DN recusa fazer censura prévia aos leitores

A direção editorial do Diário de Notícias decidiu não acatar, dentro do quadro legal em vigor, a Recomendação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre comentários no seu site, pois ela obrigaria ao exercício de censura prévia aos leitores. Decidiu o DN, igualmente, implementar um sistema automático de apagamento de comentários, acionado exclusivamente pelos leitores.
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Neste novo sistema, que está desde ontem ativo, cada comentário que receba 10 denúncias de leitores diferentes (este número poderá vir a ser ajustado em função do que a experiência vier a ditar) será automaticamente apagado.

Antes, ao receber 5 denúncias, o comentário é "despromovido" e passa para o fim da lista de comentários onde foi publicado.

Para denunciar comentários, os leitores que o desejarem fazer terão de clicar no botão vermelho "denunciar este comentário" que se encontra no canto superior direito de cada comentário.

Para prevenir eventuais abusos, a redação do Diário de Notícias recebe uma notificação dos apagamentos que forem ocorrendo e pode intervir para determinar a sua republicação.

Esta ação impede que os jornalistas do DN atuem como censores prévios dos seus leitores, agindo apenas como moderadores de excessos de repressão que alguns leitores possam cometer sobre outros leitores.

Já antes o DN decidira impedir a leitura não avisada das caixas de comentários dos leitores, através da afixação de um aviso prévio sobre o tipo de conteúdo que ali pode ser encontrado.

Esse aviso está ativo sempre que o leitor inicia uma sessão de leitura do site do Diário de Notícias e protege todos aqueles que, incautamente, poderiam defrontar-se com leituras que de alguma forma ferissem a sua sensibilidade.

Esse aviso informa os leitores que os comentários que possam indiciar a prática de um crime serão, caso a direção do DN tenha deles conhecimento, comunicados às autoridades.

A direcção do DN procedeu já a uma denúncia desse tipo por suspeita da prática de um crime de discriminação racial e sexual.

Sobre a Deliberação/Recomendação da ERC

A Deliberação/Recomendação da ERC sobre este tema, tornada pública em maio passado, diz, na sua parte deliberativa, o seguinte: "Instar o Diário de Notícias a adotar um sistema de validação que permita o eficaz controlo dos comentários publicados online, de modo a prevenir a publicação de conteúdos com linguagem insultuosa e ofensiva, de incentivo à violência e ao ódio, de natureza xenófoba e homofóbica;"

Esta deliberação não é adotada pelo Diário de Notícias pelas seguintes razões:

1 - Ao dizer que pretende "prevenir a publicação" de determinados comentários, a ERC insta o DN a exercer censura prévia sobre os leitores, o que introduz necessariamente uma limitação ao exercício da liberdade de expressão num espaço onde essa liberdade pode fisicamente existir sem limites, pelas características técnicas do meio online, que não tem os constrangimentos de espaço do meio em papel.

Tal prática, a concretizar-se, violaria o direito constitucional que assegura a ausência de limitações de qualquer tipo ao exercício da liberdade de expressão. Poderia, igualmente, motivar a violação da consciência ética e moral dos jornalistas que fossem obrigados a proceder a esse trabalho de censura.

2 - A ERC coloca no mesmo patamar, ao instar o Diário de Notícias ao exercício de censura prévia sobre os leitores, questões de violação da lei (nomeadamente pela prática de crimes de ódio ou de discriminação racial, referenciados pela expressões "xenofobia" e "homofobia") com questões morais (referência à linguagem insultuosa e ofensiva).

3 - Sobre as questões de eventual violação da lei por parte dos leitores, entende o Diário de Notícias que não tem capacidade nem competências para decidir o que é ou o que não é crime.

Essa capacidade está atribuída pelo Estado aos tribunais judiciais ou a entidades administrativas designadas pelo Estado, não podendo o DN substituir-se a essas entidades.

Entende a direção do DN, no entanto, que sempre que encontre indícios da prática desses crimes nas caixas de comentários do jornal deve comunicá-las às autoridades e deve sinalizá-las nas mesmas caixas de comentários como, aliás, é dever de qualquer cidadão que suspeite da ocorrência de um crime.

A decisão sobre a efetiva existência de um ou mais crimes e as penalizações daí decorrentes, incluindo a retirada do site do DN do ou dos comentários em causa, competirá à Justiça, não ao jornal, que se recusa a ser censor dos seus leitores.

4 - Sobre as questões morais, nomeadamente a utilização de linguagem insultuosa ou ofensiva por parte de alguns leitores, mais uma vez a ERC insta o Diário de Notícias a praticar um ato que repugna à sua direção editorial.

