Dobragens

Só no primeiro mês de exibição (a estreia foi a 13 de Setembro), a série Jonas, do Disney Channel, foi vista por duzentos mil espectadores (64 mil entre os 4 e os 14 anos). No mesmo período, Hannah Montana, outra popular série do mesmo canal – que também passa na TVI –, foi acompanhada por um milhão de espectadores, dos quais trezentos mil eram crianças entre os 4 e os 14 anos. Verdadeiros ícones da nova geração, a «febre» que assola o mundo invadiu de vez Portugal. Mas se na vida real os Jonas Brothers (Joe, Nick e Kevin) e Miley Cyrus/Hannah Montana não conseguem passar despercebidos, por cá os actores que dão voz às personagens que seduzem milhões de adolescentes são totalmente desconhecidos.

O sucesso de Hannah
Para compreendermos o significado de Hannah Montana (actualmente na terceira temporada. O episódio de estreia nos Estados Unidos foi para o ar em Março de 2006; Setembro de 2006 em Portugal) para os mais novos basta ter filhos ou verificar os impressionantes números da série nos lares norte-americanos, onde chega a ter uma audiência média de cinco milhões de espectadores (na segunda temporada um episódio chegou a alcançar 10,7 milhões de espectadores). A imagem de Miley Cyrus vale hoje números inimagináveis e nem o cinema ficou indiferente ao rosto de Hannah Montana, com o seu primeiro filme a destacar-se como um dos principais lançamentos do último Verão, principal estação em termos de estreias cinematográficas nos Estados Unidos. Em apenas três anos a série cresceu de forma surpreendente e hoje é um êxito estrondoso, com o merchandising e os CD a amplificarem ainda mais a popularidade de Cyrus, que já tem garantida pelo menos mais uma temporada da série. A história-base de Hannah Montana é a vida dupla de uma adolescente, estudante e estrela pop ao mesmo tempo, cuja identidade musical é conhecida por poucos. O dilema entre o anonimato e o sucesso serve de mote para o argumento.
«Confesso que não conhecia a personagem Hannah Montana quando fui fazer o casting, mas depois explicaram-me a história e fiquei curiosa, sobretudo com o facto de ela ter o mesmo nome da vida real e de contracenar com o próprio pai na série. Quando cheguei a casa fui à internet e assustei-me um pouco quando percebi o sucesso que tinha. Ficamos sempre receosos quando o êxito é muito grande, temos medo de estar sempre a ser comparados ao original» – palavras de Maria Camões, 22 anos, actriz e responsável pela voz de Hannah Montana no nosso país. Mas isso foi no início, já que hoje a Miley Cyrus «nacional» está completamente à vontade com a sua personagem, mesmo dobrando uma série em imagem real, algo mais complicado do que dobrar animação: «Às vezes ficava mesmo chateada porque uma palavra não encaixava na boca ou porque não lhe apanhava a interpretação, mas com o passar do tempo vamos compreendendo a personagem, percebendo-a, quase como se lhe entrássemos na cabeça. Quando me habituei a ela, tudo se tornou mais fácil.»

