Dois anos após a tragédia, Chapecoense vive dias difíceis
A tragédia bateu à porta da Chapecoense há precisamente dois anos. O voo charter 2933 da companhia boliviana LaMia despenhava-se em Cerro El Gordo, uma serra já perto do aeroporto Rionegro, em Medellin. Eram quase 22.00 horas na Colômbia (mais cinco horas em Portugal Continental).
71 das 77 pessoas que seguiam a bordo morreram e com elas o sonho da equipa de futebol da Chapecoense, que iria ter o momento mais alto dos seus mais de 40 anos de história com a disputa da primeira mão da final da Copa Sudamericana, o equivalente à Liga Europa, frente aos colombianos do Atlético Nacional.
Uma dor imensa invadiu Chapecó, pequena cidade do estado de Santa Catarina, com mais de 166 mil habitantes, que andava nas bocas do mundo graças a uma equipa de futebol que na caminhada para a história tinha afastado emblemas bem mais conceituados na América do Sul.
Entre os seis sobreviventes da queda do avião estavam três futebolistas que, dois anos depois, continuam ligados à Chapecoense, sendo parte integrante de uma nova realidade que aflige o clube, que no domingo tem um jogo do tudo ou nada com o São Paulo para evitar a descida à Série B do Brasileirão. É a primeira vez que o clube catarinense chega à última jornada em risco de despromoção, reflexo da pontuação mais baixa de sempre no escalão principal do futebol brasileiro.
Neto, de 33 anos, ainda recupera da quarta cirurgia ao joelho direito e mantém vivo o sonho de voltar a jogar futebol pela Chapecoense em 2019, enquanto acompanha o filho Elan nos escalões de formação do clube. Do plantel principal também faz parte Alan Ruschel (29 anos) que é agora um habitual suplente da equipa (fez 18 jogos em 2018) e está a poucos dias de ser pai pela primeira vez. Jakson Follmann (26 anos) viu parte da perna direita amputada e é agora embaixador e relações públicas do clube catarinense, tendo ainda aberto uma clínica para amputados em Chapecó.
"São hoje três símbolos do clube e são a imagem da superação e da luta que caracteriza a Chapecoense", refere ao DN o ex-guarda-redes Artur Moraes, que participou na reconstrução da equipa logo após o trágico acidente. "O Neto é provavelmente aquele que mais sente a tragédia em termos psicológicos, mas todos eles têm uma vida normal dentro do que é possível", acrescenta o antigo futebolista, que em Portugal representou Sp. Braga, Benfica e Desp. Aves.
Os outros sobreviventes da tragédia são o jornalista Rafael Henzel, que continua a trabalhar na rádio Oeste Capital FM e escreveu o livro "Viva como se estivesse de partida", onde conta o acidente; a comissária de bordo boliviana Ximena Suárez também lançou um livro ("Voltar aos céus") e trabalha num aeroporto na Bolívia, mas não voltou a viajar de avião; e o técnico de voo Erwin Tumiri, também boliviano, é agora piloto de aviões particulares.
Esta é uma semana de intensas recordações para as famílias dos que morreram no acidente e para os sobreviventes, mas também para todos os habitantes de Chapecó. E, perto desse pesadelo, o momento atual da equipa só tem de ser desvalorizado, apesar de estar a precisar de vencer o último jogo para escapar à descida de divisão.
"Não acho que seja um momento difícil aquele que a equipa passa porque, afinal, esta é a realidade com que a Chapecoense se tem debatido permanentemente, pois apesar de ser um clube modelo no Brasil em termos de gestão, não tem os meios financeiros que os outros têm, e como tal a luta da equipa é sempre pela manutenção, umas vezes tem épocas mais tranquilas e noutras, como esta, passa por mais dificuldades", assume Artur Moraes, acreditando que no domingo a Chapecoense vai conseguir a permanência no escalão principal.
"Jogam em casa, na Arena Condá, com o São Paulo e com a vitória garante a manutenção. Acredito que vão conseguir porque é um clube que conseguiu se reconstruir com base numa ideia de superação e raça, que são as suas principais características", sublinhou.
As recordações da tragédia estão, segundo Artur Moraes, "bem presentes" no clube e em Chapecó e fez com que "a cidade se tivesse unido em torno do clube". As famílias das vítimas continuam bem presentes na vida da Chapecoense, que criou uma associação, com o nome de ABRAVIC, de apoio às vítimas do acidente aéreo que marcou uma comunidade.
Alejandro Martinuccio, na altura jogador da Chapecoense, que hoje joga no Móstoles, da III Divisão espanhola, esteve para estar naquele dia no avião. Mas como se encontrava a recuperar de uma lesão, não viajou com a equipa. Atualmente, e passado dois anos, diz que não há dia em que não pense no que aconteceu aos seus companheiros.
"Era um dia normal, mas acordei com o telemóvel cheio de chamadas. A primeira coisa que pensei foi que tinha acontecido alguma coisa ao meu pai. O meu irmão telefonou-me a perguntar se eu estava bem, disse-me que tinha caído o avião. De início não percebi a que avião se referia, mas depois liguei a televisão e vi que o avião tinha caído na Colômbia. Naquele momento começou um filme de terror", contou ao jornal Marca.
"Passei a pensar de forma diferente, mais madura, a não tomar decisões apressadamente. Faço as coisas de forma mais tranquila, falo com a minha mulher, com a minha família. Os meus companheiros merecem ser recordados eternamente", acrescentou.
A tragédia deu origem ao documentário "Nossa Chape", um dos 165 pré-nomeados para os Óscares 2019, que é dirigido pelos irmãos norte-americanos Jeff e Michael Zimbalist, responsáveis também pelo filme "Pelé - O Nascimento de Uma Lenda", e que contam a história de superação após a queda do avião da LaMia.
Nos dias 15 de dezembro e 22 de janeiro, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles irá anunciar os finalistas para este prémio de melhor documentário, cujo vencedor será conhecido na cerimónia dos Óscares, marcada para o dia 24 de fevereiro.