Doentes testam cada vez mais a primeira opinião dos médicos

Doentes querem saber se o diagnóstico é o certo ou se houve erros nos tratamentos. Paciente deve ser observado, defende a Ordem
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Os pedidos para uma segunda opinião médica estão a aumentar em Portugal e, na maioria, têm que ver com cancros, cirurgia geral, ortopedia ou oftalmologia. São pareceres emitidos por empresas privadas com base em relatórios clínicos e exames já feitos e que podem ser efetuados por médicos nacionais ou estrangeiros.

No Serviço Nacional de Saúde não é hábito os doentes pedirem segunda opinião, o que aumentaria a carga de trabalho dos médicos e obrigaria a um maior investimento na área. Como sublinhou o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, "se existissem muitos pedidos, o serviço público não teria capacidade de responder e travaria todo o sistema".

Há cada vez mais referências à necessidade de segundas opiniões e o relatório da rede de referenciação em oncologia defende-o. "O circuito deve ser transparente e devem ser fornecidos pelo primeiro clínico os elementos necessários para a emissão da segunda opinião", diz o documento, acrescentando: "O pedido de segunda opinião não é motivo para quebra da relação terapêutica com o primeiro clínico nem o vincula à mesma."

A primeira opção dos doentes costuma ser consultar um médico privado. Existem também empresas a prestar este serviço. Uma delas é a Best Medical Opinion, criada em 2010. Desde então recebeu 650 pedidos. "De 2013 para 2014 a empresa registou um crescimento de 30%. Para o próximo ano é possível que seja mais", referiu ao DN o diretor Pedro Meira e Cruz. O serviço nasceu com as segundas opiniões de casos clínicos - que hoje são 35% dos pareceres - e em 2012 a empresa começou a fazer também peritagens e opiniões médico-legais. "De 2013 para 2014 registámos mais 54% de pedidos desencadeados por advogados. Em termos globais, 60% dos pedidos são atividades periciais como dano corporal, psiquiatria forense, situações de alegada negligência médica", diz. "A maior parte é para tentativa de resolução extrajudicial do conflito e muitos conseguem-no", adianta sem concretizar o número de pedidos recebido.

Nas peritagens há observação direta e o perito "tem formação específica dada pelo Instituto de Medicina Legal". O valor a pagar pelo cliente ronda os 500 a 600 euros. A opinião médica de casos clínicos começa em 100 euros e é feita com base na história clínica, relatório médico e exames já realizados que o doente envia e que são analisados por médicos. "Perguntam se o ato foi o adequado ou se seria outro, se o diagnóstico foi tardio ou não." Muitos pedidos "estão relacionados com ginecologia/obstetrícia, cirurgia geral, ortopedia e oftalmologia", diz Pedro Meira e Cruz, que acredita que o aumento da procura se deve "à desconfiança em relação a hospitais e a seguradoras, mas também porque as pessoas estão mais conscientes dos seus direitos".

Opinião veio de Washington

Casimira Amorim foi operada à coluna em março. "Pedi uma segunda opinião à Best Doctors para confirmar o diagnóstico que tinha de dois médicos portugueses e qual a melhor opção cirúrgica", conta. Tinha uma vértebra deslocada que provocava dores, dormência nas pernas e dificuldades em andar. A ficha clínica e os exames foram enviados com a pergunta. A resposta veio de cirurgiões da Universidade de Washington. "Foi importante para decidir sem hesitar", dizendo que confirmaram a opção dada por um dos médicos portugueses, que a operou.

João Pedro Madureira, representante da Best Doctors, diz que o "crescimento tem sido exponencial, na casa dos dois dígitos", mas não concretiza valores. "A oncologia, neurocirurgia e ortopedia são as três grandes áreas de procura de uma segunda opinião médica." A empresa americana, criada há 25 anos, chegou a Portugal há oito. "A pessoa pede aconselhamento sem custos adicionais - disponível via seguros de saúde - e tem acesso a um médico em qualquer parte do mundo", garante. Pedem a história clínica, relatórios e exames dos médicos assistentes ao paciente e hospitais, que são avaliados por médicos que integram a rede internacional. "É feito o diagnóstico e dadas opções de tratamento em função da experiência e inovação tecnológica. No caso de ser por um medicamento que não está disponível no país, dá-se uma alternativa de igual relevância que esteja. A nossa posição é de apoio e não de substituição", afirma, não excluindo "a hipótese de uma parceria com o Serviço Nacional de Saúde, que poderá ser hospital a hospital".

Um direito dos utentes

A carta dos direitos e deveres dos utentes do SNS afirma que a segunda opinião é um direito. Mas no serviço público ainda não é um hábito. "A segunda opinião não está institucionalizada no SNS, mas há situações em que faz sentido que se procure o privado. Se existissem muitos pedidos, o serviço público não teria capacidade de responder e travaria todo o sistema", diz José Manuel Silva.

Os casos a que se refere são pedidos para reconfirmar a decisão. Diferentes são aqueles em que há divergências de tratamento e aos quais o SNS deve responder. "Recebemos a queixa de uma doente que recebeu duas indicações diferentes de tratamento para o mesmo problema de especialidades diferentes. Fez o pedido de segunda opinião e o hospital disse que já tinha dado opinião. Aconselhamos a fazer o pedido por escrito. Não tive mais indicações. O SNS não tem capacidade para responder a tudo, mas tem de haver uma triagem", diz, criticando a modo como as segundas opiniões das empresas funcionam. "Não é aceitável que não exista observação do doente. Não quer dizer que seja uma opinião errada, mas será sempre mais limitada".

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