Dominadora procura submisso para relacionamento sério

Chama-se Ana, é de Coimbra, tem 30 anos e está a terminar Engenharia Civil. Sonha encontrar o príncipe encantado, ter filhos e viver feliz para sempre. Ele só tem de provocar-lhe borboletas no estômago. E ser submisso. Porque ela é dominadora. E escreveu um livro que o testemunha.
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Ana, 30 anos que parecem 20, apesar da maquilhagem carregada nos olhos, chega com um sorriso aberto a disfarçar o nervosismo. É a primeira entrevista que dá depois de ter escrito o livro Dominadora, editado pela Lua de Papel, com a assinatura Ana C. Cruela, nome que usa no meio BDSM (Bondage e Disciplina, Dominação e Submissão, Sadismo e Masoquismo).

É uma miúda normal, baixa, gordinha, de olhar vivo e sorriso provocador. Se passássemos por ela nos corredores da Universidade de Coimbra, onde estuda Engenharia Civil, ou por ela fôssemos atendidos na peixaria do Carrefour ou do Continente, onde já trabalhou, não imaginaríamos que Ana é Cruela. Talvez nada haja a imaginar. Como ela explicará, o que se faz entre quatro paredes é o que se faz entre quatro paredes. Cá fora é diferente. Cá fora, Ana é uma filha dedicada (e mimada), uma amiga generosa, uma estudante cumpridora, uma trabalhadora responsável. Sim, é mandona, reconhece. Sempre foi. Mas nada de mais. De mais, só mesmo entre as tais quatro paredes, figura de estilo.

Descobriu ainda miúda o que lhe dava prazer. Filha única, pré-adolescente, sozinha no sótão de casa dos pais, as suas brincadeiras passavam por fazer do Ken escravo sexual da Barbie e isso excitava-a. Sexualmente. Como a excitou a visita, aos 12 anos, a uma exposição no Palácio da Inquisição, em Coimbra, em que eram exibidos os mais variados, e cruéis, instrumentos de tortura. Não foi difícil para Ana perceber o que queria, o que era. E aceitou-o como natural, porque em si era natural. Através da internet encontrou o mundo a que pertencia, percebeu-se, aprofundou conhecimentos, descobriu práticas que lhe assentavam como uma luva e outras que rejeita liminarmente. Todos temos limites.

Apesar de não dar a cara ao mundo, não esconde as suas preferências nem tem feitio para vidas duplas. Com 17 anos contou ao pai, engenheiro, com quem tem uma relação de grande cumplicidade, que o prazer lhe vinha de infligir dor e humilhação a homens que consensualmente se submetessem ao seu domínio. O pai respondeu-lhe que o tempo da escravatura, felizmente, já desaparecera há muito. Não entendia como prazer e dor podem ser causa e consequência, mas aceitou. À mãe, enfermeira, a coragem de contar demorou mais a encher-lhe o peito. Ana sabia que a sua sexualidade era classificada como parafilia, desvio, transtorno, perversão. E temia que a mãe não se libertasse do olhar clínico. Não libertou. Viu no comportamento da filha uma reação provocada por uma primeira experiência sexual traumática. Até que se rendeu à evidência. E aceitou. «Os meus pais não estimulam, mas respeitam as minhas opções. Sou muito transparente e a maior parte dos meus amigos e familiares próximos conhecem os meus gostos. Não faço por esconder, mas também não ando a espalhar aos sete ventos. A vida sexual é uma coisa íntima.»

Apesar disso, transformou-a num livro. Explícito, sem pudor, cru, honesto. É a sua vida, partes dela, afinal, que ali está. É o trauma da sua primeira vez, aos 17 anos, na qual não foi respeitado o pedido de parar. É o seu amor pelo Pedro, o único até hoje, que a fez despir a pele de dominadora e assumir o papel de submissa, que não lhe assentava. É a sua história com Henrique, um submisso por quem se apaixonou e com quem estaria disposta a partilhar a vida se ele lhe tivesse correspondido a paixão. São os três meses com Eduardo, o submisso perfeito, 24/7, como se diz na gíria BDSM, disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, e todas as sevícias a que o sujeitou e que ele aceitava sempre com um «sim, minha senhora», «obrigado, minha senhora» - sevícias a que nos escusamos, vêm no livro, para quem queira ler - e que só não durou para sempre porque em nenhum deles se acendeu a chama. São as festas, os encontros, o processo de seleção, os acessórios, as roupas, as práticas. É a distinção entre relação sexual e relação de dominação-submissão, que apesar de dar prazer sexual, pode não incluir sexo. É o mundo BDSM tal como não o conhecemos, nós os «baunilha» (designação usada no meio para quem pratica sexo convencional, o que quer que isso signifique), mas do qual, segundo Ana, a avaliar pelo Fet Life (uma espécie de «Facebook de vidas alternativas»), fazem parte centenas de pessoas «de classe média alta, formadas, com cultura e acesso à informação». «Não se pode ser pobre neste meio. Os acessórios, as festas, que são sempre em Lisboa ou no Porto, e as roupas implicam um poder de compra acima da média», esclarece.

Ana é estudante, vive sozinha em Coimbra, numa casa comprada pelos pais e da mesada que eles lhe dão e que ela gere com parcimónia, para poder gastar no que lhe dá prazer. Tem um quarto cheio de apetrechos, alguns dos quais traz hoje, em três sacos de viagem pesados, juntamente com um rapaz que apresenta como amigo. Acessórios para a fotografia. Talvez ainda não seja este o futuro pai dos seus filhos, mas Ana quer ter filhos. Quer tudo a que tem direito. E está confiante que o conseguirá. «Quando queremos muito uma coisa, fazemos tudo para a tornar possível. Eu gostava muito de ter filhos e pretendo que o pai deles seja o meu submisso, o meu companheiro, porque, por muito apaixonada que estivesse, não conseguiria ter uma relação de casal com alguém que não tivesse a mesma onda que eu. Conheço muita gente casada que procura fora este tipo de relação BDSM, mas eu - pode parecer antiquado - dou muito valor à fidelidade, por isso tem de ser alguém que me acompanhe neste mundo, para não haver segredos.»

[15-09-2013]

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