Do Brexit à Escócia. Porque é que estas eleições britânicas são tão importantes?
Os eleitores britânicos votam esta quinta-feira, entre as 7.00 e as 22.00, mas o seu voto fará mais do que renovar o Parlamento. Consoante o resultado, ditará o futuro do Reino Unido (que arrisca não ficar assim tão unido) mas também da União Europeia, sendo estas eleições apelidadas por alguns como "as eleições do Brexit".
As sondagens apontam para uma vitória dos conservadores de Boris Johnson frente aos trabalhistas de Jeremy Corbyn, mas os votos são contados circunscrição a circunscrição (são 650) e o vencedor em cada uma delas é quem tiver mais votos, mesmo que seja só um. Na previsão do número de deputados, a maioria dos conservadores ronda os 20, longe dos mais de 60 que lhe davam as sondagens há um mês e é imprevisível contabilizar o voto tático, em que o eleitor escolhe o partido mais bem colocado (independentemente das suas cores políticas) para derrotar o candidato que não quer que ganhe.
Mas afinal porque é que estas eleições são tão importantes?
O resultado destas eleições vai ditar que tipo de Brexit haverá no Reino Unido. Ou se haverá um Brexit.
Johnson antecipou as eleições por causa do impasse no Parlamento, onde o acordo que negociou com Bruxelas não conseguiu o apoio suficiente, tal como o que a sua antecessora, Theresa May, tinha negociado antes. Mais, os deputados obrigaram-no a ceder e a pedir um novo adiamento da data de saída da União Europeia, que já tinha sido adiado para 31 de outubro. Algo que o líder conservador tinha garantido que nunca faria.
Nestas eleições, e depois de deserções mesmo dentro do próprio partido, Johnson exigiu que todos os candidatos conservadores se comprometessem com o seu plano de Brexit. A ideia é ter uma maioria que lhe permita aprovar o acordo e sair da União Europeia até 31 de janeiro.
O plano do Labour é diferente. Corbyn defende renegociar o acordo de Brexit para permitir uma relação mais próxima com Bruxelas, mantendo o Reino Unido na união aduaneira e alinhado com o mercado único. Depois, submeter esse acordo a um novo referendo no espaço de seis meses, onde os britânicos podem escolher entre ele e continuar na União Europeia. O partido manteria uma posição de neutralidade na discussão até uma nova conferência, mas Corbyn já disse que continuaria sem tomar posição.
A União Europeia, incluindo Portugal, está atenta para saber o que virá das eleições, com os líderes dos 27 reunidos no Conselho Europeu esta quinta e sexta-feira (Boris Johnson está ausente). Já amanhã devem analisar na reunião o resultado do escrutínio e avaliar os próximos passos.
Depois de décadas como deputado do Labour sem cargos em qualquer executivo ou governo sombra (os chamados backbenchers) e posições consideradas demasiado de esquerda, Corbyn chegou à liderança do partido numa votação entre os militantes, em 2015, com os trabalhistas a reforçarem o número de militantes desde então. Quando os deputados menos de esquerda o tentaram afastar da liderança, os militantes voltaram a dar-lhe o apoio.
Nas eleições de 2017, quando May procurava uma maioria que lhe garantisse o Brexit, foi surpreendida por um Labour com 40% dos votos e um crescimento de 30 deputados, deixando o Parlamento dividido. Algo que as sondagens não tinham conseguido prever. A dúvida é saber se Corbyn conseguirá melhorar esse resultado e o que fará caso não consiga.
A pressão para que se demita é muita, com muita gente do partido a questionar as suas políticas radicais. O ex-primeiro-ministro Tony Blair, que em 1997 teve a maior maioria alguma vez alcançada pelo partido, surpreendeu em plena campanha ao admitir que há pessoas que podem querer antes votar nos Liberais Democratas ou até nos Tories. E tem sempre alertado para os riscos que Corbyn representa: "O problema com revoluções não é como começam, mas como acabam."
Todas as críticas arriscam contudo perder-se caso Corbyn melhore o resultado de 2017.
Num referendo em 2014, os escoceses disseram não à independência (55% contra 45%), muitos preocupados com a ideia de que poderiam ser obrigados a sair da União Europeia. No referendo de 2016, 62% votaram contra o Brexit, mas o problema é que no resto do país este ganhou. De repente, os escoceses que não queriam sair da União Europeia viam-se numa posição em que iam ser levados a sair, mesmo contra a sua vontade.
O referendo à independência que devia ter sido o de uma geração voltou a centrar as atenções, falando-se cada vez mais no IndyRef2 (segundo referendo à independência).
Nestas eleições, o Partido Nacionalista Escocês (SNP, em inglês), da chefe do governo escocês Nicola Sturgeon, fez campanha contra o Brexit e colocou no manifesto eleitoral um segundo referendo independentista. Mais, está agora a defender que a Escócia deve ter um mesmo que o Reino Unido não saia da União Europeia. Tudo porque consideram que "os interesses escoceses, a nossa voz e a nossa visão" foram ignorados nos últimos anos.
Uma maioria dos conservadores vai incendiar mais os desejos independentistas escoceses, relançando um tema que o Reino Unido achava que tinha calado durante décadas.
As eleições no Reino Unido representam também um risco para a Irlanda do Norte, onde 56% dos eleitores foram contra a ideia do Brexit. A possibilidade de uma fronteira física com a República da Irlanda (que faz parte da União Europeia) poderá reacender as divisões que, a custo, foram colmatadas com os Acordos de Sexta-Feira Santa, que puseram fim ao conflito entre católicos e protestantes na ilha.
O Brexit está também a dar fôlego à ideia de uma Irlanda reunida, já que o acordo de paz de 1998 prevê a realização de um referendo nesse sentido se existir uma maioria que deseja esse resultado.
O partido nacionalista Sinn Féin, que não ocupa os lugares para os quais elege deputados em Westminster, tem aumentado os apelos para a realização de tal consulta, numa altura que as tendências demográficas sugerem que em breve os católicos serão mais do que os protestantes na Irlanda do Norte.
Os partidos unionistas, que defendem a continuação no Reino Unido, perderam a maioria nas eleições europeias e locais, com o resultado das eleições desta quinta-feira a poder ser mais um argumento na discussão.
Se nenhum partido conseguir a maioria, o Parlamento poderá continuar dividido, o que deixará o Reino Unido no mesmo impasse.
Caso vença mas sem maioria no Parlamento, Boris Johnson poderá sempre insistir na ideia de um Brexit sem acordo, recusando pedir novo adiamento do prazo a Bruxelas.
Mas, mais uma vez, os deputados podem obrigá-lo a pedir a extensão aos europeus, que podem também dizer "basta" a qualquer momento e optar pode essa mesma resolução -- todos têm contudo defendido que é melhor uma saída com acordo do que uma saída sem acordo.
Seja como for, a discussão do Brexit está para durar, até porque uma eventual saída com acordo dará lugar ao início da discussão sobre a futura relação e acordo comercial, com o prazo para a transição a acabar no final do ano.