DRAGON FORCE - Muito mais do que uma escola de futebol

Possibilitar aos mais pequenos a aprendizagem do futebol no seio do FC Porto foi o que motivou os responsáveis do clube a criar o projecto Dragon Force, um local privilegiado para a observação de jovens talentos. Desde 2008, 800 miúdos de ambos os sexos, entre os 4 e os 14 anos, têm mais razões para sonhar com uma carreira de futebolista.<br />
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O sonho de se tornar num novo Vítor Baía, Luís Figo ou Cristiano Ronaldo passa pela cabeça de muitas crianças para quem jogar futebol é a única coisa que interessa. Ser jogador da bola é aquela profissão com a qual todo e qualquer rapaz já sonhou um dia. E cada vez mais raparigas também…
De norte a sul de Portugal florescem as escolas de futebol, associadas a clubes ou criadas de raiz, normalmente por jogadores ou treinadores da modalidade. Jogar futebol nos dias de hoje já não é um exclusivo dos poucos que conseguem integrar as equipas de formação dos clubes. A prática do futebol pelo gosto do jogo é acessível a um maior número de crianças e jovens, mas ainda não a todos os que o desejam. Atentos a esta realidade e procurando colmatar uma falta no clube centenário que mais títulos tem ganho nos últimos anos, os responsáveis do FC Porto decidiram dar nova vida ao velhinho Campo da Constituição e aí albergar centenas de crianças e jovens numa escola de futebol: a Dragon Force.

«Isto tem que ver com o preenchimento de uma lacuna que existia no clube, que conseguimos colmatar de uma forma extraordinária, transformando um local mítico, como é o Campo da Constituição, num lugar de eleição para podermos ter ao nosso dispor, ver e controlar miúdos aos quais antes era impossível termos acesso, precisamente por não termos o escalão pré-escolas e instalações dignas para tal», disse à NS’ Vítor Baía, director para as Relações Externas do FC Porto e um dos maiores ícones do clube.

DESDE 2008, evoluem no Vitalis Park 800 miúdos, no escalão de pré-escolas, o que facilita ao clube azul e branco a missão de observar jovens talentos até aí realizada, exclusivamente, pelo departamento de scouting.
«O Vitalis Park é uma infra-estrutura de elite que está a servir de base a um projecto inovador em Portugal. As coisas estão a correr muito bem, principalmente na escola de futebol. Um dos objectivos é termos um espaço privilegiado de scouting, pois trabalhamos com miúdos dos 4 aos 14 anos», reforça Urgel Martins, coordenador do projecto Dragon Force.

As escolas de futebol Dragon Force mobilizam 800 crianças e jovens de ambos os sexos, mas já há outros 120 em lista de espera. «Infelizmente, não conseguimos dar resposta a todos aqueles que querem sentir a magia de aprender a jogar no FC Porto», sustenta Urgel Martins.
Dar possibilidade às crianças da cidade de aprender a jogar futebol no seio do FC Porto, que assim pode mais facilmente ter acesso a jovens talentos, é pois o conceito do Dragon Force.

«Algo muito importante e a que damos grande importância é ensinar a estes jovens o que é pertencer ao FC Porto e ser jogador do FC Porto, transmitindo-lhes valores essenciais para a sua educação e crescimento», explica Vítor Baía, acrescentando: «Temos igualmente uma grande preocupação com a área pedagógica, que é, se calhar, aquela a que damos mais importância nesta fase de crescimento dos jovens. Por isso, temos a parte lúdica, com os campos de férias, onde os miúdos se divertem com desportos radicais, idas ao cinema e aos jogos das equipas seniores das diversas modalidades, precisamente para lhes transmitir o que é ser do FC Porto.»
Para Urgel Martins, o Dragon Force funciona numa «lógica de inclusão», ou seja, é uma escola onde meninos e meninas, grandes e pequenos, gordos e magros, com mais ou menos jeito têm lugar e oportunidade de aprender a jogar futebol.

«O Dragon Force é um projecto que nasceu de uma ideia: as crianças cresceram a ver o FC Porto ganhar, então sentimos a obrigação de criar projectos e espaços que gerassem interacção e manifestações para os miúdos sentirem o FC Porto. Sentirem porque é que o FC Porto ganha e porque é o melhor clube português», explica o coordenador do projecto. «Criámos uma marca, especialmente dirigida à juventude, com quatro manifestações: escola de futebol, campos de férias, roadshows e clinics.»

