Doping: conhecidos os seis que usaram CERA em Pequim
O nome de Rebellin, segundo no ranking mundial da União Ciclista Internacional, foi avançado anteontem pela agência ANSA. O envolvimento do ciclista italiano foi ontem confirmado pelo Comité Olímpico de Itália, que já impôs uma suspensão preventiva a Rebellin. O corredor da Diquigiovanni vincou que os resultados do seu teste só podem ser um erro e anunciou que vai solicitar a contra-análise.
Os resultados da reanálise das amostras de sangue foi também uma má notícia para o Bahrain. A única medalha de ouro olímpica deste reino do Médio Oriente foi conquistada por Rashid Ramzi, que começou a sua carreira a representar Marrocos e ainda treina no seu país de origem.
Ramzi, campeão dos 800m e dos 1500m nos Mundiais de Helsínquia, em 2005, conquistou em Pequim 2008 a medalha de ouro nos 1500 metros, com a marca de 3m32,94s, mas deverá perder o título.
Outro dos envolvidos é Stefan Schumacher, que já tinha acusado uso de CERA na Volta à França de 2008, prova disputada um mês antes dos Jogos Olímpicos. O envolvimento de Schumacher foi confirmada pela federação alemã de ciclismo.
A grega Athanasia Tsoumeleka, campeã olímpica dos 20km em Atenas 2004, e a croata Vanja Perisic, especialista dos 800m, também acusaram uso de CERA, segundo fonte não identificada citada pela AFP.
O último nome foi revelado pelo Comité Olímpico da República Dominicana: a halterofilista Yudelquis Contreras, que em Pequim competiu sob o nome Yudelquis Maridalin, também registou um controlo suspeito.
Avanços científicos ‘apanharam’ batoteiros
Ontem, num comunicado emitido ao final da tarde, o COI revelou os resultados da reanálise das amostras, efectuada pelos laboratórios de Lausana (Suíça) e Paris (França), depois de o organismo olímpico ter decidido seguir os passos da Agência Francesa de Luta contra a Dopagem (AFLD): este organismo aproveitou avanços recentes nas técnicas antidoping e ordenou que as amostras suspeitas fossem de novo examinadas, encontrando mais quatro testes positivos no Tour: Bernhard Kohl, melhor trepador da prova, Stefan Schumacher, Riccardo Riccò e Leonardo Piepoli.
O COI aplicou a mesma estratégia a quase mil amostras de sangue colhidas em Pequim 2008: 847 foram sujeitas a detecção de CERA, sete dos quais com resultados não negativos (falta fazer as contra-análises para que possam ser declaradas positivos), no laboratório de Lausana; o de Colónia, na Alemanha, despistou insulina em 101 amostras e não detectou positivos.
“O COI armazena durante oito anos as amostras colhidas durante os Jogos Olímpicos. Isto permite ao COI analisar as amostras retroactivamente quando novas técnicas de detecção de novas substâncias e métodos dopantes estiveram validadas. A última ronda de reanálises, que arrancou em Janeiro, focou-se primeiramente nas provas de resistência no ciclismo, remo, natação e atletismo”, explicou o organismo olímpico.
Atletismo, ciclismo e halterofilismo
Não foram reveladas as identidades dos seis atletas que cederam as amostras com resultados não negativos (o COI está ainda "a notificar os atletas através dos respectivos comités olímpicos", para que os envolvidos possam solicitar as contra-análises), mas uma fonte conhecedora dos resultados dos testes, citada pela Associated Press, revelou que as novas análises ‘apanharam’ três atletas, dois ciclistas e um halterofilista.
Vários comités olímpicos nacionais, entre eles os dos EUA, Reino Unido, Austrália, Espanha e Nova Zelândia, disseram à imprensa que não receberam qualquer notificação. O mesmo disse o treinador de Usain Bolt, insistindo que o velocista que bateu três recordes mundiais em Pequim (100m, 200m e 4x100m) e levantou suspeitas sobre as suas exibições “não ouviu nem ouvirá” o que quer que seja sobre este assunto.
Na ronda de exames realizada ainda em Pequim o organismo olímpico detectou nove casos de doping, declassificando atletas com medalhas: Lyudmila Blonska, prata no heptatlo, Vadim Devyatovskiy, prata no lançamento do martelo, Ivan Tsikhan, bronze no martelo, e Kim Jong Su, prata e bronze no tiro. Além do COI, a Federação Internacional de Desportos Equestres também encontrou vários casos de dopagem nas provas de hipismo, levando mesmo a Noruega a perder a medalha de bronze conquistada na prova de saltos por equipa.
O que é a CERA?
A EPO sintética imita a eritropoietina natural, que é produzida pelo rim humano e estimula a medula óssea a produzir glóbulos vermelhos, que transportam oxigénio para as células e por isso esta substância tornou-se num dopante muito usado no desporto. A indústria farmacêutica desenvolveu várias versões sintetizadas, para ajudar a reduzir a necessidade de transfusões sanguíneas de pacientes com insuficiência renal crónica ou anemia e para doentes no pré-operatório.
A CERA foi uma das últimas EPO sintéticas a serem desenvolvidas. Mas a colaboração entre a farmacêutica, a Roche, e a Agência Mundial Antidopagem (AMA) atingiu níveis inéditos: logo a partir de 2004 a Roche começou a ceder à AMA amostras e documentação sobre o medicamento, com marca comercial Mircera, que só recebeu autorização para entrar no mercado europeu em Julho de 2007. E um ano depois os laboratórios antidoping já tinham total capacidade científica e legal para declararem positivos por CERA.
"A CERA possui a mesma estrutura que a EPO clássica, de primeira geração. O seu efeito dura mais tempo e exige apenas uma injecção por mês”, afirmou recentemente Neil Robinson, responsável pelo despiste de EPO no laboratório de Lausana, explicando que este medicamento “representa um conforto para os hospitais, mas não para quem se dopa, pois o seu período de detecção no organismo é mais longo". Para Robinson, as EPO continuarão a ser uma grande ameaça ao desporto.