Há quatro anos, a 16 de junho de 2015, Donald Trump anunciava a candidatura à presidência perante uma assistência que muitos juravam serem figurantes pagos para satisfazer mero capricho pessoal de multimilionário. O discurso soou entre o demagógico e o delirante. O modo como falou dos mexicanos não podia ser levado a sério. Sucede que o inaceitável foi legitimado nas urnas, a 8 de novembro de 2016..Do choque ao favoritismo, na próxima terça, dia 18, em comício no Amway Center, em Orlando, Florida, o 45.º presidente dos EUA anunciará a sua recandidatura reunindo boas hipóteses de assegurar um segundo mandato. Não tem uma taxa de aprovação impressionante, mas pode beneficiar da dispersão de uma bizarra corrida democrata que já vai com 23 candidatos. Bem-vindos à era do novo anormal.."Tudo o que ouviram dizer sobre os EUA, sejam as coisas ótimas ou as péssimas, provavelmente é verdade. Ou então virá a ser." Onésimo Teotónio de Almeida.Donald Trump é a América "real". Donald Trump nada tem a ver com a América sofisticada. Donald Trump defende a América. Donald Trump envergonha a América..Por incrível que pareça, estas quatro frases, supostamente contraditórias entre si, podem passar no teste do "polígrafo"..Em certa medida, a lógica bate certo: os Estados Unidos são um país contraditório - rico mas desigual, diverso mas preconceituoso, evoluído mas tacanho, tolerante mas com focos de tensão racista..Ver o Presidente dos EUA insultar líderes de "aliados permanentes" e mentir de forma descarada ainda causa alguma estranheza. Mas cada vez menos. A nossa capacidade de acomodar o insuportável é bem maior do que imaginamos. Causa cada vez menor perturbação encarar o "novo anormal".."O nosso país está com sérios problemas. Já não temos vitórias. Costumávamos ter, mas já não temos. Quando foi a última vez que vimos os EUA bater a China num acordo comercial? Eles matam-nos. Eu ganho à China a todo o momento. A todo o momento. Quando é que batemos o México na fronteira? Eles riem-se de nós, da nossa estupidez. E agora estão a bater-nos economicamente. Eles não são nossos amigos, garanto-vos. Mas estão a matar-nos economicamente." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Se achámos que os EUA eram ótimos por terem eleito duas vezes Barack Obama para a Casa Branca, não podemos agora achar que, afinal, são péssimos, porque elegeram Donald Trump há dois anos e meio..O país é o mesmo, ainda que as coligações eleitorais que elegeram Obama e Trump sejam bem diferentes em quase tudo e tenha havido pequenos, mas decisivos, pontos de contacto em pouco mais de c100 mil eleitores na soma dos três estados de Midwest (Wisconsin, Pensilvânia e Michigan) que votaram de forma clara em Barack Obama em 2008 e 2012, contra quase todas as previsões, preferiram Trump a Hillary em 2016. Foi isso que tornou real o que parecia altamente improvável..Donald Trump nunca foi maioritário - nem mesmo na noite da sua eleição presidencial: recolheu 46,1% dos votos expressos, menos 2,2% que a adversária democrata, perto de três milhões de sufrágios menos que Hillary Clinton..Já na Casa Branca, a tendência manteve-se: nas grandes decisões, são muito mais os norte-americanos que discordam da rota do Presidente do que os que concordam: construção do muro (59% discordam, CNN Poll), prolongamento do shutdown em janeiro passado (53% culpavam Trump, ABC News), saída do Acordo de Paris (55% dos norte-americanos discordam, Pew Research Center), saída do Acordo Nuclear do Irão (56% dos norte-americano discordam, YouGov)..O atual inquilino da Casa Branca é o presidente mais impopular dos últimos 38 anos e o único que nunca conseguiu passar dos 50% de aprovação..Então, está o caminho aberto para Trump ser demovido da Casa Branca já daqui a 17 