Drama e glória na chegada a Hong Kong

Equipa da casa, Scallywag, venceu, depois de ter feito metade da etapa em último lugar. A trinta milhas da chegada, Vestas colide com barco de pesca e mata um pescador
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Um acidente grave marcou ontem o fim da quarta etapa da Volvo Ocean Race, que ligou Melbourne, na Austrália, a Hong Kong.

A trinta milhas da linha de chegada, navegando à noite, o barco da equipa "Vestas 11th Hour Racing", que seguia em segundo lugar a cerca de 20 milhas por hora, colidiu com um barco de pesca. Um dos dez tripulantes deste barco ficaria gravemente ferido, sendo evacuado de helicóptero mas sem que isso o salvasse. Acabou por morrer. A traineira afundou-se.

O veleiro, por seu turno, sofreu graves danos no casco, nomeadamente um rasgão na proa. Conseguiu chegar a motor a terra, com o barco intencionalmente adornado para o lado oposto do dano, para não meter mais água. Os membros da equipa ainda não fizeram nenhuma declaração pública sobre as circunstâncias do acidente mas sabe-se que, junto à costa, os mares da China são verdadeiros "campos de minas", com milhares de barcos de pesca não identificados a navegar às escuras e sem que surjam nos radares (além do problema das redes de pesca).

Para o patrocinador, a Vestas, um gigante escandinavo da energia eólica , a Volvo Ocean Race começa a revelar-se um pesadelo. Na edição 2014-2015, o barco que patrocinava encalhou brutalmente num recife no Índico, a meio da etapa que ligava a Cidade do Cabo (África do Sul) ao Abu Dhabi. O barco esteve seis meses em reparações e só voltou no fim à regata, quando esta parou em Lisboa. Do ponto de vista da classificação já lhe era absolutamente impossível passar da última posição mas o patrocinador insistiu em manter a equipa em prova, mesmo falhando sucessivas etapas, construindo uma narrativa de persistência e superação que também queria associar à empresa (em processo de resolução de graves problemas financeiros).

Agora os danos são menores mas ninguém garante que o veleiro, comandado nesta etapa pelo norte-americano Mark Towhill - o "skipper" Charlie Enright falhou a etapa por causa de uma emergência familiar nos EUA - estará reparado a tempo de partir para a etapa que, a partir de 7 de fevereiro, ligará Hong Kong a Aukland, na Nova Zelândia.

O acidente de ontem revelou ainda uma curiosa inversão de papéis. Na edição 2014-2015, no naufrágio no Índico, o "Vestas" era capitaneado pelo neo-zelandês Chris Nicholson. O primeiro concorrente a prestar-lhe assistência foi o "Alvimedica", dirigido por Enright e Towill. Ontem, o "Vestas", com Towill como "skipper", foi assistido pela tripulação do AkzoNobel, que a bordo tem Nicholson e outros elementos da equipa "Vestas" da edição 2014-2015.

Não fosse este acidente e todos os holofotes estariam virados para o grande vencedor da etapa, uma equipa de Hong Kong, "Sun Hung Kay/Scallywag", capitaneada pelo australiano David Witt (que nas três primeiras etapas não tinha feito melhor do que um 5º lugar). A tripulação de Witt, a única com uma navegadora mulher, a britânica Libby Greenhalg, fez a primeira metade da 5700 milhas da etapa no fim do pelotão.

Mas ao chegarem às calmarias equatoriais, depois das Ilhas Salomão, perceberam que todos os barcos à sua frente estavam a "estacionar" devido à falta de vento e rondaram imediatamente em direção a Hong Kong, "cortando" a curva para leste. Passaram da última posição para a primeira e nunca mais se deixaram ultrapassaram, algo que se deve também ao conhecimento profundo dos mares locais da tripulação, há muito estabelecida em Hong Kong. Conseguiram-no apesar de um enorme susto: um dos velejadores caiu ao mar (não estando a usar colete salva-vidas). O acidente ocorreu em pleno dia e isso levou a que as manobras de resgate durassem menos de dez minutos.

Para a equipa de bandeira portuguesa "Turn The Tide On Plastic" (TTOP), com a britânica Dee Caffari a "skipper" (a única mulher nesta posição entre as sete equipas concorrentes), a etapa foi uma desilusão (e um percurso de certa forma inverso ao do "Scallywag"). Na primeira metade seguiram sempre entre os lugares da frente, competindo de igual para igual com todos os outros. Mas a certa altura, no fim da passagem pelas calmarias equatoriais, o TTOP bem como o Brunel e o Mapfre viram-se na sombra de uma enorme nuvem que lhes "sugou" o vento. Enquanto o resto da frota começava a acelerar em direção a Hong Kong, o TTOP permanecia estacionado, sangrando milhas. Só não ficou em último porque o "Vestas" desistiu da etapa, registando zero pontos.

A bordo seguiam - pela primeira na história da Volvo Ocean Race - dois marinheiros portugueses, Frederico Melo e Bernardo Freitas. Este último passou pela primeira vez a linha do equador e foi por isso praxado, como é de tradição, sob a "acusação" de ser "demasiado belo". O corte de cabelo com que saiu de Melbourne não foi aquele com que chegou a Hong Kong. Agora aguarda-o a máquina zero e seguir outra vez a bordo, em direção a Aukland. Frederico Melo deverá ficar em terra a descansar. Espera-se também que um outro português, António Fontes, regresse ao "Scallywag", tendo já recuperado da lesão que sofreu a bordo na etapa Cidade do Cabo-Melbourne (um braço partido).

Classificação da 4ª etapa (Melbourne-Hong Kong)

1. Scallywag 17 dias 14 horas 30 minutos 42 segundos
2. Dongfeng 17d 17h 18m 22s
3. AkzoNobel 17d 21h 06m 16s
4. MAPFRE 17d 22h 36min 10s
5. Brunel 18d 00h 45m 56s
6. Turn The Tide on Plastic (TTOP) 18d 01h 39m 00s
RETIRADO Vestas

Classificação geral

1. MAPFRE 33 pontos
2. Dongfeng 29 pts
3. Vestas 23 pts
4. Scallywag 19 pts
5. Brunel 17 pts
6. AkzoNobel 14 pts
7. TTOP 8 pts

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