Nas sociedades tradicionais, uma das razões da valorização dos velhos estava em que eles eram os depositários da experiência acumulada. Nas nossas sociedades científico-técnicas, a experiência tem também um lugar determinante. Trata-se, porém, de duas perspectivas diversas, expressas, aliás, por dois termos diferentes, explícitos concretamente no inglês e no alemão, para traduzir a palavra portuguesa experiência: experiment e experience (inglês), Experiment e Erfahrung (alemão)..Os dois primeiros termos (experiment e Experiment) designam a experiência (experimentação) no sentido das ciências experimentais, empírico-matemáticas, predominante nas sociedades científico-técnicas..Há, porém, um sentido diferente de experiência, expresso pelos termos experience e Erfahrung, e é aquele que se refere ao mundo dos valores e das significações propriamente humanas. Sem pôr de parte o sentido da experimentação científica, é este sentido que presentemente é necessário recuperar, para reencontrarmos uma dimensão essencial da existência. De facto, fascinados pelo domínio da experimentação objectivante, corremos o risco de esquecer o humano e até de destruí-lo. Se se pretender captar o Homem exclusivamente segundo o paradigma das ciências positivas físico-naturais, o que resta é a sua redução a coisa, a simples objecto, pura peça de uma máquina gigantesca e anónima. Que lugar teriam então ainda a originalidade subjectiva e essas questões sempre vivas que tornam a nossa vida realmente humana e que têm a ver com o amor, a morte, a graça, o mistério, a alegria, o trágico, a transcendência, o sentido último?.Mesmo uma viagem semântica curta pela palavra experiência mostra-nos a impossibilidade da sua redução ao sentido positivo-científico..Erfahren (experienciar), em alemão, dá-nos o sentido de movimento para a frente, de passagem, de viagem de um lugar para outro, em conexão com o que uma viagem pode significar de risco e perigo. Em alemão, perigo diz- -se precisamente Gefahr, em ligação com erfahren. Aliás estas nuances são também observáveis na palavra portuguesa experiência (expérience, em francês), derivada do latim. Ela é composta pela preposição ex e o verbo periri, que significa tentar, experimentar e que dá peritus (perito) e expertus (experto), hábil em, e a que está ligado periculum, cujo sentido mais antigo de tentativa se transformou no de perigo..Experimentum (tentativa), em latim, é sinónimo de periculum (perigo). De facto, não há aptidão ou habilidade, perícia (peritia), sem capacidade de correr riscos. É assim que peritus (perito) é a pessoa provada no perigo, experimentada, especialista num ramo do saber (expertus)..Estes termos ligam-se ao grego peira (do verbo peiráo), que significa prova e experiência; daí, provém empeiria (donde, o nosso empírico). Mas tanto o latim como o grego têm uma raiz comum indo-europeia per, que se encontra em experientia, peritus, periculum (experiência, perito, perigo)..Este per indica tensão em direcção a um fim, ideia que reencontramos no grego péra, com o sentido de mais além, do outro lado. É daí que vem portus (porto e porta), com o sentido de saída, passagem e ponto de entrada. Por sua vez, portus está em conexão com opportunus (oportuno), que é o caminho que leva ao porto..Em sânscrito, o equivalente de péra é param cujo sentido é além, mais longe; por sua vez, para indica outro, alteridade. O sânscrito indica ainda a ideia de movimento, ultrapassagem, superação e o termo do movimento, o ponto de chegada. Para, no sentido religioso, pode significar a beatitude pura e simplesmente e o Ser Supremo..Aí está como a experiência no sentido global existencial implica a ideia de movimento em direcção a um além e de abertura ao outro, com o que isso implica de riscos. Neste sentido, a existência humana confunde-se com a experiência, na medida em que nada há para lá dela. .Neste contexto, a existência humana é pura e simplesmente a experiência, que não se confunde com o experimental positivo ou o lógico-empírico. A experiência, em vez de excluí--la, implica a transcendência. Existir autenticamente é essa viagem constante, pessoal e comunitária, correndo riscos, ao encontro de um Além, do Outro, tornando-se, portanto, claro que, embora não abandone a razão, a religião está do lado do experiencial e não do experimental. .É preciso aproximar-se da realidade mediante a explicação científica e também percorrendo os caminhos do pensamento mito-religioso-simbólico.