Do fascínio pela violência à suspeita de plágio. A vida do estudante que queria fazer um atentado em Lisboa

João Carreira está internado no Hospital Prisional de Caxias desde 11 de fevereiro. Vai responder em tribunal por dois crimes de terrorismo e um de posse de arma proibida.
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Uma admiração por assassinatos em massa que terá começado pelos nove anos; fascínio pelos Anime e Mangá (banda desenhada e desenhos animados japoneses onde a violência está muito presente) e um ressentimento com a faculdade depois de ter sido envolvido numa suspeita de plágio num trabalho académico.

Estes são algumas das "motivações" apontadas pelo Ministério Público (MP) para suportar a acusação contra João Carreira, o jovem de 18 anos detido em fevereiro sob a suspeita de estar a preparar um ataque terrorista na Faculdade de Ciências de Lisboa e que esta terça-feira começa a ser julgado em Lisboa.

Internado no Hospital Prisional de Caxias desde o dia 11 desse mês, o estudante que foi denunciado por um email enviado ao FBI -- tendo depois esta agência de segurança norte-americana avisado a Polícia Judiciária, que o deteve a 10 de fevereiro -- é referido no documento a que o DN teve acesso como vivendo "num mundo alternativo". No entanto, e apesar de lhe terem sido diagnosticadas anomalias psíquicas de perturbação do espetro de autismo e episódios depressivos, é frisado na acusação que "não há razões médico-legais para ser considerado inimputável em razão da anomalia psíquica".

Esta é uma das certezas do MP que vão ser apresentadas hoje quando João Carreira começar a ouvir os argumentos do Ministério Público e, depois, apresentar a sua defesa à acusação que o indicia de dois crimes de terrorismo e um de detenção de arma proibida.

De acordo com a investigação da Polícia Judiciária, o jovem estudante há muitos anos que mantinha uma atração pela violência/assassínios. E são apontados dois momentos em que, segundo a acusação, esse fascínio é expresso. O primeiro é descrito da seguinte forma: "Desde pelo menos o ano de 2018, altura em que tinha 14/15 anos [...] após visualização de um vídeo sobre Randy Stair, indivíduo que matou 3 pessoas num supermercado na Pennsylvania, Estados Unidos, em junho de 2017."

A outra situação que, segundo a PJ, demonstra o gosto pela violência terá surgido quando o arguido tinha "apenas 9 anos e visualizou notícias sobre o atirador Adam Lanza de Newtown, Connecticut -- Estados Unidos, um jovem de 20 anos que concretizou um ataque na escola primária dessa cidade e que vitimou 20 crianças, a 14 de dezembro de 2012".

A obsessão pelos temas violentos seria mantida, segundo se lê na acusação do MP, com a presença assídua em fóruns online sobre esses temas. Discord, Reddit e Tumblr eram as redes sociais utilizadas pelo suspeito de querer praticar atos de terrorismo na Faculdade de Ciências a 11 de fevereiro. O MP assegura, ainda, que João Carreira via vídeos e documentários no YouTube e praticava jogos eletrónicos nas aplicações das redes Reddit, Tumblr, Facebook e Instagram.

Na Discord o estudante que está detido no Hospital Prisão de Caxias desde 11 de fevereiro assumia o nome Psychotic Nerd e manteria contactos frequentes com uma pessoa que usava o nome Platinium Mad e uma colega da universidade, Riya Upreti -- uma cidadã com nacionalidade nepalesa que também surge como testemunha no processo.

Nas redes sociais, João ia fazendo parte de grupos onde se partilhavam vídeos de assassínios em massa, como um denominado True Crime Community. Para a PJ, uma das publicações que mais terão exercido fascínio sobre o estudante foi uma onde se descrevia a ação de um "jovem de 18 anos que, em 2018, na Crimeia, entrou na Universidade e matou 21 pessoas com uma espingarda e bombas, suicidando-se em seguida".

Nas publicações que foi fazendo chegou a escrever que queria mostrar que em Portugal também podiam existir "fenómenos criminais" como os já referidos nos EUA.

Na acusação do MP é referido que entre janeiro e fevereiro deste ano João Carreira foi comprando as armas para levar a cabo o eventual ataque, uma ação que preparou minuciosamente ao ponto de ter analisado e definido as instalações na universidade que seriam o seu alvo -- o Bloco 3, que tem um anfiteatro onde a 11 de fevereiro deveriam estar a decorrer exames de final do semestre --, a forma como ia transportar as armas e como usaria cada uma delas.

Por exemplo, salienta a investigação, o estudante tinha-se apercebido que ninguém na faculdade acharia estranho que levasse uma mala de viagem para o campus.

Também terá pesquisado e visto publicações em que aprendeu como eram as "explosões de embalagens de aerossol (de gás butano inclusive) quando expostas ao fogo", e ficou também a saber como se faz um cocktail molotov.

Nas buscas que a PJ realizou a 10 de fevereiro -- véspera da data em que previa fazer o atentado denunciado ao FBI --, os investigadores encontraram também um mapa com o título Final Day onde tinha apontado os passos a cumprir tanto na véspera do dia do alegado atentado, como: "13:20 - começar o ataque" e "13:25 - Fim".

Entre janeiro e fevereiro deste ano, João Carreira foi comprando armas e delineando o plano para, alegadamente, praticar um ato de terrorismo na Faculdade de Ciências.

Na investigação a PJ chegou à conclusão que João Carreira tinha escolhido o Bloco 3 da Faculdade de Ciências de Lisboa para efetuar o alegado atentado por ser ali que existe um anfiteatro que naquele dia estaria com muitos alunos que estariam a realizar os exames de final de semestre. Além disso "as cadeiras eram fixas ao chão, prevendo que dessa forma as pessoas visadas no ataque não conseguiriam obstar à prossecução do seu plano e impedir a execução do mesmo, arremessando essas cadeiras contra o próprio", lê-se na acusação.

O estudante comprou uma Besta [arco de flechas adaptado que funciona com um gatilho], 25 virotões [flechas], facas de vários tamanhos, cinco isqueiros, dois maçaricos, duas latas de gás em spray, duas latas de gás butano e três garrafas de vidro onde colocou uma mistura inflamável.

Nas buscas efetuadas à casa onde João Carreira vivia, a PJ encontrou um plano detalhado da véspera e do dia do alegado atentado. Assim, para 11 de fevereiro, o estudo pretendia, por exemplo, acordar às 08:00, preparar uma última refeição às 11:00, ir para o autocarro 750 ou 731 às 12:00 e começar o ataque às 13:20. Nesse esquema a seguir às 13:25 estava escrito "Fim".

cferro@dn.pt

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