Nas clinics, os jovens assistem a aulas (leia-se treinos) ministradas por algumas das estrelas do plantel sénior de futebol; nos roadshows, «não há limites», e o último congregou três mil miúdos a jogarem futebol nos campos sintéticos do Vitalis Park; nos campos de férias, os jovens praticam modalidades que não apenas o futebol, além de desfrutarem de um sem-número de actividades lúdicas; e na escola de futebol todos aprendem o jogo e muitos sonham em ser transferidos para as classes de Formação do clube, dando assim início ao que poderá vir a ser uma carreira no futebol profissional.
«A transição de jovens do Dragon Force para a Formação do clube é encarada mais como uma consequência da qualidade do trabalho que desenvolvemos do que de uma prioridade essencial», afirma Miguel Lopes, coordenador técnico do projecto.

No primeiro ano de funcionamento do Dragon Force houve dez jovens que passaram para a Formação do FC Porto. «Esses já transitam a saber o que é vestir a camisola do clube. O Dragon Force é um primeiro passo para aqueles que sonham jogar no FC Porto», frisa Urgel Martins, explicando que, no entanto, essa não é a prioridade do projecto: «O objectivo principal é formar pessoas. Temos uma estratégia diferenciadora das outras escolas de futebol. Estar aqui é diferente porque é o FC Porto. Há contacto com as estrelas do clube e figuras como o Vítor Baía, mas também porque se aprende algo mais do que futebol. Estamos a ensinar futebol mas ao mesmo tempo preocupamo-nos com determinadas áreas pedagógicas, nomeadamente o respeito pelo meio ambiente, os valores de cidadania, a geografia ou a matemática. Procuramos ensinar isto através do futebol e, muitas vezes, estas componentes são integradas no processo de treino.»

Vítor Baía, provavelmente o maior ícone do clube do Dragão e um exemplo de cidadão solidário, através da sua Fundação Vítor Baía 99 de apoio a crianças necessitadas, reforça esta ideia: «Importantes são os valores de cidadania que passamos e toda a componente pedagógica, que é importante para a educação e crescimento destes jovens.»

A preocupação pedagógica do projecto Dragon Force levou a que nesta época fosse criada uma sala de estudo, no sentido de apoiar os que mais precisam e cujo acesso é gratuito.
«O projecto da sala de estudo foi uma das novidades da nova época. Duas educadoras sociais dão apoio aos alunos da escola de futebol, quer no acompanhamento da actividade escolar de cada um quer no desenvolvimento de diversas actividades lúdicas e pedagógicas», diz Urgel Martins.
Porém, o objectivo básico da escola de futebol não é descurado, e esta temporada nasceram no Dragon Force duas equipas de competição.

«Outro dos projectos que se iniciaram nesta nova época foi o das equipas de competição de sub-12 e sub-10. Desta forma, os alunos têm dois espaços competitivos em que podem participar nas provas regionais de futebol de sete. É um espaço que potencia a evolução dos jogadores e a avaliação das características individuais de cada um», acrescenta.
De todo o projecto Dragon Force, os campos de férias são, provavelmente, a cereja em cima do bolo.

No passado mês de Dezembro, e aproveitando a interrupção escolar, decorreram dois campos de férias, que incluíam «tudo aquilo que está no conceito-base dos campos de férias Dragon Force», assinala o coordenador, adiantando: «Aprender as modalidades praticadas no FC Porto, sensibilização dos jovens para actividades científicas, pedagógicas e educativas, e muito futebol.»

E a chama do Dragão já atravessa fronteiras, como aconteceu no passado mês de Julho, em que uma centena de jovens da Galiza (Espanha) participaram no primeiro campo de férias internacional, com o centro de operações na província de Pontevedra e uma deslocação à Invicta para uns jogos e uma visita ao Centro de Treinos do Olival e ao Estádio do Dragão.
O Dragon Force, segundo o coordenador do projecto, é ainda «um embrião de profissionais para o FC Porto, pois constitui o início de um percurso dentro da estrutura do clube».

Actualmente, o projecto Dragon Force integra 13 treinadores, todos licenciados em Desporto, um gestor operacional e conta ainda com o apoio de roupeiros, de um nutricionista, um psicólogo e duas educadoras, que dão apoio na sala de estudo.


O papel dos pais

É importante controlar as expectativas, por vezes demasiado elevadas, dos jovens.

Num projecto como o Dragon Force, a presença das crianças e jovens implica a participação dos pais, seja pela tenra idade dos participantes (entre os quatro e os 14 anos) seja, em última instância, pela necessidade de cobrir o pagamento mensal necessário. Porém, a presença e até participação dos pais levanta muitas vezes obstáculos complicados de ultrapassar. «No meio destes jovens haverá alguns com potencial para virem a ser jogadores de alta competição», refere Vítor Baía, ciente, porém, de que esses são uma ínfima parte das centenas que frequentam o Dragon Force. E para um dos mais vitoriosos jogadores do mundo, passa pelos pais a gestão dessas expectativas, não fazendo crescer nos filhos esperanças que nunca poderão vir a ser concretizadas.