Jonas Brothers, referência pop
Os Jonas Brothers (Joe Jonas, Nick Jonas e Kevin Jonas) também são cada vez mais uma referência para os adolescentes. Depois de uma participação num episódio de Hannah Montana (o que alcançou os 10,7 milhões de espectadores), de um dos irmãos, Joe, protagonizar no filme Camp Rock (em que os outros dois também participaram) e de um concerto que foi para o cinema em 3D, os três músicos ganharam uma série própria, que teve a sua estreia nos Estados Unidos no dia 2 de Maio de 2009 (passa actualmente em 24 países). Como curiosidade, refira-se que na série os Jonas Brothers contracenam com o irmão mais novo, Frankie Jonas. Ao contrário do que acontece em Hannah Montana, em Jonas os protagonistas não se escondem no anonimato, pelo contrário, assumem os seus papéis de estrelas pop.
Se Maria Camões já tem prática no mundo das dobragens, Rui Porto Nunes, também com 22 anos, fez a sua estreia no meio precisamente nesta série (é a voz de Joe e, como actor, já teve participações na telenovela da TVI Olhos nos Olhos e na ópera D. Giovanni, por exemplo). O jovem foi escolhido após um casting em Lisboa, ainda que a decisão final seja feita no exterior, já que a Disney é muito rigorosa em termos de dobragens, procurando ao máximo a semelhança de voz entre os intérpretes originais e quem os dobra. A empresa refere ainda que a decisão de dobrar todas as séries, mesmo as juvenis, é uma tentativa de criar uma maior aproximação ao público, fidelizando, ao mesmo tempo, o maior número possível de espectadores, inclusivamente aqueles que ainda não sabem ler. Rui Porto Nunes, que também não conhecia Jonas, embora tivesse visto Jonas Brothers: The 3D Concert Experience devido aos «efeitos especiais e visuais», considera a série «um projecto bem concebido, com mensagens interessantes para as crianças e adolescentes, além de possuir algumas mensagens subtis para os adultos».
Se os Jonas Brothers contracenam entre eles, os «nossos» Jonas Brothers não se conheciam antes da reportagem da nm, já que cada um grava as vozes em separado. Ou seja, viram pela primeira vez os rostos portugueses dos irmãos mais famosos do mundo pop. Pedro Cardoso, o Kevin da série, refere que isso é normal nas dobragens, um meio onde está há sete anos, embora pela primeira vez a trabalhar com a Disney. «O reconhecimento exterior nesta área é um bocado ingrato pois damos a voz e não a imagem», admite, salientando no entanto que já conhecia os Jonas Brothers devido às suas primas, «verdadeiras admiradoras dos três». Cardoso, 34 anos, reconhece também que dobrar uma série de imagem real é mais complicado do que desenhos animados, «já que requer outro tipo de preparação e é bem mais difícil. E a responsabilidade aumenta ao fazer uma personagem de uma série de muito sucesso».

O Jonas irmão da Hannah
Romeu Vala (Nick Jonas), 21 anos, refere que, «para um actor, a defesa de uma personagem é parte importante da sua vida. É necessário tornar a voz portuguesa da personagem tão credível quanto a original». O Nick na série Jonas tem todavia uma curiosidade em relação aos seus «irmãos» portugueses, já que Vala também é Jackson, o irmão de… Miley Cyrus/Hannah Montana, um papel difícil porque o obriga «a fazer uma escala vocal bastante mais vasta» se comparado a um desenho animado, por exemplo. «Torna-se mais complicado, mas também mais interessante», admite.
Na série, a relação entre Miley e Jackson é a mesma de milhões de irmãos, preenchida por pequenos conflitos mas ao mesmo tempo de muito carinho. É por isso que Maria Camões considera Hannah Montana «uma série supercómica, com personagens muito bem estruturadas, como Jackson ou Rico, que têm actuações brilhantes. É uma boa série juvenil, que toca em assuntos importantes. Sobretudo, valoriza muito a questão familiar». Apesar de ser a voz da estrela Hannah Montana, Maria Camões fica feliz por não ter o mesmo êxito que a sua personagem, já que é um pouco «envergonhada». A actriz tem consciência, no entanto, de que quando se souber que ela é a voz da norte-americana vão começar a fazer perguntas sobre como é ser a Hannah Montana: «Mas eu não sou ela, só lhe dou a voz no meu país. O mérito de Hannah Montana e tudo o que a rodeia deve-se ao talento incrível de Miley Cyrus.»
Pedro Cardoso também considera que Jonas é «bem feita para o público a que se destina» e por isso compreende perfeitamente porque é que a série está a alcançar grandes audiências um pouco por todo o mundo: África do Sul, Austrália, Brasil, México, Itália e Japão, para dar alguns exemplos. Ao contrário dos seus pares, é o único que não sente vontade de dobrar outras personagens em particular. Romeu Vala gostaria de dobrar «não uma, mas todas» as personagens; Rui Pedro Nunes tem a voz do Pateta como uma meta; e Maria Camões sonha em dar voz a um super-herói, já que a Disney comprou recentemente a Marvel.
Se não há acordo na personagem que gostariam de dobrar, os quatro portugueses confessam que gostariam de conhecer pessoalmente Miley Cyrus, Joe, Nick e Kevin Jonas «para partilharmos as curiosidades do nosso trabalho», refere Romeu Vala, «para conhecermos as pessoas a quem emprestamos a nossa voz e a nossa alma», acrescenta Rui Porto Nunes. Mas esse é um desejo que dificilmente deverá concretizar-se. Cada um para o seu lado, lá vão as vozes de Hannah Montana e dos Jonas Brothers, irreconhecíveis no meio da multidão, ao contrário daqueles a quem cedem as suas vozes, reconhecidos mundialmente…