meses, certo? Errado..A vantagem da identidade."Quanto mais baterem na tecla do impeachment, maior é a probabilidade de Donald Trump ser reeleito." Brad Parscale, diretor da campanha Trump 2020. Mesmo sendo um presidente da fação, Donald Trump é um líder com uma base significativa, fiel e permanentemente mobilizada. Ao contrário do que as duas eleições de Obama parecem ter representado, a eleição presidencial de Trump não correspondeu a sentimento vasto, claro e maioritário da sociedade americana..Mas foca-se em segmentos que perderam benefícios e a noção de "domínio" nas últimas décadas e viram em Trump o seu campeão para proteger o seu último reduto..Se a baixa taxa de popularidade parece ser um obstáculo, Trump tem duas tendências fortes a seu favor para novembro de 2020: no último século, nunca um Presidente a tentar segundo mandato falhou a reeleição com uma economia em crescimento e desemprego baixo; desde Franklin Roosevelt, só dois presidentes incumbentes falharam a reeleição: Carter e Bush pai (Lyndon Johnson optou por não se recandidatar em 1968).."Quando o México envia os seus para os EUA, não manda os seus melhores. Não são vocês que vêm. Não são vocês que vêm. Enviam pessoas que têm imensos problemas e trazem esses problemas para cá. Trazem drogas. Trazem crime. São violadores. E alguns, admito, alguns podem ser boas pessoas. Mas eu falo com guardas fronteiriços e dizem-me o que recebem. E isto é do senso comum. Do senso comum. Eles não enviam os melhores. Estão a vir cada vez mais do México. Vêm de toda a América do Sul, da América Latina, e provavelmente, provavelmente!, do Médio Oriente. Mas não sabemos. Porque não temos proteção, não temos competência, não sabemos o que se passa. E isto tem que parar e tem que acabar rapidamente." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Enquanto os democratas se dispersam pela quantidade absurda de 23 candidatos (navegando entre o "centrismo" de Biden, o "patriotismo moralista" de Buttigieg, o "progressismo agressivo" de Warren, o anti-establishment esquerdista" de Sanders, a visão articulada e sustentada de Kamala ou o "sulismo charmoso e pop star" de Beto O'Rourke), o campo Trump está mais do que identificado. E dá sinais de estar sólido e mobilizado..Donald Trump mudou o Partido Republicano para sempre. Conseguiu fazer dos republicanos "barriga de aluguer" para concretizar o seu sonho de chegar à Presidência..O core da agenda Trump só se enquadra na tradição republicana na parte dos costumes (antiaborto), religioso (e mesmo esse "colado" já durante a campanha, bem distante da ligação à base evangélica de Ted Cruz, Rick Santorum ou Mike Huckabee) e nos setores da direita americana mais propensos a alinhar numa conversa negacionista ou, pelo menos, cética, em relação às consequências das alterações climáticas..Mas o triunfo Trump fez recuar décadas de comprometimento republicano na aproximação à China, iniciada por Nixon nos anos 1970, no distanciamento crítico com Moscovo (Mitt Romney, nomeado presidencial republicano há apenas sete anos, apontou, em debate contra Obama, Vladimir Putin como "inimigo público numero 1 da América") e, sobretudo, no compromisso republicano em relação ao comércio internacional e às vantagens do multilateralismo..Donald Trump não é um político hábil. Não tem capacidade de criar consensos e estabelecer compromissos. O seu trunfo é o de conseguir falar diretamente a cerca de um terço do eleitorado americano, que o apoia cegamente, bastando para isso que o Presidente insulte o mainstream media e os "políticos em Washington"..Agarrou a narrativa do populismo e da crítica às elites. Isso chega a ser risível, se nos lembrarmos que Trump, durante décadas, fez parte dessa elite e financiou muito dos políticos que agora insulta e