Dos fracassos espanhol e inglês ao xadrez de Santos

As equipas de Del Bosque e Roy Hodgson foram mais cedo para casa devido a alguns equívocos dos selecionadores. A Portugal, mesmo sem um futebol de encantar, não falta empenho e ambição
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A final do Euro é já no sábado. Claro que quero que Portugal ganhe - sonho com isso há mais de 40 anos - e concedo que a França pode lá chegar, mas candidatos a sério são dois e defrontam-se depois de amanhã em Bordéus, Itália e Alemanha, pois claro, que até agora só vi duas equipas de verdade, completas, com bola e sem bola, no domínio trabalhado de cada um dos quatro momentos do jogo, em que a organização potencia o talento, não vai com ele de arrasto. Sim, também a Islândia tem uma equipa, feita de alma viking, só que agarrada a uma ideia de jogo básica e repetitiva. Alemanha e Itália são outra coisa, mesmo se o jogo dos islandeses com a Inglaterra mostrou que mais vale um conjunto com um pensamento rudimentar do que um bando de milionários sem ideia que os guie. Antes burro que me leve do que cavalo que me derrube, já dizia Gil Vicente.

Falhou a Inglaterra porque falhou Roy Hodgson, e já não foi a primeira vez e nem sequer por colocar Rooney a médio, antes por forçar o jogo a passar sempre pelos pés dele, tornando-o denunciado como a marcha ruidosa dos ponteiros de um relógio velho, o que atrasava a chegada aos espaços de aceleração para Walker e Rose e transformava em banalidade o talento finalizador de Kane e Vardy, difíceis de conjugar, valha a verdade, que nenhum fato assenta com igual elegância em corpos diferentes e sabemos, desde Schwarzenegger e De Vito, haver gémeos que só a mãe não distingue. Já lá vai o tempo em que as equipas, mesmo as de seleção com a eterna atenuante do menor tempo para treinar, podiam resistir pela qualidade individual a choques de conceitos. Hoje, os curto-circuitos táticos deixam às escuras os maiores craques. Por isto, a Islândia foi capaz de ganhar à Inglaterra, sem precisar da malfadada sorte que tudo explica, ou nada, apenas organização com um pitada de crença. Falhou Hodgson como falhou Del Bosque, outro repetente experimentado nos erros, ao forçar o casamento de conveniência que a imprensa espanhola pedia nos últimos tempos, entre a fúria que nunca lhes rendeu nada e o tiki-taka que lhes deu tudo. Depois de Diego Costa, enxertado para jogar pela roja no Brasil natal e agora esquecido como Fernando Torres - herói de outras jornadas e no melhor da forma em muitos anos -, lembrou-se de Aduriz, eremita da área, a pedir bolas longas e aéreas a quem toda a vida a fez rolar passe a passe junto à relva, e ainda Nolito, músico popular do improviso entre gente que toca de cor partituras complexas, cantor ao desafio de concertina entre executantes milimétricos de fagote ou contrabaixo. Correu mal porque tinha de correr mal. Mais do que sublinhar o défice de energia nas pernas de Iniesta ou Fàbregas quando a bola era italiana, valeu a pena reparar onde estavam os hermanos, sempre longe uns dos outros, prontos para jogar só a metade ofensiva do jogo, esquecidos de que Guardiola deu a metade que faltava ao pensamento de Cruyff: a bola era para guardar o mais tempo possível, mas, uma vez perdida, todos haveriam de lutar, depressa e juntos, para a ter de volta, depressa para estar perto da área contrária e juntos para voltar ao carrossel de posse que cansa o rival até o entontecer.

A Espanha traiu a sua própria identidade. A Inglaterra nunca a encontrou. A França, terceira candidata, hesita entre a segurança de ter três médios de guarda que se atrapalham na hora de atacar e a liberdade de soltar Coman para que os movimentos de Griezmann e Payet não vivam agrilhoados nas bermas da relva. O País de Gales, mesmo se Ramsey e Joe Allen merecem menções honrosas, tem sobretudo Bale, que a matemática designaria de "conjunto singular" mas que é aqui talento enquadrado, num elenco que prepara tudo para que ele só apareça nas cenas principais. Não dará para ganhar o torneio, mas este também já é o Euro de Bale, numa grande vitória dos caloiros de além-Mancha que resistiram ao brexit. A Bélgica, no génio de Hazard e De Bruyne, é uma rajada de vento, quando lhe autorizam bola para jogar e espaço para correr. Menos forte a defender, vai ter com os galeses um duelo de contrastes.

Entre Portugal e a Polónia não há propriamente um jogo das diferenças, mesmo se mais consolidado o jogo polaco e com mais talento o português. A Polónia tem um modelo equilibrado, pouco criativo na zona central e que vive muito dos movimentos nas faixas, com Blaszkzycowski e Grosicki a "martelarem" vezes sem conta sobre os laterais contrários, enquanto o cinzel que dá contorno à obra circula mais pelo centro, nos pés de Lewandowski e Milik e em movimentos eficazes de apoio e rutura: se um baixa para receber, o outro desmarca-se. Portugal tem em Fernando Santos um treinador experiente mas que o tempo não cobriu de pó. Sabe que não tem nas mãos uma equipa completa, com uma ideia que permita navegar tranquilamente em todos os momentos do jogo, pelo que se agarra a duas dimensões fundamentais: a união e a estratégia. Se não há futebol de encantar, que não falte empenho nem ambição. Se os argumentos não são claramente mais fortes do que os do rival, há que anulá-lo para o surpreender. Foi assim com a Croácia, não deixará de ser frente à Polónia. Venham eles para a luta, que Portugal responderá com um convite para xadrez, tentando antecipar cada jogada. E mudando no máximo uma ou duas pedras, que o tempo já não é de virar o tabuleiro.

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