Doping: arguidos do caso Puerto acusados 5 anos depois

A rede descoberta na "Operação Puerto" da Guarda Civil espanhola esteve na origem do maior escândalo de doping de sempre no desporto europeu, atingindo o ciclismo. O caso arrastou-se na justiça de Espanha e só agora é que um procurador conseguiu voltar a formalizar acusações contra cinco arguidos.
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O procurador José Manuel Garcia confirmou à AP que acusou na quinta-feira os arguidos de delito continuado contra a saúde pública, por atentado contra a saúde dos atletas, mas que dependerá do juiz de instrução aceitar e avançar para julgamento ou arquivar as acusações, como já aconteceu anteriormente neste processo, porque na altura dos acontecimentos Espanha ainda não tinha uma legislação antidopagem que proibisse a administração de dopantes e o fornecimento de serviços de dopagem.

Segundo a agência EFE, que teve acesso aos autos, a Procuradoria de Madrid vai pedir dois anos de prisão e proibição de exercer a profissão para os médicos Eufemiano Fuentes e a sua irmã Yolanda, o hematologista José Luis Merino Batres e os ex-directores desportivos das equipas Liberty Seguros-Würth, Manolo Sáiz, e da Comunitat Valenciana, José Ignacio Labarta.

A "Operação Puerto" ganhou visibilidade pública em Maio de 2006, com várias rusgas da Guarda Civil espanhola e a detenção de diversos suspeitos. Fuentes e Merino Batres alegadamente dirigiam um esquema que fornecia serviços de dopagem aos desporto profissional, em especial transfusões sanguíneas, ministradas em apartamentos de Fuentes e no laboratório de análises sanguíneas dirigido por Merino Batres. A rede tinha supostamente 58 ciclistas como clientes (vários foram excluídos da Volta à França) e foram apreendidas 200 bolsas de sangue e plasma, mas não foi possível associar quase nenhuma com os alegados clientes, pois o juiz de instrução proibiu a justiça desportiva de aceder às provas obtidas pela investigação criminal.

Os arguidos são acusados de recorrer à "glicerolização", preparando o sangue de modo a concentrar os glóbulos vermelhos e aumentar o transporte de oxigénio quando o sangue fosse reinjectado, durante as provas. Esse procedimento faz aumentar para níveis elevados o hematócrito (percentagem de glóbulos) e torna o sangue mais viscoso, obrigando o coração a um esforço suplementar e podendo originar coágulos, o que, no entender do procurador, "colocava em perigo a saúde" dos ciclistas.

A Procuradoria alega que pelo menos durante os primeiros meses de 2006 Fuentes e Merino Batres recolheram sangue de ciclistas e centrifugaram-no de modo a obter um concentrado de glóbulos vermelhos, que era congelado para conservação e mais tarde descongelado para ser usado durante as principais corridas. A acusação diz que Sáiz, Labarta, Yolanda Fuentes, na altura médica da equipa da Comunitat Valenciana, e Alberto León, ex-ciclista de BTT que se suicidou em Janeiro, contratavam os serviços de Eufemiano Fuentes e Merino Batres em troca de pagamentos em dinheiro.

Ainda de acordo como a EFE, a Procuradoria aponta vários factos que colocavam em risco a saúde dos ciclistas, para justificar a acusação de delito continuado contra a saúde pública: as extracções e transfusões de sangue aos corredores eram feitas em quartos de hotel "sem as suficientes garantias higiénico-sanitárias"; as bolsas de sangue eram transportadas "em mochila sem refrigeração e sem uma identificação clara das amostras nem cumprindo os pertinentes controlos hematológicos; os investigadores apreenderam aos arguidos inúmeros medicamentos, alguns deles caducados, que deveriam ser usados só em ambiente hospitalar ou que nem sequer estavam autorizados para serem ministrados em Espanha.

A investigação que abalou fortemente o ciclismo foi arquivada em Março de 2007, por António Serrano, juiz do Tribunal de Instrução Criminal número 31 de Madrid, que também impediu a justiça desportiva de usar as provas do processo. A Procuradoria e a Advocacia do Estado recorreram para a Audiência Provincial de Madrid, com o apoio da Agência Mundial Antidopagem e da União Ciclista Internacional, que ainda esperam ter acesos às provas e abrir processos disciplinares. A esmagadora maioria dos corredores ficou num limbo jurídico: não foram acusados pela justiça desportiva, mas também não foram contratados pelas equipas de elite devido ao código ético adoptado por estas, e acabaram em formações de escalões inferiores, incluindo portuguesas.

Fuentes foi entretanto alvo de outra investigação da Guarda Civil, a "Operação Galgo", que se desenrolou no final do ano passado e provocou novo abalo no desporto espanhol, em especial no atletismo. Mas o médico foi entretanto contratado para chefiar o departamento clínico do clube de futebol Universidad de Las Palmas, do grupo I da II Divisão B.

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