critica..Mas a vitória de Trump explica-se pelo sucesso que teve em agarrar boa parte dos "zangados" do sistema. Há uma década que 80% a 90% doa americanos reprovam o desempenho do Congresso e dos políticos de Washington. Se olharmos para esse dado, verificamos que os 46% de Trump em 2016 acabam por não ser um número assim tão impressionante.. O mestre das perceções."Eu amo a China. O maior banco no mundo é chinês. Sabem onde é que é a sede desse banco nos EUA? É aqui mesmo, na Trump Tower. Eu amo a China, a sério. As pessoas dizem-me: "oh, mas não gosta da China?" Não, eu amo-os. Juro. Mas os líderes chineses são mais espertos que os nossos e não podemos continuar a cair nisso. É demasiado - é tipo, tipo pegar no New England Patriots e no Tom Brady e pô-los a jogar na equipa do liceu. É a diferença entre os líderes chineses e os nossos. Eles estão a roubar-nos. Aproveitam-se de nós. Estamos a construir vários países. A China, vamos lá agora, é só estradas, pontes, escolas, nunca se viu nada assim. Eles têm pontes que fazem parecer a George Washington Bridge tipo pequenas batatas. E eles estão por todo o lado. Por todo o lado." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Donald Trump tem um percurso marcado pelo egocentrismo empresarial, com o único objetivo de fazer dinheiro e salvar a face, sem olhar ao interesse coletivos..Foi à falência quatro vezes e usou os acordos feitos com a autoridade tributária para ganhar com isso, sem se preocupar com os direitos dos seus funcionários que perderam os empregos..Representa a América que olha para o dinheiro e para o sucesso empresarial acima de tudo, sem ter em conta os valores morais ou políticos. Para perceber Trump não basta olhar para a fortuna que tem: é fundamental compreender a forma como conseguiu ser uma figura mediática e do espetáculo, sobretudo na última década e meia, como apresentador do Celebrity Apprentice..Se Kennedy foi o primeiro Presidente da TV e Obama o primeiro presidente da internet, Donald Trump é o primeiro presidente reality TV. O atual Presidente dos EUA é, essencialmente, alguém que vende bem o seu nome (Torre Trump, Avião Trump)..Milhões de americanos continuam a acreditar que ele é "o homem mais rico da América"..Ora, de acordo com a lista da Forbes de outubro de 2018, Donald Trump detém a 259.º maior fortuna norte-americana. Isso significa que tem mesmo muito dinheiro - mas está longe de poder sonhar em ser "o homem mais rico da América". Geralmente, os magnatas financiam os políticos para beneficiarem na sombra com a influência adquirida, através do dinheiro, junto do poder político..Trump é o primeiro caso, na alta política americana, de um magnata que consegue passar para o lado do poder (ainda que outros, como Ross Perot, já tenham tentado...), porque a sua principal ambição passou a ser a de conhecer o poder..Se Barack Obama inspirava pelo exemplo e pelo percurso pessoal, Donald Trump foi premiado pela vaidade e pela ambição desmesurada. É uma espécie de "mundo ao contrário": afinal de contas, o Presidente dos EUA devia ser alguém visto como "o melhor de todos" (o mais inteligente, o mais corajoso, o mais eloquente, o mais patriota, o mais honesto)..Donald não é nada dessas coisas gloriosas ou sofisticadas. Esqueçam. Isso é para as "elites"..O ponto que muitos demoraram a perceber é que uma parte muito significativa do eleitorado americano, mesmo conhecendo de ginjeira os defeitos e os pecados de Donald, olhou para ele e viu aquilo que gostava de ser e ter - mas nunca irão conseguir na vida: riqueza, egocentrismo, mulheres vistosas, poder desmesurado decorrente do dinheiro e da notoriedade. Pode não ser "bonito" - mas é humano. E nem sequer é novo..O mundo é como é. Não é como nós gostávamos que ele fosse.
