Doria, o anti-Lula, e Dino, o anti-Bolsonaro, preparam terreno para 2022

O primeiro, um ex-apresentador, ambiciona a presidência desde que passou a investir pesado na política, em 2016. O segundo, que derrubou a dinastia Sarney, busca preencher o vazio de poder à esquerda.
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Dos mestres da filosofia do passado aos gurus da autoajuda do presente, o conselho é sempre o mesmo: escolha bem os seus amigos, escolha melhor os seus inimigos. João Doria (PSDB), governador do estado de São Paulo, e Flávio Dino (PC do B), governador do estado do Maranhão, vêm obedecendo à máxima. Em vez de se envolverem em lutas domésticas nos seus estados, um e outro miram mais alto: Doria ataca Lula da Silva, ainda o líder da esquerda brasileira, Dino enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente, de extrema-direita, do país. Ambos têm 2022 no horizonte.

Na entrevista recente de Lula aos jornais El País Brasil e Folha de S. Paulo, o presidente de 2003 a 2010 falou por duas longas horas. Nomeou protagonistas da política nacional, da esquerda à direita, mas não dedicou uma única palavra a Doria. E, no entanto, foi do governador de São Paulo, citado pelo portal Terra, a mais dura resposta às declarações do antigo sindicalista: "Surpreendeu-me a entrevista. Nunca vi presidiários darem entrevistas na prisão. É um facto inédito no Brasil. Mas a prisão fez-lhe mal. O antigo presidente e presidiário Luiz Inácio Lula da Silva parece estar em um processo avançado de esclerose".

O contexto em que Doria comentou a entrevista de Lula também faz subentender que o governador paulista já trabalha para ser candidato em 2022: estava na convenção do DEM, partido à direita com quem quer costurar uma fusão. Lá, defendeu que o seu PSDB adote uma atitude mais liberal na economia, surfando na onda do país, mas de centro na política, para se distanciar do extremismo do atual governo: "Defendemos que o PSDB seja um partido liberal. Nem de esquerda, nem direita. Mas de centro".

Contra os casos de corrupção, que contribuíram para o fracasso do partido nas eleições de 2018 e a implosão de supostos presidenciáveis, como Aécio Neves, Dora previne-se: defende a criação de um código de ética "duro" no partido, como é exigência da população.

Questionado, finalmente, sobre uma possível candidatura presidencial em 2022, disse que "cada passo é um passo, cada tempo é seu tempo, agora é tempo de gestão". Mais ou menos a mesma resposta que dava quando na qualidade de prefeito de São Paulo lhe perguntavam se iria cumprir o mandato até ao fim ou concorrer, como concorreu, a governador.

Outro governador, Flávio Dino, faz no estado nordestino do Maranhão uma espécie de governo sombra ao governo federal liderado por Bolsonaro.

Desde a semana passada, o governo do Maranhão vem divulgando nas redes sociais uma peça publicitária de combate ao turismo sexual. A campanha, cujo slogan é "o Maranhão está à disposição dos turistas, a mulher maranhense, não", rebate imediata e frontalmente uma declaração do presidente Jair Bolsonaro em que defendia que "o Brasil não pode ser um país do turismo gay", porque, segundo ele, "temos famílias". "Mas quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade", completava.

Conforme notado pelo jornal Nexo , a campanha iniciada no Maranhão transformou-se nos dias seguintes em corrente adotada oficialmente pelos governos vizinhos de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia, todos geridos por esquerdistas.

Noutro exemplo de oposição direta a Bolsonaro, o governador disse via Twitter que "usar critérios ideológicos, e não técnicos, para cortar recursos de universidades fere a regra constitucional da autonomia universitária (art. 207 da Constituição)". "Ou haverá novo recuo, ou nova derrota no Judiciário. Lamentável tanta confusão", acrescentou.

Reagia à notícia de que o governo havia retirado apoio a universidades públicas "por promoverem a balbúrdia", conforme anunciado pelo ministro da educação em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Ao contrário do que sucede com Doria, a Dino a imprensa ainda não pergunta sobre projetos de candidatura presidencial. Mas em março, o governador já se reuniu em Brasília com Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), que concorreram em 2018, para discutir planos de oposição ao governo.

DORIA "THE APPRENTICE"

Embora tenha desempenhado cargos públicos ainda nos 1980, Doria entrou com força na política como candidato vencedor à prefeitura de São Paulo, em 2016, batendo o então autarca Haddad, prejudicado pelo auge da contestação nacional ao PT.

Homem de comunicação, aprendeu os truques de como falar em público à frente do grupo que criou, o Lide, composto pelos maiores empresários do Brasil, e sabe lidar com a TV desde que apresentou a versão brasileira do programa The Apprentice de Donald Trump - embora a sua referência, sublinha, seja outro nova-iorquino, o ex-mayor Michael Bloomberg.

De sorriso fácil, usado em ações da prefeitura replicadas em tempo real no Facebook das cinco da manhã à meia-noite e em centenas de selfies diárias com paulistanos, foi ganhando popularidade e notoriedade, ao ponto de ser cogitado como candidato à presidência pelo PSDB, já em 2018.

Acabaria por concorrer "apenas" ao governo do estado de São Paulo, o mais populoso e rico do país. E ganhar.

Apoiante de Bolsonaro, pelo menos enquanto lhe for rentável, chegou a receber um elogio do atual presidente. Em almoço fechado à imprensa durante o fórum de Davos, na Suíça, Doria foi citado mais de uma vez por Bolsonaro e pelo ministro das finanças Paulo Guedes como possível presidente da República no futuro, segundo reportagem do jornal O Globo.

DINO CONTRA O DINOSSAURO

A chegada de Flávio Dino, um ex-juiz de 51 anos, ao cargo de governador do Maranhão em 2014 foi considerada um marco: antes, o estado estivera por 60 anos nas mãos da família Sarney, através do patriarca, José, presidente da República de 1985 a 1989, da sua filha Roseanna, ou de afilhados políticos. Um estado "semifeudal", de acordo com reportagem de 2009 da The Economist, liderado por Sarney, chamado de "dinossauro que ainda ruge" no texto.

Um estado que nessas seis décadas se tornou, de acordo com os indicadores de desenvolvimento humano subsaarianos que apresenta, na mais miserável das 27 unidades federativas do país.

Como Bolsonaro, o político que hoje combate passo a passo, Dino também apostou nas redes sociais para se impor, uma vez que no Maranhão os principais órgãos de comunicação são propriedade dos Sarney.

Reeleito em 2018, batendo Roseanna, o comunista aliou-se a socialistas, sociais-democratas e até conservadores para governar mas não deixou de ser irredutível na defesa de Dilma Rousseff durante o processo de impeachment ou no apoio à dupla composta por Haddad, do PT, e por Manuela D'Ávila, sua colega de partido no PC do B.

Dino, por isso, tornou-se automaticamente uma das mais importantes referências da esquerda brasileira no nordeste. O próximo passo pode ser o país.

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