Djaló: "Comida tailandesa? Não conseguia provar baratas e lagartas"
O que o trouxe de volta a Portugal e porquê o Vitória de Setúbal?
Um dos meus companheiros de quarto na formação do Sporting era o Semedo, que é de Setúbal. O sonho dele era jogar no Vitória e cresci a ouvir falar do clube. Em conversa recente, disse-me que estava a treinar no Vitória para manter a forma, e como o mister [José Couceiro] já me tinha telefonado, juntou-se o útil ao agradável. Doze anos depois, tínhamos uma oportunidade de nos reunir. O facto de o treinador me conhecer bem, pesou bastante. Também foi determinante a minha vontade de jogar no campeonato nacional, onde cresci e sonhava jogar quando estava nas camadas jovens. E o Vitória é um clube muito acarinhado, com adeptos espetaculares.
Os sócios olham para si como estrela. Isso aumenta a responsabilidade?
Aumenta porque é um clube que é enorme. Tem o seu passado, com conquistas de taças. Joguei em equipas grandes e estou habituado a ter pressão. Vamos jogar como um todo, e não só o Yannick a tentar resolver as coisas.
Mas é o jogador mais mediático do plantel. Reconhece que as expectativas em relação a si são maiores?
Sim, tendo em conta o meu passado. Há alguns anos que muitos adeptos não me veem a competir e há essa expectativa de ver o Yannick e como está. Se Deus quiser, em breve vão ver e vão gostar.
E que jogador é hoje Yannick Djaló?
É mais evoluído. Não sou tão precipitado como era. Vendo os jogos antigamente, precipitava-me a tomar as decisões, porque era rápido e só queria pôr a bola na frente e correr. Agora já não sou assim. Com o passar do tempo aprendemos a contemporizar e a melhorar o nosso jogo.
O que leva um futebolista com uma carreira conceituada a escolher um país como a Tailândia para jogar?
Quando me fizeram a proposta pensei: Vou para a Tailândia!? O que é que há lá? Vou estar a treinar e vou ver elefantes e vão aparecer cobras? Mas não. Tinha vindo de uma época muito má, porque tive bastantes lesões na Rússia devido à alimentação e uma série de fatores, e a minha valorização caiu bastante. Vi que tinham boas condições e aceitei.
Como foi a experiência? O campeonato nem chegou ao fim, com a morte do rei.
O rei era o expoente máximo na Tailândia, idolatrado pelo povo. Quando morreu, o país parou durante um mês. Faltavam quatro jogos, havia objetivos por cumprir e o campeonato foi suspenso e a classificação ficou como estava. Quem estava em primeiro lugar foi campeão e quem estava em baixo desceu de divisão. Os presidentes diziam que não tinham cabeça para pensar em futebol.
E deve ter histórias curiosas...
Há histórias engraçadas. O clube onde eu jogava [Ratchaburi] estava num crescimento tremendo, a fazer um estádio novo e não tinha técnico de equipamentos. Já íamos equipados de casa, treinávamos e a seguir voltávamos a casa e púnhamos a roupa na máquina. Eles davam-nos muitos equipamentos e tínhamos roupa para a semana toda, mas com cores diferentes. Para pôr a lavar com outras roupas, tínhamos de esperar dois ou três dias. Ao início, estranhei. Nunca tinha visto algo assim. Quando apanhei o ritmo, adaptei-me.
É um país como uma cultura diferente da ocidental. Havia jogadores com rituais que o deixaram espantado?
Não. Antes do jogo, o hino nacional era entoado. Depois do jogo, havia as voltas olímpicas, em que íamos ter com os próprios adeptos e os adeptos adversários. Eram super-respeitadores. Os adeptos cantavam uma música à equipa deles e à adversária, quer tenhas ganho ou perdido por quatro ou cinco a zero. Isso é que me fazia confusão. Quando ganhávamos era uma maravilha, mas quando perdias e vias que não tínhamos atingido o objetivo...
Como foi a adaptação à gastronomia?
Foi um pouco mais complicado, mas não tanto como na Rússia. Não comia comida tailandesa, não conseguia provar baratas e lagartas. Havia um restaurante italiano onde ia sempre comer saladas e massas.
Sente-se realizado no futebol ou ainda tem sonhos por concretizar?
Sinto-me feliz, mas ainda tenho sonhos por concretizar. Tenho uma boa genética e espero jogar mais uns bons anitos.
A maior alegria que o futebol lhe deu?
Ter comprado uma casa à minha mãe.
E a maior tristeza?
Ter-me afastado dos meus familiares, ao emigrar.
Se pudesse voltar atrás , o que é que não teria feito?
Acredito que a minha carreira tomou um rumo diferente por algumas decisões. Numa carreira curta como a nossa, tem uma influência tremenda. Penso que o episódio do Nice [a FIFA vetou a transferência por ter sido feita fora de horas] atrapalhou bastante. Devia ter ficado mais um ano no Sporting. Os seis meses que estive parado acabaram por ser um ano, porque apanhei o comboio em andamento no Benfica.
Simão, Quaresma e Moutinho foram formados no Sporting, passaram depois por rivais e acabaram por declarar amor a esses clubes. O Yannick jogou no Benfica após muitos anos no Sporting. Qual a sua visão sobre o assunto ?
Cada um tem a sua forma de pensar e os seus sentimentos. No meu caso, o clube que me marca mais é aquele em que fui mais feliz, o Sporting. Nunca me canso de dizer que tudo o que consegui devo ao Sporting, onde fui formado, cresci e adquiri as minhas bases como pessoa. Tenho um carinho muito grande pelo Sporting mas também torço pelo Benfica. Quando há jogo entre os dois, é mais complicado e vejo para desfrutar, pois tenho amigos nos dois lados. Mas a minha maior afinidade é com o Sporting.
Já pensa no que vai fazer quando pendurar as botas?
Não, mas acredito que estarei ligado ao futebol, porque o meu filho é louco por futebol. Treinador não queria ser, porque sofre muito. Não queria estar nessa pele.