Há quatro anos, a 16 de junho de 2015, Donald Trump anunciava a candidatura à presidência perante uma assistência que muitos juravam serem figurantes pagos para satisfazer mero capricho pessoal de multimilionário. O discurso soou entre o demagógico e o delirante. O modo como falou dos mexicanos não podia ser levado a sério. Sucede que o inaceitável foi legitimado nas urnas, a 8 de novembro de 2016..Do choque ao favoritismo, na próxima terça, dia 18, em comício no Amway Center, em Orlando, Florida, o 45.º presidente dos EUA anunciará a sua recandidatura reunindo boas hipóteses de assegurar um segundo mandato. Não tem uma taxa de aprovação impressionante, mas pode beneficiar da dispersão de uma bizarra corrida democrata que já vai com 23 candidatos. Bem-vindos à era do novo anormal.."Tudo o que ouviram dizer sobre os EUA, sejam as coisas ótimas ou as péssimas, provavelmente é verdade. Ou então virá a ser." Onésimo Teotónio de Almeida.Donald Trump é a América "real". Donald Trump nada tem a ver com a América sofisticada. Donald Trump defende a América. Donald Trump envergonha a América..Por incrível que pareça, estas quatro frases, supostamente contraditórias entre si, podem passar no teste do "polígrafo"..Em certa medida, a lógica bate certo: os Estados Unidos são um país contraditório - rico mas desigual, diverso mas preconceituoso, evoluído mas tacanho, tolerante mas com focos de tensão racista..Ver o Presidente dos EUA insultar líderes de "aliados permanentes" e mentir de forma descarada ainda causa alguma estranheza. Mas cada vez menos. A nossa capacidade de acomodar o insuportável é bem maior do que imaginamos. Causa cada vez menor perturbação encarar o "novo anormal".."O nosso país está com sérios problemas. Já não temos vitórias. Costumávamos ter, mas já não temos. Quando foi a última vez que vimos os EUA bater a China num acordo comercial? Eles matam-nos. Eu ganho à China a todo o momento. A todo o momento. Quando é que batemos o México na fronteira? Eles riem-se de nós, da nossa estupidez. E agora estão a bater-nos economicamente. Eles não são nossos amigos, garanto-vos. Mas estão a matar-nos economicamente." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Se achámos que os EUA eram ótimos por terem eleito duas vezes Barack Obama para a Casa Branca, não podemos agora achar que, afinal, são péssimos, porque elegeram Donald Trump há dois anos e meio..O país é o mesmo, ainda que as coligações eleitorais que elegeram Obama e Trump sejam bem diferentes em quase tudo e tenha havido pequenos, mas decisivos, pontos de contacto em pouco mais de c100 mil eleitores na soma dos três estados de Midwest (Wisconsin, Pensilvânia e Michigan) que votaram de forma clara em Barack Obama em 2008 e 2012, contra quase todas as previsões, preferiram Trump a Hillary em 2016. Foi isso que tornou real o que parecia altamente improvável..Donald Trump nunca foi maioritário - nem mesmo na noite da sua eleição presidencial: recolheu 46,1% dos votos expressos, menos 2,2% que a adversária democrata, perto de três milhões de sufrágios menos que Hillary Clinton..Já na Casa Branca, a tendência manteve-se: nas grandes decisões, são muito mais os norte-americanos que discordam da rota do Presidente do que os que concordam: construção do muro (59% discordam, CNN Poll), prolongamento do shutdown em janeiro passado (53% culpavam Trump, ABC News), saída do Acordo de Paris (55% dos norte-americanos discordam, Pew Research Center), saída do Acordo Nuclear do Irão (56% dos norte-americano discordam, YouGov)..O atual inquilino da Casa Branca é o presidente mais impopular dos últimos 38 anos e o único que nunca conseguiu passar dos 50% de aprovação..Então, está o caminho aberto para Trump ser demovido da Casa Branca já daqui a 17 meses, certo? Errado..A