Há dois anos, o Conselho de Ministros juntava-se para aprovar, entre outras medidas, um decreto-lei que concedia a possibilidade de todas as instituições de ensino superior atribuírem doutoramentos - um direito, até então, reservado às universidades e recusado aos politécnicos - desde que demonstrem capacidade científica. O ensino politécnico elogiou a oportunidade, que parecia ser a porta que há tantos anos esperavam para ver aberta. Contudo, o governo lançou a notícia com uma nota: o grau de doutor nas instituições de ensino politécnico só será possível quando for alterada a própria Lei de Bases do Sistema Educativo, em que está escrita a restrição desta possibilidade apenas ao ensino universitário. Até agora, ainda está tudo por mudar..A introdução de doutoramentos nos politécnicos já tinha sido defendida pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que acabou por recuar depois de alguns protestos das universidades. Já um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que avaliou o sistema de ensino superior e ciência do país em 2018, validou esta solução. O decreto-lei de 2018 fez renascer esta possibilidade, mas "não funciona sem uma outra lei", denuncia o presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Alberto Amaral confirma que, legalmente, não há outro caminho senão a alteração desta Lei de Bases, pela qual tem lutado o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP)..O que ficou definido pelo Conselho de Ministros parecia ter chegado para mudar o panorama institucional. "É uma alteração profunda ao nosso ordenamento e para a credibilidade dos nossos politécnicos", diz o presidente do CCISP, em entrevista ao DN. Mas as águas continuam paradas no Parlamento. "Não consigo compreender, porque todos os partidos mostraram estar de acordo. O próprio primeiro-ministro, numa audição parlamentar no início desta legislatura, reconheceu que as condições estavam todas lá", diz Pedro Dominguinhos..Condições estas que dependem da existência de centros de investigação acreditados ligados à instituição em causa e de docentes doutorados a lecionar neste grau de ensino. "A qualificação [dos professores] já era uma situação ultrapassada", e "a recente avaliação das unidades de I&D (investigação e desenvolvimento) e Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) veio comprovar que há áreas acreditadas", explicou o representante do Conselho. Das unidades avaliadas, 30% receberam a qualificação de muito bom ou excelente, "o que significa que, neste caso, cumpriu-se com os requisitos para poder outorgar o grau de doutor"..Afinal, o que fica a faltar? "O argumento dado é que isto não está no programa do governo", lamenta. "Mas a eutanásia também não e, no entanto, está a ser discutida. Se o argumento for este, nunca alteramos as leis. Se toda a gente reconhece a competência, se a lei já abre portas, então, faça-se." Na sua opinião, tudo o que se seguir depende exclusivamente da "vontade política" de "priorizar na agenda" o assunto.."Não construímos isto pelo teto, construímos pelos alicerces. Qualificamos os docentes, oferecemos uma prática de investigação reiterada, com provas dadas (até internacionalmente), temos unidades de investigação acreditadas pela FCT. Portanto, estamos a exigir aquilo que nos é devido e que o país merece", remata..Porque deve o politécnico ter doutoramentos?.Na opinião de Alberto Amaral, presidente da A3ES, a decisão de incluir doutoramentos também nos institutos politécnicos poderia "descaracterizá-los", uma vez que "são instituições com visões e objetivos muito diferentes das universidades"..Lembra que estas instituições foram desenhadas para responder a "vias mais profissionalizantes" e, por isso, "estão naturalmente mais ligadas ao mercado de trabalho do que propriamente à investigação". Contudo, o representante do CCISP lembra que os centros de investigação já são uma realidade nestas instituições..A possibilidade de integrar este grau no ensino politécnico traria, na opinião de Pedro Dominguinhos, vantagens geográficas e estratégicas. "Se juntarmos aquilo que são hoje em dia os desafios da sociedade portuguesa e das regiões, estamos a impossibilitar o país de existirem doutoramentos em algumas áreas [de ensino] e regiões onde só os politécnicos chegam", diz. Lança o exemplo das "artes performativas", área "tradicionalmente associada aos politécnicos". "Não há competência para doutoramento?", questiona..Além disso, acrescenta, este "pode ser um contributo extremamente relevante para aumentar estas receitas". Ainda que salvaguarde que "a introdução de doutoramentos não é uma questão de salvação" financeira dos politécnicos, admite que a possibilidade de mais doutoramentos permite "mais projetos e projetos aprovados, trazendo naturalmente mais alunos e, por isso, aumentando as receitas".