenho dos meios aéreos e quando nós chegamos à prossecução de dizer "agora temos 60 meios aéreos", que, como repara, tem havido um acréscimo desde 2018. Parece-nos que é um número adaptado para as condições de risco.

Voltamos ao SIRESP. O contrato com a Altice acaba no final de junho e vai ser prolongado. Mas parece tardar uma solução definitiva. O SIRESP é uma preocupação para si?
Não. Tal como eu disse, tenho tido todo o apoio do senhor ministro da Administração Interna naquilo que é a consecução dos meios de que eu necessito para o sistema. E até agora tudo aquilo que eu achei que era necessário foi sempre fornecido. E uma das coisas que é sempre necessária é a capacidade de um sistema de informação que permita, por um lado, a comunicação entre entidades e, por outro lado, a geolocalização. Aquilo que me foi garantido sempre pelo meu ministério é que o sistema vai estar ativo, como tem estado ativo. O SIRESP é o sistema que tenho para comunicar e para geolocalizar. É um sistema que tem de ter por base o planeamento. Não há sistemas infalíveis. Se me perguntar qual é o sistema que seria infalível no âmbito das comunicações, não há. E nós sabemos isso. O SIRESP não é aquilo que me preocupa, a partir do momento em que me está garantido que ele vai continuar, não tenho problemas. Vivo bem com o SIRESP e continuo a dizer que em 2018 foi a única forma que eu tive para falar com os operacionais e com presidentes de câmara, onde mais nenhum sistema funcionou. E o SIRESP, nessa altura, funcionou. E tem funcionado. Até este momento posso garantir-lhe que, em três anos em que estou no sistema, nunca tive um único problema com o SIRESP.

As linhas de alta tensão, a falta de limpeza dos corredores por onde passam, estiveram na origem, também, dos fogos de Pedrógão e Monchique. Este problema inquieta-o?
Relativamente às linhas de média e baixa tensão - e mesmo às linhas de alta tensão - com a REN, com a antiga EDP Distribuição e com o seu antigo presidente, expressei-lhe quais eram as minhas preocupações no âmbito das limpezas e a EDP, na altura, sempre respondeu com capacidade. Estando sempre sujeito à imponderabilidade daquilo que são as questões ligadas a uma linha que se quebre, a um acidente que haja de um trator que bate num determinado poste e que o deita por terra, são imponderáveis. Mas por isso é que o sistema tem de ser credível. Por isso é que o sistema tem um conjunto de meios para responder mesmo a essas situações. E tenho tido boa resposta da REN e da EDP Distribuição

Para o período crítico, de 1 de junho a 30 de setembro, o dispositivo de combate a incêndios rurais prevê cerca de 12 mil operacionais, é o maior número de sempre. É sinal de que espera um verão difícil?
No fim de 2018 fiquei muito contente por ter sido um dos anos em que tivemos menos incêndios e menos área ardida. E um bombeiro voluntário velho, com experiência ,disse-me: "O comandante nacional não fique assim tão contente, que aquilo que não ardeu neste ano para o ano está pronto para arder." Esta é a primeira parte da minha resposta. Tem havido também um trabalho de ordenamento florestal, de prevenção, e o que é certo é que nós temos, relativamente à média dos últimos dez anos, metade do número de incêndios e de área ardida. Isto quer dizer qualquer coisa. Mas o combustível está lá ainda. E, portanto, eu não posso descansar com a minha avaliação de performance do passado. Relativamente àquilo que se espera deste ano, o sistema é construído com base numa carta de risco e, como dizemos no planeamento militar, acautelamos sempre a modalidade mais provável, mas acautelamos sempre a mais perigosa. E mais perigosa é ter um conjunto de situações que possam, pelas condições meteorológicas e pela disponibilidade de combustível, ter um dia muito complicado. Dia 7 de agosto do ano passado foi muito complicado, em que nós tivemos 158 incêndios no país todo. E nos 158 tivemos três grandes incêndios e o sistema respondeu. Portanto o que é que eu quero? É ter um sistema que possa responder. O que é que os portugueses me exigem? Que eu tenha um sistema que possa responder.

É possível garantir que o país não voltará a ser confrontado com uma tragédia como a de 2017?
Aquilo que se passou em 2017 e dos relatórios que eu li - como disse, não estava no sistema - foi uma situação muito especial. Houve uma conjugação de meios, quer em junho quer em outubro, e não estamos livres que essa conjugação de meios possa ocorrer, mas é muito rara e muito excecional. Mas há coisas em que nós estamos preferencialmente melhor. Temos um sistema de prevenção e de informação para as populações, que não tínhamos naquela altura. Neste ano, com as questões da covid e outros riscos, já emitimos cerca de 20 milhões de SMS - coisa que não existia em 2017. Não tínhamos em 2017 um sistema de monitorização dos fogos e do desenvolvimento dos fogos, por forma que nós conseguíssemos ter sempre, no comando nacional, a visão real do que se está a passar no terreno. Nós não tínhamos uma rede de comunicação com o SIRESP e com todas as redundâncias de baterias, capacidade de satélite e antenas móveis. E, portanto, com muita prudência, eu diria que estamos sempre sujeitos a que situações excecionais possam vir a ocorrer. Temos é de estar preparados e não deixar que sejam os eventos a tomar conta do sistema, mas tem de ser o sistema a tomar conta dos eventos. Pergunta-me "é o sistema ideal?" Há muito para fazer. Há sempre muito para fazer. Mas estamos a trabalhar paulatinamente para poder lá estar. Sobre o que se passou em 2017, sinceramente acho que estamos mais bem preparados.

