Do tribunal para o concerto
Tem perfil de mito, de estrela cadente, de anjo errante. Pete Doherty podia ser o rapazinho tímido da porta ao lado, aquele que não parte um prato, que os vizinhos apresentam aos filhos como exemplo. Mas não. É o diabo à solta, o sentido proibido, a enfermidade. É, ponto e vírgula: é para quem é. A verdade, claro, andará algures aí pelo meio, mas as aparências, e são tão impressivas as suas que parecem não iludir, apontam mais um conflito entre naturezas extremas do que uma personalidade harmónica.
E é por isso que o vocalista dos Babyshambles desperta amores e ódios. É por isso, também, que a noite de hoje, em Paredes de Coura , tem o seu nome por cima de todos os outros.
Nascido em Hexham, Inglaterra, há 28 anos, filho do meio de um oficial do exército britânico e de uma enfermeira de ascendência russa, Doherty teve uma infância de poiso incerto, mas sempre se mostrou à altura das suas responsabilidades escolares, fazendo corresponder notas altas à inteligência que se lhe reconhecia.
Cedo demonstrou interesse pela literatura, sobretudo romântica, e aos 16 anos já tinha vencido um concurso de poesia. Estava bom de adivinhar o que iria estudar quando, finalmente, se mudasse para Londres, no início da sua vida "independente" (não será preciso explicar estas aspas...). Menos evidente era que, antes de ingressar na universidade, tivesse sido coveiro e, menos ainda, que passasse muito tempo a ler em cima das sepulturas, inspirado pela serenidade da morte.
Do curso de literatura cansou-se depressa: ano e meio. O twist anunciava-se e, pouco depois, Doherty estava a morar na velha Albion com o músico Carl Barât, um conhecimento recente e um parceiro artístico em perspectiva. Não tardou a que formassem uma banda, os Libertines, de cujo elenco, várias vezes retocado, chegou a fazer parte uma prostituta. Definidas as pessoas certas para os lugares certos, o primeiro single, What a Waste, saiu em 2001, rapidamente sucedido pelo álbum de estreia, Up the Bracket, que fez tocar campainhas dos pés à cabeça da crítica inglesa, sempre ávida de uma next big thing.
A par do êxito, e esta história nada tem de novo, veio (ou aprofundou-se) o mergulho nas drogas. Doherty era, de certo modo, o grupo, mas o comportamento irresponsável a que o levava a dependência do crack e da heroína levou os outros elementos a pedir-lhe que abandonasse, para se cu- rar (isto depois de o vocalista ter falhado alguns concertos).
Foi e voltou. Parece, aliás, ser um padrão de vida - na droga, na música, no amor. Pelo meio, porém, assaltou o apartamento de Barât, o que lhe valeu um mês de prisão. Também aí havia de voltar mais vezes.
Sem melhoras pessoais, e com os Libertines a definhar, Doherty procurou novas vias para despejar a criatividade e sustentar o vício. Uma delas foi criar os Babyshambles, cujo primeiro single, Fuck Forever, saiu em 2005, meses depois do início do seu namoro com a top model Kate Moss, outro vaivém de rupturas e pazes feitas, para gáudio da imprensa, que ainda hoje especula sobre a veracidade do fim anunciado em Julho deste ano. Moss meteu-se nos droguedos, Doherty também se aproximou da mo- da - é, aliás, o rosto da campanha publicitária da colecção de Outono 2007/2008 de Roberto Cavalli.
Down in Albion, álbum de estreia dos Babyshambles, entretanto já seguido, em 2006, do EP Blinding, pre-encherá, por certo, o grosso do repertório do concerto desta noite, em Paredes de Coura , o único que Pete Doherty aceitou fazer fora de Inglaterra (um orgulho para a Ritmos, que vê o seu festival falado em toda a parte), numa altura em que continua com os tribunais à perna. Aliás, a sua vinda só se tornou possível porque, há poucos dias, um julgamento onde é arguido por posse de drogas foi adiado para Setembro.
Neste contexto, a expectativa cresce à medida que se aproxima o momento de Doherty pisar o Palco Heineken, pelas 23.00, mais coisa menos coisa. José Barreiro, um dos directores do certame do Alto Minho, diz não haver "motivo para receios", ao mesmo tempo que revela não terem sido feitas "exigências especiais". Talvez todo este fervor seja um exagero. Logo se verá.