Divulgar o Islão como uma religião tolerante

Antes de concluir a sua tradução do Alcorão directamente do árabe, o editor da revista 'Al Furqán' lançou um livro de "esclarecimento da Temática Islâmica focada no livro 'Fúria Divina', da autoria de José Rodrigues dos Santos.<br />
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Enquanto outros muçulmanos queimavam Os Versículos Satânicos, o português Mahomed Yiossuf Mohamed Adamgy comprou o livro de Salman Rushdie, leu-o e editou a sua tradução da réplica de Majid Ali Khan intitulada Os Versículos Sagrados. A fatwa lançada por Khomeini, considera este estudioso do Islão, "apenas deu fama a um escritor que, até essa altura, era pouco conhecido".

Yiossuf Adamgy explica que as "tradições obscurantistas de alguns muçulmanos não são baseadas no Alcorão", adiantando exemplos como a lapidação feminina ou a obrigação da burqa, que não encontram fundamento no livro sagrado. E afirma-o com o saber de quem está a traduzir o Alcorão directamente do árabe, para fazer uma edição bilingue e anotada. Aliás, já publicou dez dos trinta fascículos em que dividiu a obra na sua editora Al Furqán - que começou por ser apenas o nome de uma revista bimestral lançada em 1981, mas que, entretanto, passou a ser também uma chancela livreira.

(Um parêntesis: "Em língua portuguesa deve escrever-se Alcorão (ár. Al Kur'an) e não o Corão", esclarece logo na abertura do seu novo livro Misericórdia Divina, lançado esta semana, "porque o Corão é galicismo, adaptado da língua francesa: Le Koran. Assim como não dizemos guidar ao alguidar, face à alface, finete ao alfinete, também não se deve dizer Corão, mas Alcorão.")

Natural da Ilha de Moçambique, onde nasceu a 21 de Setembro de 1951, filho de portugueses ali radicados, mas com antepassados na Índia britânica, Yiossuf Adamgy fez os estudos secundários na cidade de Nampula, cumpriu serviço militar em Lourenço Marques (actual Maputo), onde ainda frequentou o curso de Clássicas na Universidade, e trabalhou como escrivão no Tribunal de Nampula. Em 1977, desencantado com o rumo da independência em que acreditara, mudou-se para Portugal e, após ter sido distribuidor de livros, bolos e bebidas, ligou-se ao ramo hoteleiro e abriu um residencial em Portimão, negócio de que se afastou há poucos anos.

Ao mesmo tempo, dedicou-se ao estudo e divulgação de temas islâmicos, sendo autor de vários artigos (incluindo Reacções ao Discurso de Ratisbona Proferido pelo Papa Bento XVI e Muçulmanos Esclarecem o Cardeal D. José Policarpo), outros livros e meia dúzia de programas de televisão.

Traduziu ainda mais de seis dezenas de obras, nomeadamente o famoso A Bíblia, o Alcorão e a Ciência, de Maurice Bucaille, o médico francês da família do Rei Faisal, da Arábia Saudita (e também do presidente egípcio Sadat), que se converteu ao Islamismo e defendeu que, ao contrário da Bíblia, o Alcorão está em consonância com todas as descobertas científicas

Secretário da direcção da Comunidade Islâmica de Lisboa, já participou em conferências em Meca, Tripoli, Teerão, Madrid e S. Paulo, organizou vários colóquios e promove, desde 1997, na mesquita de Lisboa, a Feira do Livro Islâmico.

Na sua perspectiva, a essência do Islão deve ser esclarecida à luz do Alcorão e não apenas dos Ahadith (plural de Hadith), os "Ditos do Profeta". Escritos mais de um século após a morte de Muhammad ("a correcta pronunciação do nome do Profeta"), em muitos casos não coincidem com o Alcorão e alguns, provavelmente, até serão forjados.

No actual contexto, em que a maioria dos países onde predomina o Islamismo vive sob ditaduras - o que nada têm a ver com a religião, sublinha, ao mesmo tempo que também se manifesta contra o radicalismo fundamentalista -, Yiossuf Adamgy explica que, recorrendo apenas aos Ahadith, por exemplo os mullahs afegãos "podem manobrar e interpretar à maneira deles", em vez de o fazerem lendo o contexto em que cada versículo do Alcorão foi escrito.

Embora conteste a visão destorcida cultivada no Ocidente - o que se acentuou após o 11 de Setembro e da publicação de obras como Choque de Civilizações , de Samuel Huntington -, admite que "não devemos ignorar o papel que os extremistas muçulmanos têm em desacreditar o Islão através do seu próprio vergonhoso papel". Nem o facto de existir, ao lado do pacífico Islão Sufita, seguido pela maioria dos muçulmanos, o Islão Wahabita, predominante na Arábia Saudita, "que é purista e intolerante".

Agora, aproveitando a fama do romance Fúria Divina, de José Rodrigues dos Santos, analisou as ideias feitas que o autor usa na sua ficção (e que também são frequentes na comunicação social) e, para esclarecer o ponto de vista do Alcorão sobre esses temas, publicou um livro (ver outro texto).

Mas no tom cordato com que retorquiu ao patriarca de Lisboa, quando o cardeal exortou a que se tivesse cuidado com as mulheres que casam com muçulmanos. Afinal, questiona Yiossuf Adamgy, "no nosso país, onde, infelizmente, há milhares da casos de violência doméstica, quantos foram praticados por muçulmanos?" Não vale a pena queimar Misericórdia Divina.

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