Considera os bombeiros voluntários a espinha dorsal do sistema de proteção civil. Neste ano os bombeiros envolvidos no dispositivo de combate aos incêndios vão receber 57 euros por dia - mais três euros do que no ano passado. Parece-lhe uma retribuição justa?
Como servidor do Estado, diria que as contribuições nunca são justas. Gostaríamos sempre de receber mais. Mas acho que é uma condição de resposta àquilo que o país pode fazer e que o sistema pode fazer, porque há mais pessoas envolvidas. Reitero o que disse: os nossos bombeiros voluntários são verdadeiramente a espinha dorsal do sistema. Não só no sistema da resposta à emergência e ao socorro, mas também nos outros sistemas que providenciam uma maior capacidade e resiliência à própria população. No transporte de doentes, na emergência, na proteção, no socorro. Temos uma implantação territorial de cerca de 400 associações humanitárias de bombeiros voluntários, que geram outros tantos corpos de bombeiros voluntários, e é uma matriz única com base num sistema único: o do bombeiro voluntário. E não leiam nas minhas palavras nenhum sinal de menos profissionalismo dos bombeiros voluntários. Atenção. Os nossos bombeiros voluntários, quer através das qualificações que têm, da Escola Nacional de Bombeiros e de outras entidades, são extremamente profissionais, têm capacidade técnica e tecnológica muito avançada, e estão ao nível de qualquer bombeiro profissional português ou fora de Portugal. Tenho muita confiança nos bombeiros voluntários. Sou muito defensor da matriz voluntário e os bombeiros serão sempre uma equação fundamental daquilo que é o sistema de proteção civil.

O risco de contágio de covid-19 dos operacionais pode condicionar o combate aos incêndios neste ano? É algo que estão a prever?
Respondendo com números à sua pergunta: elaborámos um plano de contingência para os bombeiros. Apoiámos os bombeiros na sua capacitação em termos de defesa, não só em termos de procedimentos como também de equipamento. E em 11 mil ocorrências, em 2020, não temos reportado nenhum contágio durante as ocorrências. Quer isto dizer que os contágios que houve - houve bombeiros contagiados - não foram no âmbito das ocorrências dos incêndios rurais. Os planos de contingência levaram a que nenhum bombeiro tivesse sido infetado nas ocorrências. Essa preocupação mantém-se para este ano. Iremos, aliás - talvez hoje - iniciar a aquisição de equipamento de proteção individual para, novamente, distribuir aos bombeiros.

A Proteção Civil está envolvida na distribuição de vacinas e na criação de estruturas de apoio. É um papel que vai manter? E em estado de calamidade, decretado ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, parece-lhe que o organismo a que preside deveria assumir responsabilidades acrescidas neste combate?
Está plasmado na própria lei que essas responsabilidades acrescidas poderão até advir daquilo que tem que ver com o próprio Planeamento Civil de Emergência, que já consta da lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e já tem regulamento próprio relativamente ao Planeamento Civil de Emergência. Penso que sim, que o levantamento de um sistema de Planeamento Civil de Emergência, um maior número de tarefas e de responsabilidades, poderão ser dadas à Proteção Civil. De qualquer forma, no novo decreto regulamentar ou no novo dispositivo jurídico, a Autoridade, teve um papel sempre de apoio ao Ministério da Saúde e à Direção-Geral da Saúde. Por exemplo, no Hospital de Santa Maria e no Hospital Garcia de Orta, em Almada, quando houve uma grande afluência, montámos rapidamente um sistema de resposta e de triagem externo, que permitiu, em pouco mais de 12 horas, passarmos de um efetivo que tinha cerca de 50 ambulâncias para ficarem lá seis ou sete. Esse é também o trabalho da Proteção Civil. Por outro lado, a Proteção Civil também participou, por exemplo, no repatriamento dos nacionais que estavam noutros países, por exemplo, foi um elemento da minha própria equipa para França receber os portugueses que vinham através de meios do Estado português. Portanto, eu diria que a Proteção Civil tem atuado na primeira linha com os bombeiros, mas tem de atuar também como uma linha de retaguarda em apoio ao próprio sistema. E é assim que eu vejo. Nós não temos de nos pôr aqui em bicos de pés e dizer não, a Proteção Civil é essencial para a questão. Essencial para a questão da pandemia é a Direção-Geral da Saúde e é aquilo que emana diretamente do Ministério da Saúde. Nós iremos sempre apoiar aquilo que são as necessidades.

