DOIS DEBATES ELUCIDATIVOS
A discussão sobre a venda generalizada de medicamentos por unidose, produzida esta semana em se-de da Assembleia da República, pode ser apontada como um paradigma da actividade política portuguesa.
Para começar: todos os partidos representados no Parlamento estão de acordo com a prescrição dos medicamentos em unidose nas farmácias (e que já é praticada nas farmácias de uso hospitalar). É consensual, da Direita à Esquerda, que assim se pouparia mais de um centena de milhões de euros por ano ao País e, sobretudo, se respeitaria as finanças do cidadão em tratamento.
Melhor ainda: a lei até já existe e foi feita na sequência de uma promessa eleitoral de José Sócrates! Está pronta há dois anos e aguarda a conclusão de "estudos técnicos" que atestem a qualidade e segurança dos medicamentos como resultado da sua aplicação.
Num mesmo caso, e em resumo, observamos de tudo: a hipocrisia na luta partidária, a morosidade do Estado, a debilidade do Governo face aos lobbies.
O CDS/PP, que reabriu a discussão, bem poderia ter resolvido o assunto quando esteve no poder em coligação com o PSD...; os deputados, mesmo quando estão quase todos de acordo, têm de inventar divergências (o PS chumbou o diploma do CDS/PP apenas porque a lei está feita e só falta aplicá-la...); o Governo enquanto pode entreter-se a encomendar e a pagar estudos não cuida de fazer andar nem sequer as suas próprias promessas que quase cumpriu....; e os lobbies dos medicamentos, como os do tabaco, com toda a certeza não brincam em serviço.
Dois anos para estudar uma Lei é muito? Quase nada!... Se andámos 20 a estudar o aeroporto e não chegou...
Quando José Sá Fernandes apareceu na política arrastava atrás de si a fama de cidadão militante. Era o advogado atento que, em nome do interesse comum, questionava poderes instalados, sobretudo na Câmara Municipal de Lisboa. Travou, por esse tempo, algumas batalhas corajosas e em função desse apreço até se fechou os olhos ao seu desgraçado papel na questão do embargo às obras do túnel do Marquês de Pombal, em Lisboa, que hoje é obviamente apreciado por todos os que têm de enfrentar o trânsito naquela zona da capital.
Integrado no Bloco de Esquerda, Sá Fernandes parece ter sucumbido à tentação da demagogia, como provou no recente debate sobre o tabaco no Prós e Contras, durante o qual recusou obstinadamente ouvir as explicações inteligentes e se entrincheirou no populismo que por estes dias vai condenando a ASAE e a Direcção-Geral de Saúde e suportando todos os descontentamentos ligados a uma pequena economia que não consegue elevar a qualidade do serviço para padrões europeus. E, assim, é vê-lo marchar em nome dos espaços sem condições, dos chouriços de qualidade duvidosa, dos queijos mal amanhados, etc., etc. Por este andar, ainda o teremos a defender as sopas de cavalo cansado, a roupa-velha e outros petiscos do Portugal salazarento, pobre, sobrevivente. É uma opção.
Mas será que ainda não se percebeu que a ASAE (com a nódoa do comportamento de António Nunes naquela noite no Casino Estoril) tem estado a cumprir a sua função, até a de alertar o Governo para o apoio que é urgente, e obrigatório, dar à modernização de um tecido económico mais ou menos familiar que não corresponde às normas exigidas no espaço da União Europeia?
Temos de reconhecer, e por maioria de razões devem fazê-lo os políticos, que não é mais possível andar a reclamar fundos europeus para querer viver à moda de África.
Armando Vara não pediu licença sem vencimento na CGD quando saiu para o Conselho de Administração do BCP. No entanto, um jornal deu a "notícia" e tanto bastou. Mais um pretexto para artigos vários, que inevitavelmente sempre desaguam na amizade com Sócrates e relembram o "escândalo" da Fundação da Prevenção Rodoviária que o fez abandonar o Governo de Guterres. Curiosamente, não há quem se lembre já que Vara, que sempre clamou a sua inocência, foi ilibado nesse processo - e desde aí desertou da política que o manchou. A sua competência profissional, de gestor na banca, não é colocada em causa - antes pelo contrário, é bastante elogiada no sector -, mas a perseguição mantém-se. Não é serio.|