vantagem da identidade."Quanto mais baterem na tecla do impeachment, maior é a probabilidade de Donald Trump ser reeleito." Brad Parscale, diretor da campanha Trump 2020. Mesmo sendo um presidente da fação, Donald Trump é um líder com uma base significativa, fiel e permanentemente mobilizada. Ao contrário do que as duas eleições de Obama parecem ter representado, a eleição presidencial de Trump não correspondeu a sentimento vasto, claro e maioritário da sociedade americana..Mas foca-se em segmentos que perderam benefícios e a noção de "domínio" nas últimas décadas e viram em Trump o seu campeão para proteger o seu último reduto..Se a baixa taxa de popularidade parece ser um obstáculo, Trump tem duas tendências fortes a seu favor para novembro de 2020: no último século, nunca um Presidente a tentar segundo mandato falhou a reeleição com uma economia em crescimento e desemprego baixo; desde Franklin Roosevelt, só dois presidentes incumbentes falharam a reeleição: Carter e Bush pai (Lyndon Johnson optou por não se recandidatar em 1968).."Quando o México envia os seus para os EUA, não manda os seus melhores. Não são vocês que vêm. Não são vocês que vêm. Enviam pessoas que têm imensos problemas e trazem esses problemas para cá. Trazem drogas. Trazem crime. São violadores. E alguns, admito, alguns podem ser boas pessoas. Mas eu falo com guardas fronteiriços e dizem-me o que recebem. E isto é do senso comum. Do senso comum. Eles não enviam os melhores. Estão a vir cada vez mais do México. Vêm de toda a América do Sul, da América Latina, e provavelmente, provavelmente!, do Médio Oriente. Mas não sabemos. Porque não temos proteção, não temos competência, não sabemos o que se passa. E isto tem que parar e tem que acabar rapidamente." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Enquanto os democratas se dispersam pela quantidade absurda de 23 candidatos (navegando entre o "centrismo" de Biden, o "patriotismo moralista" de Buttigieg, o "progressismo agressivo" de Warren, o anti-establishment esquerdista" de Sanders, a visão articulada e sustentada de Kamala ou o "sulismo charmoso e pop star" de Beto O'Rourke), o campo Trump está mais do que identificado. E dá sinais de estar sólido e mobilizado..Donald Trump mudou o Partido Republicano para sempre. Conseguiu fazer dos republicanos "barriga de aluguer" para concretizar o seu sonho de chegar à Presidência..O core da agenda Trump só se enquadra na tradição republicana na parte dos costumes (antiaborto), religioso (e mesmo esse "colado" já durante a campanha, bem distante da ligação à base evangélica de Ted Cruz, Rick Santorum ou Mike Huckabee) e nos setores da direita americana mais propensos a alinhar numa conversa negacionista ou, pelo menos, cética, em relação às consequências das alterações climáticas..Mas o triunfo Trump fez recuar décadas de comprometimento republicano na aproximação à China, iniciada por Nixon nos anos 1970, no distanciamento crítico com Moscovo (Mitt Romney, nomeado presidencial republicano há apenas sete anos, apontou, em debate contra Obama, Vladimir Putin como "inimigo público numero 1 da América") e, sobretudo, no compromisso republicano em relação ao comércio internacional e às vantagens do multilateralismo..Donald Trump não é um político hábil. Não tem capacidade de criar consensos e estabelecer compromissos. O seu trunfo é o de conseguir falar diretamente a cerca de um terço do eleitorado americano, que o apoia cegamente, bastando para isso que o Presidente insulte o mainstream media e os "políticos em Washington"..Agarrou a narrativa do populismo e da crítica às elites. Isso chega a ser risível, se nos lembrarmos que Trump, durante décadas, fez parte dessa elite e financiou muito dos políticos que agora insulta e critica..Mas a