Do Afeganistão para Palau com escala em Guantánamo
Foi graças a Fahrenheit 9/11, o documentário em que Michael Moore se entretém a gozar com George W. Bush, que o arquipélago de Palau deixou de ser uma curiosidade conhecida apenas pelos fanáticos dos atlas. Quem viu o filme sobre a desastrada resposta ao 11 de Setembro recorda-se da dança das raparigas seminuas com flores na cabeça, caricatura do pequeno país do Pacífico, um dos membros da "coligação das boas vontades" que apoiou os Estados Unidos na invasão do Iraque. Agora, a tradicional boa vontade dos governantes de Palau com os americanos volta a manifestar-se. E através da oferta a Barack Obama para acolherem nas ilhas os 17 uigures (traduza-se por chineses muçulmanos de língua turca) detidos em Guantánamo e ilibados de terrorismo, mas que correm perigo de tortura ou morte se forem devolvidos à China. Contudo, se os prós desta proposta de Palau se percebem do ponto de vista político, também não seria difícil a Moore encontrar contras que alimentassem uma das suas sátiras.
Prós: 1) O país, independente apenas desde 1994, é 100% leal aos americanos, os últimos de uma série de colonizadores, que começa com os espanhóis e inclui britânicos, alemães e japoneses; 2) A ausência de relações diplomáticas com a China (Palau reconhece Taiwan) impede um eventual pedido de extradição feito por Pequim; 3) O arquipélago fica tão longe de tudo que os riscos são mínimos se os uigures se deixarem seduzir um dia pela via jihadista.
Contras: 1) Os uigures são a principal etnia do Xinjiang, uma região que tem como capital Urumqi, o ponto mais distante no planeta do mar, segundo o Guinness. Transferi-los para umas ilhas no meio do Pacífico é no mínimo irónico para quem foi capturado no Afeganistão e o único azul que até hoje viu além das burkas foi o das Caraíbas junto à base americana em Cuba; 2) Com tantos aliados e apesar da admiração internacional por Obama, fragiliza os Estados Unidos que tenha de ser um antigo protectorado a receber os casos mal resolvidos de Guantánamo; 3) Com apenas 20 mil habitantes, a chegada dos 17 uigures (ou 13, tendo em conta que quatro foram inesperadamente enviados para as Bermudas, outro arquipélago paradisíaco) representa um aumento cerca de 0,1%, qualquer coisa como a vinda repentina para os Estados Unidos de 300 mil pessoas.
Mas pode partir já amanhã se quiser antecipar-se aos uigures e conhecer estas ilhas do Pacífico cheias de prós em termos de beleza natural (os seus recifes de coral são famosos entre os mergulhadores). O bilhete de avião mais barato a partir de Lisboa custa 3600 euros e obriga a escalas em Frankfurt, Tóquio e Guam, com chegada ao aeroporto de Koror ao fim de 29 horas. É cansativo, mas pelo menos não inclui nenhuma escala injustificável em Guantánamo.