Primeiro surgiu uma gravação áudio. Um homem que parecia ser o primeiro-ministro búlgaro dizia não hesitar em deixar cair o seu ministro da Economia se conseguisse também "queimar" uma deputada da oposição. Além disso, atacava membros do próprio partido conservador e populista e fazia pouco de outros líderes europeus. Boyko Borissov, que já vai no terceiro mandato desde 2009, negou que o áudio fosse verdadeiro e falou numa montagem..Depois vieram as fotografias. Numa delas, o chefe de governo surgia deitado na cama, a dormir em tronco nu. Noutras imagens do mesmo quarto via-se, em cima da mesinha de cabeceira, uma arma. Dentro da gaveta, maços de notas de 500 euros - fotos diferentes com diferentes quantidades de dinheiro - e até pequenos lingotes de ouro..Dessa vez, Borissov admitiu que a foto dele a dormir na residência oficial do primeiro-ministro podia ser verdadeira, mas sugeriu que as imagens do dinheiro - que vão ao encontro das acusações de corrupção que abalam o governo naquele que é considerado o país mais corrupto da União Europeia - tinham sido fabricadas. Em relação à arma, disse que tinha uma e que a partir de então iria passar a dormir com ela.."Os livros da escola do KGB dizem que quando crias kompromat [nome que os soviéticos davam ao material comprometedor que recolhiam contra as pessoas] tem de ser de tal forma a inspirar nojo", disse o primeiro-ministro em resposta às imagens. "Só faltava um rapaz deitado ao meu lado", acrescentou, sugerindo que só faltou aos seus adversários políticos acusá-lo de pedofilia..E Borissov não hesitou em nomeá-los. Desde logo, o presidente Rumen Radev, com quem está envolvido numa guerra institucional desde 2017 (o chefe de Estado que tem o apoio da oposição socialista bloqueia todas as ações legislativas e o Parlamento ultrapassa o veto), mas também o seu antigo número dois, Tzvetan Tzvetanov (que se afastou dizendo que o partido se tinha tornado num centro de "medo, intriga e mediocridade"), entre outros..O áudio e as fotos foram divulgados na primeira metade deste ano, mas foi já na segunda metade que os búlgaros vieram para a rua em protesto. A primeira manifestação foi a 9 de julho e desde então não houve um dia sem gritos de "demissão" na capital, Sófia, ou em várias outras cidades do país. Para assinalar os cem dias de protestos contra a corrupção, manifestantes apelam à mobilização nacional nesta sexta-feira..Antes de entrar na política, Borissov, que tem 61 anos, esteve na academia de polícia e foi bombeiro, fundando depois uma empresa de segurança. Enquanto guarda-costas trabalhou para o último ditador comunista do país, Todor Zhivkov, após ter sido afastado do poder, em 1989, e para o último rei búlgaro, Simeão II, que foi mais tarde eleito primeiro-ministro..Simeão convidou-o para chefe de gabinete no Ministério do Interior e mais tarde para liderar a polícia, cargo que Borissov deixou para concorrer a presidente da Câmara de Sófia, numa eleição que ganhou em 2004 como independente. Dois anos depois formava o seu próprio partido conservador e populista, GERB (Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária), vencendo as legislativas em 2009..Está no poder desde então, com pequenas pausas pelo meio, estando perto do final do terceiro mandato: o primeiro acabou com a sua demissão, em 2013, devido a protestos nas ruas por causa do preço da energia, do custo de vida e da corrupção; e o segundo em 2016, após o GERB perder as presidenciais para o independente Radev. Em ambas as vezes, Borissov voltou sempre a ser eleito quando eram convocadas novas legislativas..Os protestos deste ano são os piores desde os de 2013, que levaram à sua demissão. Os manifestantes acusam o primeiro-ministro e o procurador-geral Ivan Geshev de falhar na luta contra a corrupção, beneficiando os poderosos oligarcas do país e pondo em causa o Estado de direito - segundo a organização não-governamental Transparency International, a Bulgária é o país mais corrupto dos 27 membros da União Europeia - e exigem a antecipação das legislativas, previstas para março de 2021..Os protestos começaram a 9 de julho, dois dias depois de os escritórios do presidente, que acusa Borissov de ligações aos oligarcas, terem sido alvo de buscas por parte de oficiais armados, a pedido do Geshev. Vários assessores foram detidos para interrogatório, com os procuradores a dizerem que em causa estavam investigações sobre tráfico de influências e divulgação de segredos de Estado..A 11 de julho, Radev pediu numa declaração na televisão a demissão de ambos, acusando o primeiro de transformar o governo numa máfia. No dia seguinte, os protestos tornaram-se violentos pela primeira vez, com confrontos entre manifestantes e polícia. Houve feridos dos dois lados e pelo menos 18 detidos..Ao longo dos últimos cem dias, a violência voltou a repetir-se noutras ocasiões, nomeadamente a 2 e 3 de setembro (com centenas de feridos e 126 detidos), quando o Parlamento discutiu as propostas de alteração constitucional. Borissov propôs uma reforma judicial, uma das exigências de quem protesta, e outras mudanças como a diminuição do número de deputados para tentar acalmar as ruas, mas os manifestantes consideram que é apenas uma tentativa de continuar no poder, defendendo que a reforma tem de ser feita depois da demissão do governo e de novas eleições.."Não foi a falta de uma nova Constituição que levou as pessoas às ruas, mas a falta de moralidade na liderança, a erosão do Estado e a corrupção", disse o presidente Rumen Radev no Parlamento, pedindo a demissão do executivo..O presidente não tem hesitado em pôr achas na fogueira: ainda em julho, quando ativistas desembarcaram na praia frente à residência de um dos oligarcas (por lei, todas as praias são públicas) e foram afastados à força por seguranças, Radev confirmou que estes eram membros do Serviço de Segurança Nacional. A agência governamental é responsável pela segurança de políticos importantes e funcionários do Estado, pelo que o seu destacamento para o local violava o seu mandato. Em resposta, houve uma operação policial nos escritórios da presidência..Para tentar acalmar os manifestantes, o primeiro-ministro substituiu também os ministros das Finanças, da Economia e do Interior, sem que isso tivesse impacto nas ruas. Borissov alegou sempre que não podia sair, falando na necessidade de estabilidade diante da pandemia de covid-19. Quando em agosto chegou a pôr a hipótese de se afastar, desde que houvesse garantias de que o governo conservador continuaria no poder, foi travado pelos aliados. A 21 de julho, tinha sobrevivido no Parlamento à quinta moção de censura desde 2017.