«Os pais são gestores de expectativas e, muitas vezes, os culpados pelas expectativas elevadíssimas que as crianças têm. Um conselho que dou aos pais é que não olhem os filhos como um investimento. As coisas acontecem com naturalidade», afirma o antigo guarda-redes do FC Porto, do Barcelona e da Selecção Nacional, recordando a sua experiência pessoal: «Os meus pais, devido às suas profissões, nunca me acompanharam de perto e agradeço por isso ter acontecido, pois muitos colegas meus tiveram nos pais os principais responsáveis pelo insucesso das suas carreiras.»

Vítor Baía olha mesmo com preocupação a atitude de muitos pais: «Nestas idades é importante controlar as expectativas dos jovens e, acima de tudo, ajudá-los e prepararem-se para a possibilidade de insucesso. E não vejo nenhum pai preocupado com isso, vejo-os todos, apenas e só, preocupados com o investimento no seu filho, apostados em que irá ser jogador de alta competição, quando a realidade é completamente diferente.»
Também o coordenador técnico do projecto, Miguel Lopes, que diariamente contacta as crianças e os pais, lança um alerta dirigido aos progenitores.
«Primeiro há que dizer que os pais são muito importantes mas nem sempre conseguem intervir da melhor forma. O lado afectivo com a criança impera e o pai não vem ver o treino, vem a ver o filho a treinar. E, depois, as expectativas que projecta na criança são, muitas vezes, desmesuradas e não condizentes com a paixão que o jovem tem pelo jogo ou com as suas reais potencialidades. Mas também há o contrário…», diz.

A presença de um psicólogo na estrutura do projecto tem sido primordial para evitar situações graves: «Também temos alguma intervenção nessa matéria e o nosso psicólogo já fez sensibilização junto dos pais. Por vezes somos forçados a impedir que os pais interfiram directamente, por exemplo, num jogo. A intenção deles é ajudar, mas acabam por prejudicar porque metem muita pressão nos miúdos, dão ordens contrárias às dos treinadores, etc.»
Face à tenra idade com que as crianças podem entrar para o Dragon Force, a partir dos 4 anos, muitas delas estão ainda na fase de experimentar uma modalidade, podendo não ser o futebol a que mais se adeqúe. «Acontece termos aqui miúdos que vêm contrariados e que só vêm por vontade dos pais…», diz Miguel Lopes.


DIVIRTAM-SE E PERSIGAM O SONHO

«Divirtam-se, respeitem os companheiros e os monitores, vão à procura dos vossos ideais e dos vossos sonhos e nunca desistam dos vossos desejos.» Este é o conselho de Vítor Baía aos 800 jovens que integram o Dragon Force, antes de recordar como era difícil no seu tempo dar início a uma carreira de futebolista. «No meu tempo era completamente diferente», afirma. «Fiz a minha formação neste local [Campo da Constituição], mas o terreno era pelado e não havia nada a dizer. Era fazer o treino normal de um guarda-redes como se estivesse na relva, ou seja, ficava todo marcado, cheio de feridas, mas sem me importar nada com isso.» Apesar das dificuldades e contrariedades que a realidade de há três décadas comportava, o mais vitorioso jogador de futebol portista encontra aí vantagens: «Penso que foi também uma boa escola de vida e estou feliz por ter tido o privilégio de ter privado com pessoas competentes e que me ensinaram e ajudaram a ter a carreira que tive.»

ENTRE TRINTA E SESSENTA EUROS MENSAIS

Aprender a jogar futebol no Dragon Force exige um esforço financeiro dos progenitores que, diga-se, não está ao alcance de todos. No entanto, a capacidade do projecto está no limite e há mesmo uma lista de espera de 120 miúdos. Aos 85 euros da primeira inscrição – com direito a fato de treino, saco, calção, meias e camisola da marca Dragon Force – junta-se uma mensalidade que varia consoante se é associado do FC Porto ou não e o número de treinos por semana. Para os sócios, as mensalidades são de trinta (um treino por semana), 45 (dois) e 55 euros (três treinos semanais), sendo estes valores acrescidos de cinco euros para quem não é sócio do clube do Dragão. Já a inscrição para uma segunda época é de apenas 45 euros – com direito aos mesmos materiais desportivos, excepto o fato de treino.
Além destes encargos financeiros, a participação, por exemplo, nos campos de férias está sujeita a novo pagamento. Para as actividades realizadas no passado mês de Dezembro, a inscrição foi de setenta euros.

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