vitória de Trump explica-se pelo sucesso que teve em agarrar boa parte dos "zangados" do sistema. Há uma década que 80% a 90% doa americanos reprovam o desempenho do Congresso e dos políticos de Washington. Se olharmos para esse dado, verificamos que os 46% de Trump em 2016 acabam por não ser um número assim tão impressionante.. O mestre das perceções."Eu amo a China. O maior banco no mundo é chinês. Sabem onde é que é a sede desse banco nos EUA? É aqui mesmo, na Trump Tower. Eu amo a China, a sério. As pessoas dizem-me: "oh, mas não gosta da China?" Não, eu amo-os. Juro. Mas os líderes chineses são mais espertos que os nossos e não podemos continuar a cair nisso. É demasiado - é tipo, tipo pegar no New England Patriots e no Tom Brady e pô-los a jogar na equipa do liceu. É a diferença entre os líderes chineses e os nossos. Eles estão a roubar-nos. Aproveitam-se de nós. Estamos a construir vários países. A China, vamos lá agora, é só estradas, pontes, escolas, nunca se viu nada assim. Eles têm pontes que fazem parecer a George Washington Bridge tipo pequenas batatas. E eles estão por todo o lado. Por todo o lado." Donald Trump, anúncio de candidatura presidencial, Trump Tower, 15 junho 2015.Donald Trump tem um percurso marcado pelo egocentrismo empresarial, com o único objetivo de fazer dinheiro e salvar a face, sem olhar ao interesse coletivos..Foi à falência quatro vezes e usou os acordos feitos com a autoridade tributária para ganhar com isso, sem se preocupar com os direitos dos seus funcionários que perderam os empregos..Representa a América que olha para o dinheiro e para o sucesso empresarial acima de tudo, sem ter em conta os valores morais ou políticos. Para perceber Trump não basta olhar para a fortuna que tem: é fundamental compreender a forma como conseguiu ser uma figura mediática e do espetáculo, sobretudo na última década e meia, como apresentador do Celebrity Apprentice..Se Kennedy foi o primeiro Presidente da TV e Obama o primeiro presidente da internet, Donald Trump é o primeiro presidente reality TV. O atual Presidente dos EUA é, essencialmente, alguém que vende bem o seu nome (Torre Trump, Avião Trump)..Milhões de americanos continuam a acreditar que ele é "o homem mais rico da América"..Ora, de acordo com a lista da Forbes de outubro de 2018, Donald Trump detém a 259.º maior fortuna norte-americana. Isso significa que tem mesmo muito dinheiro - mas está longe de poder sonhar em ser "o homem mais rico da América". Geralmente, os magnatas financiam os políticos para beneficiarem na sombra com a influência adquirida, através do dinheiro, junto do poder político..Trump é o primeiro caso, na alta política americana, de um magnata que consegue passar para o lado do poder (ainda que outros, como Ross Perot, já tenham tentado...), porque a sua principal ambição passou a ser a de conhecer o poder..Se Barack Obama inspirava pelo exemplo e pelo percurso pessoal, Donald Trump foi premiado pela vaidade e pela ambição desmesurada. É uma espécie de "mundo ao contrário": afinal de contas, o Presidente dos EUA devia ser alguém visto como "o melhor de todos" (o mais inteligente, o mais corajoso, o mais eloquente, o mais patriota, o mais honesto)..Donald não é nada dessas coisas gloriosas ou sofisticadas. Esqueçam. Isso é para as "elites"..O ponto que muitos demoraram a perceber é que uma parte muito significativa do eleitorado americano, mesmo conhecendo de ginjeira os defeitos e os pecados de Donald, olhou para ele e viu aquilo que gostava de ser e ter - mas nunca irão conseguir na vida: riqueza, egocentrismo, mulheres vistosas, poder desmesurado decorrente do dinheiro e da notoriedade. Pode não ser "bonito" - mas é humano. E nem sequer é novo..O mundo é como é. Não é como nós gostávamos que ele fosse.