Divisões nos conservadores sobre a Europa não são novas e levaram à demissão de Thatcher

Deputados conservadores rebeldes querem que a primeira-ministra britânica, Theresa May, se submeta à votação de uma moção de censura por causa do projeto de acordo sobre o Brexit que ela fechou com a UE. Mas se cair por disputas internas no Partido Conservador a sua história não será inédita.
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Theresa May está sob forte pressão por causa do projeto de acordo sobre o Brexit com a União Europeia. Além da oposição, a primeira-ministra britânica está pressionada por deputados conservadores rebeldes que são contrários ao acordo, sobretudo à parte relativa ao mecanismo de salvaguarda para a regular a fronteira entre as duas Irlandas. E esta quarta-feira à tarde irá submeter-se à votação de uma moção de censura precipitada por eles.

Ela recusa demitir-se, diz que está a cumprir o mandato do povo britânico, que em 2016 votou pelo Brexit, afirma que o acordo conseguido entre Londres e Bruxelas é do interesse nacional e que todos devem unir-se em torno dele. Incluindo os deputados rebeldes do Partido Conservador.

A verdade é que esta crise nos Tories por causa da Europa não é inédita e se levar à queda de May isso também não será inédito. May é a segunda mulher no cargo de primeira-ministra do Reino Unido. E poderá ser também a segunda a cair por causa das divergências dos conservadores em torno da integração europeia e da pertença ou não à UE. A sua antecessora nas duas coisas foi Margaret Thatcher, que morreu em 2013 com 87 anos, tendo sido primeira-ministra entre 1975 e 1990.

Conhecida como A Dama de Ferro, primeira-ministra durante a Guerra Fria, no auge do conflito da Irlanda do Norte, Thatcher enfrentou uma rebelião no Partido Conservador por se recusar a adotar um programa para aderir à moeda única europeia. Viu a sua liderança contestada e da mesma maneira que agora May pode ver. Através da votação de uma moção de censura. Pedida por carta. Por um número considerável de deputados do partido. Para ser aceite pelo presidente do chamado Comité 1922, tem de ter pelo menos o apoio de 15% dos deputados, neste caso 48 dos 315 atuais.

Considerando que essas condições estão reunidas a votação irá ter lugar esta quarta-feira à tarde. Para ganhar o voto, May precisa de maioria simples dos deputados inscritos, ou seja, 158. Se ganhar, a sua liderança não pode ser contestada nos próximos 12 meses.

Se, por outro lado, May perder a eventual votação de uma moção, deve demitir-se e não pode concorrer de novo à liderança do Partido Conservador. Uma vez afastada, será substituída. O seu substituto será o novo primeiro-ministro. Porém, não terá de haver eleições antecipadas automaticamente. Se houver vários candidatos, haverá voto secreto entre os deputados, às terças e quintas-feiras, até ficarem apenas dois finalistas, Estes irão depois ser submetidos a uma votação final. Neste momento, há vários nomes de possíveis sucessores, um deles seria Boris Johnson, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, conhecido eurocético e ex-jornalista em Bruxelas, mas não há um favorito claro.

No caso de Thatcher o que aconteceu foi que, face às reticências da primeira-ministra em concordar que o Reino Unido aderisse ao Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio, o seu vice-primeiro-ministro, Geoffrey Howe, demitiu-se a 1 de novembro de 1990. Treze dias depois, Michael Heseltine desafiou-a na liderança do partido, tendo forçado uma segunda volta da votação. Entre voltas, a Dama de Ferro foi aconselhada a desistir. E assim fez. O dia foi 22 de novembro de 1990.

Seis dias mais tarde, reuniu-se com a rainha, deixou Downing Street em lágrimas, sentindo-se traída. A corrida à sua sucessão foi depois ganha por John Major. Este lideraria o partido e o governo até às eleições de 1992, as quais venceu contra o Labour, governando até 1997.

Foram John Major e o facto de ter assinado o Tratado de Maastricht em nome do Reino Unido as razões na origem da criação do agora tão falado European Research Group, em 1992, por Michael Spicer. O conservador, hoje em dia lord, com 75 anos, estava entre os opositores de qualquer decisão do governo que pudesse indicar a transferência de poderes do domínio nacional britânico para um domínio federal a nível da União Europeia. Entretanto o Reino Unido nunca aderiu à zona euro. A sua moeda é a libra.

O European Reserach Group é hoje liderado pelo deputado conservador Jacob Rees-Mogg, que foi dos primeiros a submeter ao presidente do Comité 1922 do Partido Conservador a carta a pedir que May fosse submetida ao voto de uma moção de censura. Rees-Mogg, segundo os media britânicos, terá conseguido o apoio de pelo menos meia centena de deputados conservadores rebeldes para forçar a primeira-ministra a submeter-se àquela votação. O presidente do comité, que atualmente é Graham Brady, aceitou as cartas e convocou a votação. No tempo de Thatcher era o líder do Comité 1922 era Cranley Onslow (falecido em 2011).

Mesmo que May ganhe esta batalha, poderá perder outra, quando o acordo final do Brexit for a votação no Parlamento do Reino Unido. Era suposto ter sido votado esta terça-feira. Mas a clara falta de maioria levou a líder britânica a adiar a votação. Sob fortes protestos no Parlamento. Os deputados rebeldes do Partido Conservador poderão sempre juntar-se aos do Labour, dos liberais-democratas e de outros partidos como o Partido Unionista Democrático (da Irlanda do Norte) e o Partido Nacionalista Escocês. Aí, a dimensão da humilhação será arrasadora. E de consequências previsivelmente cada vez mais graves, dada a maior proximidade ainda com a data do Brexit. Segundo os prazos previstos, o Reino Unido tem que sair da União Europeia a 29 de março de 2019.

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