Droga usada nas raves aplicada ao tratamento da depressão profunda

A ketamina, um anestésico usado em cavalos e consumido como droga recreativa, revela-se eficaz no combate à depressão
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Ketamina, Special K, K, Vitamina K. Estes são apenas alguns dos nomes pelos quais é conhecido o anestésico usado como tranquilizante para cavalos, que também é consumido de forma recreativa em rave parties. Mas há um outro motivo pelo qual se tornou popular nos últimos anos: tudo indica que melhora rapidamente os sintomas da depressão profunda. Já há clínicas nos EUA que usam a ketamina em doses baixas para tratar os doentes, mas esta ainda não foi aprovada como um antidepressivo pelo órgão que controla os medicamentos, o Food and Drug Administration (FDA).

Há alguns anos que os investigadores tentam descobrir como é que a ketamina atua no combate da depressão. De acordo com uma investigação financiada pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, e publicada recentemente na revista científica Nature, os efeitos antidepressivos desta droga podem ser causados não pela ketamina em si mas por um dos seus compostos, o hydroxynorketamine ou HNK. A confirmar-se, diz o magazine online Quartz, este componente oferece os benefícios da ketamina, sem os seus efeitos colaterais (alucinações e paranoia, por exemplo).

Os testes em ratos mostram que, se for administrado isolado, o HNK não causa alterações sensoriais nos animais, o que pode indicar que os pacientes podem usufruir dos efeitos antidepressivos sem terem de sentir o outro lado da ketamina, aquele que motiva o uso recreativo (efeito hipnótico e características analgésicas). E, segundo a mesma publicação digital, também parece ser menos propenso a abusos. Entre o HNK isolado e a ketamina, os ratos optaram pela segunda.

"Faz algo aos pacientes que é diferente de qualquer droga que temos disponível", disse à Nature o principal autor do estudo, Todd Gould, neurocientista da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, em Baltimore. Enquanto os fármacos antidepressivos que existem no mercado podem demorar semanas até começarem a produzir algum efeito, o HNK funciona "quase instantaneamente": os pacientes relatam melhorias ao fim de apenas duas horas após a sua administração.

A ketamina é, diz o Quartz, uma das várias drogas cujo efeito terapêutico tem vindo a ser estudado. Num estudo aprovado pela FDA, doentes com stress pós-traumático responderam melhor ao uso de MDMA (vulgo ecstasy) do que à psicoterapia. Os investigadores também usaram LSD (substância alucinogénica) e psilocibina (o ingrediente ativo dos "cogumelos mági- cos") para resolver problemas de ansiedade em doentes terminais.

Steven Levine, um psiquiatra de Nova Jérsia, terá sido o primeiro médico, em 2011, a administrar ketamina fora de laboratório a um paciente. Segundo um artigo publicado em março no The Guardian, o profissional estava cansado dos medicamentos disponíveis para a depressão, que em muitos casos se revelam ineficazes. "Apenas cerca de 45% dos doentes respondem aos tradicionais medicamentos para a depressão", adianta o jornal britânico. Algumas horas depois de ser administrada a ketamina, os doentes ficam melhor.

70% ficam melhor

Desde 2011, Steven Levine já administrou em 600 pacientes o anestésico geralmente usado com cavalos em veterinária. Mas só recorre à ketamina quando nenhum outro tratamento antidepressivo funciona. E 70% dos doentes ficam melhor. Embora não seja indicada para a depressão, pode ser usada off label, ou seja, para um fim diferente daquele para o qual está indicado. Tal como Levine, Mason Turner, psiquiatra em São Francisco, também oferece o tratamento há mais de um ano.

As notícias são boas para quem sofre de depressão, mas o Quartz deixa um aviso: todos os estudos estão a ser feitos com versões inalteradas da droga e nas devidas condições de segurança, pelo que ninguém deve experimentar o fármaco. Segundo o The Guardian, a Associação de Psiquiatria Americana está a trabalhar para que sejam criadas diretrizes que permitam a administração da ketamina.

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