André decidiu alargar a produção de enzimas para criar mais e melhor queijo, Joana e Isabel desenharam uma forma de combater os fungos, outros sonharam uma ferramenta para antecipar a deteção de cancro. Fazem ciência para responder especificamente às necessidades diárias da sociedade. São apenas alguns exemplos dos vários projetos que integram a pós-graduação Startup Research, que se apelida de inovadora em Portugal, com lugar no Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB), em Oeiras.."Juntou-se a fome à vontade de comer." É assim que Miguel Santos, desenhador deste curso e o seu atual coordenador, explica o nascimento do projeto. A ideia desabrochou há dois anos apenas, fruto da vontade do instituto de criar um complemento aos programas doutorais já existentes. Mais do que pensar a ciência, quiseram vê-la trasladada para o mundo real, o que por norma não acontece nos doutoramentos.."O principal objetivo é a envolvência de cientistas que tenham uma visão da sua ciência, ou cujos resultados tenham ditado algum potencial de translação", explica Miguel. E por cientistas entenda-se qualquer profissional que queira desenvolver a sua própria ciência: desde formandos da área da matemática a engenheiros eletrotécnicos. O que o curso pretende é ser o laboratório para tornarem os seus projetos reais e próximos do meio empresarial. "Os cientistas têm uma ideia, desenvolvem-na internamente e vendem-na através do marketing."."Durante três meses, correm várias áreas de formação, como desenvolvimento de produto, consciencialização ambiental, economia dos oceanos, segurança, gestão, entre outras. Terminam o curso a preparem-se para um pitch que terão de fazer frente a um qualquer grupo que gere fundos de investimentos da ciência. "Nada lhes garante que estes projetos são escolhidos, mas no final temos projetos com muito mais elevada probabilidade de seguirem porque foram validados no mercado.".Na mesma universidade, casaram-se duas escolas, o ITQB e a Nova School of Business and Economics. Metade dos créditos dados por uma escola, a restante metade dada pela outra, dentro deste chapéu-de-chuva que é a Nova. Depois deste, já foram criados outros "cursos de aceleração", "não virados para a formação, mas apenas para o desenvolvimento de uma ideia", esclarece..Todas já deram provas de que funcionam, mesmo com algumas limitações. Desta primeira edição, que terminou no início de 2019, resultaram sete projetos..O da aluna que fazia maratonas todas as quintas-feiras, entre Madrid e Oeiras, para trabalhar sobre a área da medicina regenerativa. A partir dali, pensou uma tecnologia única que promove a regeneração do músculo cardíaco após um enfarto de miocárdio..Na área da ótica, também o projeto de duas alunas que desenvolveram novas moléculas que permitem definir as fronteiras de tumores sólidos, nomeadamente no cérebro. O objetivo é que, nas cirurgias, os cirurgiões consigam extrair esses tumores e causar o mínimo impacto possível nos tecidos saudáveis à volta..Outro formando criou uma nova tecnologia que desenvolve anticorpos específicos para terapias avançadas..Mas também há quem tenha trabalhado sobre a área de cultura urbana de vegetais. Um formando produziu uma tecnologia que permite que em espaços muito reduzidos, como varandas, seja possível fazer horticultura variada e compatível..Já uma outra investigadora dedicou-se ao estudo de uma das maiores assombrações na saúde: o cancro. Consciente da ligação entre a deteção prematura e o sucesso da terapia, desenvolveu um kit que consegue diagnosticar precocemente a propensão para o cancro do pulmão..Já André Folgado dedicou-se a isolar as enzimas responsáveis pela produção de queijo da serra e produzir novas modalidades de queijo. Ao lado de Isabel Martins e de Joana Pais, que ao conhecerem as moléculas que são responsáveis pela proteção das plantas contra a infeção por fungos, decidiram recorrer ao conhecimento sobre elas para desenvolver novos produtos de proteção contra infeções fúngicas. Os três cientistas explicam ao DN o que os motivou a projetar estas ideias e por que é importante pensarem fora do laboratório..Como mais e melhor queijo pode nascer de uma planta.André Folgado, 31 anos, é um dos finalistas da primeira edição da pós-graduação, já concluída. Aliou o "bichinho do empreendedorismo", que ali fervilhava há anos, à sede de ciência..Já lá vai algum tempo - embora não consiga precisar quanto - desde que começou