Drama freudiano entre os Le Pen
Aquela manifestação especial, ontem de manhã, começou na rua de Rivoli que corre ao longo do Louvre. Pequeno ajuntamento, daqueles com mais jornalistas do que adeptos. Com a mesma parka vermelha que usou na última homenagem a Jeanne d"Arc, em 2015, Jean-Marie Le Pen colocou-se à cabeça da manifestação. Pequena camponesa, Jeanne d"Arc, vencedora dos ingleses numa batalha Guerra dos Cem Anos e depois queimada viva, em 1431, é a santa padroeira de França e tem a sua festa nacional a 8 de maio. Mas, desde há muito, Le Pen, fundador da Frente Nacional (FN), decidiu levar a homenagem à heroína para o Primeiro de Maio, para combater o monopólio dos sindicatos sobre o dia dos trabalhadores.
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Há dois anos Jean-Marie ali estava, ainda com a filha Marine. Depois disso tinha acontecido o processo edipiano na família Le Pen, e a filha expulsou o pai da FN que ele fundara. Os 89 anos não tinham arrefecido a cabeça quente do velho aventureiro e Marine precisava de se mostrar mais "normalizada". Medida prudente: ainda há dias, o pai criticou a homenagem a um polícia morto pelo terrorismo, porque o companheiro deste, um capitão da polícia, discursou, dando à cerimónia um "ar demasiado gay", insuportável a Le Pen. Ontem, como tem sido constante ao longo da campanha, Marine voltou a ter de dizer que o "corte político" com o pai era irreversível.
A manifestação avançou aos gritos de "A França aos franceses!". Le Pen virou-se para a mulher e perguntou o que eles diziam. Jeanne-Marie (é o nome da mulher, a segunda, não a mãe de Marine), informou Jean-Marie e este retificou, com a non chalance de quem já viu outros percalços: "O combinado era dizer: os franceses, primeiro!" Dez passos andados, o casal entrou num velho Renault, para perfazer os dois quarteirões até à praça da Pyramides, onde os aguardava Jeanne d"Arc e o seu cavalo, ambos em bronze dourado. Um palco pequeno, uma coroa de lírios brancos e um microfone num pedestal transparente. O ex-líder subiu ao som de "Va, Pensiero", da ópera Nabucco. Conhecido também como "Coro dos Escravos Hebreus", podia levar à sensação falsa de que também o pai Le Pen decidira amaciar a sua imagem, neste caso a de anti-semita.
Ele abriu com um preito a Jeanne d"Arc, "o maior homem da História." E fez questão de dizer que aquilo que ele dizia dela tinha sido escrito por Robert Brasillach, "em 1935". Mas não disse que este não o poderia ter escrito em 1945, porque logo no fim da guerra Brasillach foi julgado e fuzilado por traição com o inimigo nazi. Quanto a Jeanne d"Arc ela serviu para exemplificar como nacionalismo e patriotismo eram a mesma coisa: estrangeiros, longe! Ao ser julgada pelos ingleses, a futura santa, perguntada se gostava dos ingleses, respondeu, segundo Le Pen: "Sim, mas em casa deles." A frase levou ao rubro os militantes, apesar do vizinho e snob Hotel Regina, de luxo e centenário, ter o nome dedicado à rainha Vitória.
Ofegante, Le Pen aguentava vento vindo do Sena. Ele continuou a discursar mas o microfone, de repente, calou-se. "Não há microfone!", gritaram os patriotas. "Sabotagem!", gritaram os patriotas. "Foi Marine!", gritou uma velha, que antes cortava o discurso com "Jean-Marie, on vous aime!" Le Pen encostou-se à cadeira, recusou o cachecol oferecido por Jeanne-Marie, e não resistiu à boutade: "No tempo de Estaline fuzilavam-se os técnicos."
O som voltou muitos minutos depois, mas atrás do estrado um homem magro ficou sempre de cara amarrada. Era Lorrain de Sainte-Affrique, o primeiro companheiro da jovem Marine Le Pen, quando ele já era o homem da comunicação do líder. Lorrain continua fiel ao pai Le Pen. Há meses, depois de mais uma tentativa da candidata presidencial se afastar do pai, Lorrain de Sainte-Affrique escreveu no Facebook: "Pobre estúpida! Quando eu oiço todos os dias como ele [Jean-Marie] te ama." O microfone voltou, Jean-Marie apelou ao voto na filha, picou Macron ("ele diz-se do futuro e não tem filhos") e encerrou o discurso: "Jeanne d"Arc, socorro!" Santa ou psicanalista, alguma coisa falta.
Em Paris