Dr. Google está disponível? Sim, mas raramente acerta e nem todos confiam

78% dos inquiridos no âmbito de estudo nacional dizem que a credibilidade é o principal problema das pesquisa na internet
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O diagnóstico de uma possível virose não convenceu Ana, de 27 anos, que, quando saiu das urgências, foi à internet pesquisar informação sobre os sintomas que tinha. Do Dr. Google recebeu o diagnóstico de uma zoonose, uma doença infecciosa que, segundo a médica Sofia Couto da Rocha, "nem sequer é muito típica nos humanos e não está identificada na nossa região". Seguiram-se dias de grande preocupação. "Não sabia qual o impacto que a doença ia ter no futuro, se iria ter de fazer um transplante hepático. Tinha um nível de ansiedade que não a deixou trabalhar durante uma semana." Quando chegou ao consultório da médica, Ana já não tinha qualquer sintoma, mas continuava a achar que tinha tido a doença.

Este é "um caso extremo", diz Sofia Couto da Rocha, mas há muitas situações semelhantes a acontecer diariamente. De acordo com um estudo feito recentemente, 88% dos portugueses usam a internet para fazer pesquisas sobre saúde, mas apenas 6% consideram que esta é uma fonte tão credível como um médico ou um profissional de saúde. 41.3% acham que é "ocasionalmente credível" e 80% dizem que "por vezes é credível".

Os dados fazem parte de um estudo feito pela Comissão de Tecnologias de Informação em Saúde do Parlamento da Saúde, que envolveu 3500 pessoas, 95% das quais com idades entre os 30 e os 60 anos. Para Sofia Couto da Rocha, presidente da comissão, os dados recolhidos de norte a sul são "um espelho" do que se passa no país. Segundo o mesmo inquérito, 60% dos inquiridos procuram os sinais da doença e o seu significado online, 47% fazem pesquisas sobre os tratamentos disponíveis, 43% tentam obter informações sobre médicos e hospitais e 41% sobre prevenção de doenças.

A médica salienta que, "embora 88% pesquisem sobre saúde na internet, 78% dizem que a credibilidade é o maior problema", o que "é quase um contrassenso". Para os inquiridos, o segundo maior problema é a quantidade excessiva de informação disponível. Já 50% consideram que nem sempre a informação transmitida pelos médicos é percetível e esclarecedora.

Mudou a relação com os médicos

Margarida Dias, coordenadora de Medicina Geral e Familiar do Hospital CUF Descobertas, considera que "a internet quase que determinou uma recriação da relação do médico com o doente. É como se passasse a existir um terceiro interlocutor". Atualmente, "os doentes estão na posse de informação muito abrangente e cabe aos médicos explicar, integrar e muitas vezes descodificar essa informação". Algo que, segundo a médica, "é transversal não só no processo de diagnóstico como na seleção e opção por um determinado tratamento". É preciso "educar os utentes, para que a internet seja usada da melhor forma".

Frequentemente, adianta Sofia Couto da Rocha, no momento de dialogar com o médico sobre o melhor tratamento, "o doente tem ideias preconcebidas, que nem sempre são benéficas". "O Dr. Google incute algum modus operandi que não é muito saudável", frisa. Por outro lado, "continua a haver muita informação errada na internet, que não tem validade, colocada por pares ou com uma linguagem demasiado técnica". Outro dos riscos, dizem as médicas, é o autodiagnóstico e a automedicação, não só com fármacos de venda livre, mas também com medicamentos de amigos.

"Há também o risco de as pessoas deixarem de procurar o médico por estarem convencidas de que estão esclarecidas sobre a sua situação, o que pode atrasar o diagnóstico real", alerta Margarida Dias. Uma situação que a médica já presenciou, nomeadamente em pacientes com tumores. "É fácil subentender a malignidade e não ir à consulta por medo da realidade, o que atrasa o tratamento", conta. Segundo a coordenadora do serviço no Hospital CUF Descobertas, também é frequente "as pessoas irem fazer pesquisas após a prescrição e não seguirem o tratamento, porque acham que há coisas melhores".

No entanto, ressalva a coordenadora da Comissão de Tecnologias de Informação em Saúde, se for usada de forma correta, a internet "quebra muitas das barreiras que existiam no acesso ao doente, à frequência com que era visto (através da telemedicina) e à forma como o próprio se pode informar, já que é o melhor médico de si mesmo". Uma opinião partilhada por Margarida Dias, que considera que os aspetos positivos associados à internet "são dominantes, embora existam aspetos particulares que podem implicar riscos a vários níveis e para os quais as pessoas devem ser educadas".

Partilha de informação

É também na web que muitos doentes validam a necessidade de ir ao médico. "No caso da depressão, por exemplo, leem testemunhos, informação sobre sintomas e procuram o médico porque acham que algo de anormal se passa", adianta Sofia Couto da Rocha. A médica recorda, ainda, o caso de uma mulher, de 35 anos, que sofre de doença de McArdle, caracterizada por alterações musculares graves, e que usa o Google e as redes sociais para se informar e, com a colaboração de médicos, partilhar informação credível sobre a patologia. "É quase uma publicitadora/educadora da doença", aplaude.

Entre as suas propostas para melhorar a saúde em Portugal, o Parlamento da Saúde propõe a criação de um selo certificado por entidades competentes para sites com informação credível e que conte com o envolvimento de doentes e associações de doentes para que a linguagem seja acessível. Composto por 60 pessoas, entre os 21 e os 40 anos, com percursos curriculares variados, o grupo tem como objetivo refletir sobre o futuro da saúde em Portugal e produzir recomendações.

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