a fomentar a ideia. Depois de algumas experiências formativas, no seu mestrado e doutoramento em biotecnologia, fez a pergunta: e se pudéssemos massificar e diversificar a produção de queijo através de enzimas da flor de cardo? "O cardo é hoje conhecido por ser maioritariamente utilizado para a produção de queijo da serra", embora ainda não seja em larga escala. E é mesmo por aqui que começa o projeto de André..O primeiro passo é tratá-las no estado líquido, para que se separem umas das outras e cresçam individualmente - o que não acontece quando são trabalhadas em estado sólido, como habitualmente é feito. "Faz-se em sete dias aqui o que demoraria um mês", conta. E tudo através de um sistema de agitação, para que as enzimas fiquem homogéneas..O passo seguinte é estudar a sustentabilidade do projeto, perceber se o processo pode ficar mais barato e apetecível para a indústria. Que a ideia é válida para o mercado, já André confirmou. Aliás, esta fase de validação é mesmo uma das componentes do curso. "Na nossa cabeça, tem aplicabilidade, mas é preciso ir ao terreno e perceber se interessa para responder às necessidades da sociedade. E esta é a parte mais difícil, mas também a mais importante do projeto", explica..No decorrer da pós-graduação, o formando entrou diretamente em contacto com produtores de queijo para perceber quais as maiores dificuldades na produção, para os que usam e os que não usam o cardo. Saiu da experiência com uma certeza: "Há um grande interesse no cardo, mesmo na indústria mais alta de produção de queijo de vaca - na qual o cardo não é utilizado, por razões técnicas.".Agregar o conhecimento de ambos os lados é abrir janelas de oportunidade para novos produtos, principalmente em setores mais conservadores. "O setor do queijo, ao contrário do setor do vinho ou mesmo do azeite, não assimilou aquilo que a academia investiga", até porque "não temos a melhor economia para absorver os doutorados", diz André..Mas, afinal, o empreendedorismo é um bicho-de-sete-cabeças para um cientista? "É, mas pelo medo de investir e de falhar. Por norma, custa aos cientistas dar o passo seguinte à investigação", começa por explicar.."Podemos ver o paralelismo com os Estados Unidos da América, em que o empreendedorismo é o estado natural. Aqui em Portugal, isso não acontece e é mesmo uma questão cultural." Se há casos que fogem à regra, diz, são apenas a exceção à generalidade. Mas André Folgado acredita que o futuro passa por aqui, "ligar cada vez mais quem está nos laboratórios a quem está no terreno"..Proteger contra o poder de um fungo."É um mundo diferente. É preciso pensar de uma maneira diferente, com objetivos diferentes também", mas o processo pode ser entusiasmante. Isabel Martins, 41, concorda com o colega André. É uma das finalistas da Startup Research, ao lado de Joana Pais, 38 anos, com quem partilhou o laboratório para desenvolver um projeto de criação de novos produtos para proteção antifúngica. Tudo também tendo por base o estudo de plantas..E porquê estudar fungos? A resposta está na ponta da língua das cientistas: "São responsáveis por imensas alergias e mesmo por desenvolvimento de asma em crianças." O tema é de tal relevância que "já há legislação para evitar a exposição a fungos"..De bata branca, vão mostrando um a um os fungos que serviram a investigação. "Aqui está um a crescer." Ao lado, um outro menos desenvolvido. Há amostras de todos os tamanhos e tipos, em estado líquido e sólido. O que a dupla de cientistas faz é estudar a interação das plantas com o fungo, "em que as moléculas químicas são as palavras", para compreender como podem evitar esta comunicação. "Durante a interação, o fungo entende um sinal para não germinar. O que esta molécula diz é "para de crescer". Pegando nesta ideia, viemos para este curso para perceber potenciais aplicações para problemas da sociedade em que isto fosse benéfico. Poderiam ser aditivos em detergentes, por exemplo", explicam..A investigação continua a decorrer. E, apesar de a ideia já ter sido reconhecida pelas suas potencialidades, "ainda há muito a provar", diz Isabel..A próxima edição da pós-graduação Startup Research terá início em meados de janeiro de 2020 e as inscrições abrem nas próximas semanas e encerram em dezembro. Nesta segunda edição, serão atribuídas 15 bolsas financiadas pela Câmara Municipal de Oeiras. Todos os bolseiros terão as suas inscrições de pós-graduação financiadas na totalidade.