O que a ERC pretende é que a moral e a ética de uma parte da sociedade, a sua e a do próprio DN, se imponha unilateral e ditatorialmente a todos os leitores.

Se alguém escreve uma frase cheia de palavrões, isso pode ser lido por uns como uma ofensa, pode ser olhado por outros com indiferença e pode ser interpretado por outros como relevante ou engraçado.

Porque deve o DN, como pretende a ERC, ser obrigado a interpretar a leitura correta, a "leitura única" e totalitária? Porque deve o DN atuar como guardião de uma moral que não é, necessariamente, a moral de todos os seus leitores, mesmos sendo a moral da sua direção editorial ou da ERC? Porque deve o DN impor uma moral aos textos dos leitores do seu site, que reflete, também e necessariamente, opções e aquisições ideológicas, religiosas, culturais e políticas que, claramente, não são as de todos os seus leitores? Não deve o valor da liberdade de expressão sobrepor-se ao valor ofendido pelos "insultos e ofensas" que tanto preocupam a ERC?

O DN não é um tribunal

Na parte da Recomendação, anexada à deliberação referida, a ERC afirma: "O Conselho Regulador recomenda ao Diário de Notícias a adoção de um sistema de validação de comentários eficaz e que, desse modo, se abstenha de publicar comentários que ultrapassem os limites consagrados à liberdade de expressão, adotando assim uma conduta que respeite os direitos fundamentais."

Em relação à deliberação, esta recomendação introduz um novo conceito: o de censurar comentários para "respeitar direitos fundamentais".

Como já se viu, a ERC coloca o DN numa posição que o jornal não quer ter e que presume que nem pode legalmente ter: a de decidir questões de direito que compete aos tribunais decidir, neste caso a de decidir se os leitores violam ou não, com os seus comentários, algum direito fundamental e se essa eventual violação de um direito tem precedência sobre a proteção de outro direito fundamental, o da liberdade de expressão.

A posição do DN

O Diário de Notícias, não estando de acordo com a deliberação e a recomendação da ERC, não rejeita, no entanto, as suas responsabilidades enquanto editor do site onde estes comentários são publicados.

Sobre o conteúdo das caixas de comentários procura e procurou sempre aplicar mecanismos de moderação para diminuir eventuais excessos, mas sempre com a condicionante do respeito rigoroso pelo direito à liberdade de expressão de todos os seus leitores. Daí a aplicação de filtros e sistemas de denúncia e o aconselhamento aos leitores de adopção de um código de conduta, elaborado pela empresa a que pertence, a Controlinveste.

O DN interveio, pontualmente, eliminando a posteriori comentários que suscitaram um número elevado de reclamações por parte de outros leitores, não por iniciativa própria do jornal.

Afirma, no entanto, a ERC que muitos comentadores conseguem contornar os filtros existentes, que o apagamento a posteriori não satisfaz os critérios da Entidade Reguladora e que o sistema de denúncia não corresponde a um apagamento de comentários em quantidade e velocidades que satisfaçam, igualmente, os critérios da ERC.

Não podendo nem querendo fazer censura prévia, não podendo nem querendo fazer o papel de um tribunal, não aceitando impor uma única moral a todos os leitores e recusando ser juiz dos leitores em causa própria, pelas razões aduzidas, que pode o Diário de Notícias fazer mais, para além das medidas já enunciadas em cima?

Dessas medidas sublinha-se a mais recente, o apagamento automático de comentários que sejam denunciados por mais de 10 leitores, com possibilidade de republicação pela redação do Diário de Notícias.

Esta solução respeita a posição editorial do DN que recusa exercer censura prévia sobre os seus leitores, respeita a Lei e dá aos leitores o poder de definirem eles próprios os limites à liberdade de expressão que acham aceitáveis ter nas caixas de comentários.

Previne, por outro lado, eventuais ocorrências de excessos de zelo ou epifenómenos de perseguição sobre determinadas visões do mundo que alguns leitores tenham e que, no entender do Diário de Notícias, não devem ser excluídas das caixas de comentários.

Ou seja, o DN não aceita ser censor dos leitores, mas está disponível para agir, mobilizando recursos humanos e técnicos para defender a liberdade de expressão dos leitores.

Por outro lado, avisa os leitores da possibilidade de leitura de comentários que os podem ofender e, sempre que detetar situações que suspeita configurarem a violação da Lei, procederá à entrega de uma denúncia às autoridades, recusando no entanto ser juiz sobre essa eventual violação a Lei.

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