A Estratégia Nacional para a Proteção Civil preventiva até 2030 já esteve em consulta pública. Para além dos fogos , como riscos mais significativos destaca os ventos fortes, as secas, as cheias e as inundações. São fenómenos cada vez mais extremos, com os quais temos de lidar. Que resposta prepara a Proteção Civil para esta nova era?
Se fazemos o levantamento dos riscos para os incêndios, fazemos também o levantamento dos riscos para as áreas que envolvem toda a resposta no âmbito daquilo que são os riscos coletivos e os riscos tecnológicos que podemos ter de enfrentar. Eu juntava mais um, o sismo, o risco sísmico. O que temos de fazer é: preparar as entidades que vão ter responsabilidades de resposta a estarem capacitadas para essa resposta. Emitir diretivas e planeamento para todos sabermos o que é que temos de fazer nessa altura. Pode fazer-me a pergunta "então e se houver um sismo ou se houver uma inundação?". Se houver uma inundação temos de ter os nossos meios adaptados para responder a essa inundação. Como já houve na questão do Baixo Mondego, onde há todo um sistema - não é só um sistema da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil - que envolve outras entidades, a Agência Portuguesa do Ambiente, a agência que trata dos recursos hidrológicos. Costumo dizer que o principal papel dos dirigentes das nossas instituições é gerar consenso e construir pontes naquilo que são as medidas de resposta para fazer face a estes riscos. Diria que quer para a área dos sismos quer para inundações ou ventos fortes, temos de dar resposta às condições meteorológicas extremas - sempre em conjugação com as entidades responsáveis da informação, neste caso o IPMA - e estamos preparados para ter uma resposta. A pergunta que pode fazer é: "E ela será sempre efetiva?" Bem, nós tentamos que ela seja. Estamos sempre sujeitos às imponderabilidades e à magnitude do próprio efeito. Uma coisa é termos um sismo pequeno na região de Lisboa, outra coisa é termos um sismo de larga escala, em que ultrapassa a própria capacidade nacional de resposta e que teremos de lançar mão da capacidade de resposta do mecanismo europeu de proteção civil, onde nós também, neste ano, tivemos grandes responsabilidades, no âmbito da presidência portuguesa [do Conselho da União Europeia], e para o qual a Autoridade teve de gerir o processo daquilo que é a capacitação do próprio mecanismo europeu de resposta às situações de calamidade na Europa e no próprio sistema.

Esses fenómenos extremos estão diretamente ligados às alterações climáticas. A subida do nível dos oceanos é uma delas. Perante esta certeza científica faz algum sentido pensar construir o novo aeroporto de Lisboa ao lado do rio Tejo e dependente de uma ponte?
Não tenho conhecimentos técnicos e de certeza que temos, no nosso país, elementos com muito maior capacidade técnica para responder a essa pergunta. Agora o que se espera da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil é que se construírem aí um aeroporto ele esteja dotado da capacidade de resposta, em termos de emergência, proteção e socorro, para poder fazer face a uma determinada situação.

Mas essas não são condicionantes importantes?
Serão condicionantes para quem tem de fazer a validação deste processo. Não caberá à Autoridade fazer a validação de um processo que a ultrapassa no âmbito das suas competências. A minha competência é: perante um footprint que tenho, relativamente às instituições e à capacidade de implantação de instituições no terreno, responder o melhor possível. De certeza que as entidades que têm essa responsabilidade irão fazer uma leitura muito mais correta do que a minha, que seria apenas uma opinião e não se basearia, de certeza, em nenhuma condicionante de conhecimento tecnológico ou científico.

Falou do risco de sismo, uma eterna ameaça em Lisboa. Todos os anos a Proteção Civil realiza um simulacro...
Em Lisboa e no Algarve, também.

E no Algarve, também. Os simulacros serão suficientes e parece-lhe realmente que os cidadãos já estão sensibilizados para esta ameaça?
No âmbito dos deveres de cidadania, que cabem a todos cidadãos e a proteção civil somos todos nós, nunca chega. Temos sempre de ser mais ambiciosos e levar os programas mais à frente. É óbvio que temos um programa de sensibilização relativamente aos sismos e num segmento que nos preocupa muito, que são as escolas. Por isso é que, no âmbito do programa Terra Treme, temos dado grande importância ao impacto nas escolas primárias e secundárias e à resposta das crianças. E porquê as crianças? É com as crianças que teremos daqui a 20 anos um sistema de proteção civil credível, baseado na condição de cidadania. Temos de começar hoje com as próprias crianças, temos de investir muito nas nossas crianças, porque elas serão os cidadãos do amanhã e a semente que nós colocarmos hoje terá efeitos no futuro. Claro que faremos outros programas de sensibilização. Mas, tal como os recursos, nunca são suficientes, são sempre escassos.

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