Discutir as ligações com África em tempos de disrupção
O presidente francês acusou a Rússia de ser uma das "últimas potências coloniais" e criticou os países africanos por não reconhecerem a invasão da Ucrânia por Moscovo. As declarações de Emmanuel Macron foram proferidas durante a visita a África, que termina hoje na Guiné-Bissau, depois de ter passado pelos Camarões e Benim, enquanto o chefe da diplomacia russa terminou uma digressão pelo continente africano. As perceções sobre a guerra na Ucrânia e as suas consequências geopolíticas são um dos temas a abordar no EurAfrican Forum, que decorre hoje e amanhã no grande auditório da Nova SBE, em Carcavelos.
Organizado pelo Conselho da Diáspora Portuguesa - associação cujo presidente honorário é o chefe de Estado e o vice-presidente o ministro dos Negócios Estrangeiros - e pela autarquia de Cascais, o encontro apresenta-se na quinta edição de volta ao formato não virtual, sob o tema "Reforçar a aliança UE-África em tempos de disrupção". E não falta ambição: "O Fórum 2022 procurará oportunidades conjuntas e ajudará a trazer clareza estratégica ao mundo instável da geopolítica em que os nossos continentes operam", lê-se na apresentação do evento.
Os primeiros oradores a tentarem levar luz ao tema do encontro, ao debaterem "O novo mapa geopolítico e geostratégico", são o ex-ministro e atual comentador televisivo Paulo Portas, a vice-secretária-geral adjunta da NATO Carmen Romero, a empreendedora queniana Vivian Onano e o banqueiro nigeriano Benedict Okechukwu Oramah, este último condecorado pelo presidente russo Vladimir Putin em 2019 pelo seu papel, enquanto presidente do Afreximbank, na revitalização das relações económicas entre a Rússia e o continente africano.
Um tema pleno de atualidade tendo em conta a neutralidade africana no que respeita à agressão russa à Ucrânia e as duas visitas de alto perfil encabeçadas por Macron e Sergei Lavrov. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, que visitou o Egito, República do Congo, Uganda e Etiópia, conseguiu demonstrar que o Ocidente não conseguiu isolar Moscovo com as sanções, apesar de usá-las como pretexto para responsabilizar os países ocidentais pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento e no comércio de produtos agrícolas. "As especulações da propaganda ocidental e ucraniana de que a Rússia está alegadamente a exportar a fome é totalmente infundada", escreveu Lavrov num artigo de opinião que foi publicado em jornais dos países que visitou.
Além de a Rússia ter nos últimos anos estreitado relações com vários países africanos nos domínios da energia, alimentação e segurança (nestes casos com recurso à empresa paramilitar Wagner), muitos países africanos transferiram a aura da União Soviética, enquanto apoiante das lutas de libertação, para a Rússia de Putin. O presidente francês alertou para a questão, ao denunciar a "hipocrisia" presente no "continente africano" em não reconhecer a "agressão unilateral" russa e disse que, ao contrário de Moscovo, a França intervém em África "num quadro claro, a pedido de Estados soberanos e para combater o terrorismo".
Os outros painéis do dia são sobre saúde, educação e ciência; economia e emprego; transição energética, alterações climáticas e transformação digital; e sobre o desafio estratégico dos oceanos, sendo respetivamente os oradores principais Mónica Ferro (diretora do Escritório do Fundo das Nações Unidas para a População em Genebra), Koen Doens (diretor-geral da Comissão Europeia), João Pedro Matos Fernandes (ex-ministro do Ambiente) e Tiago Pitta e Cunha (presidente da Fundação Oceano Azul) .
Na sexta-feira, os trabalhos arrancam com discursos de Durão Barroso (presidente do EurAfrican Forum, também encerra os trabalhos) e de António Guterres (secretário-geral das Nações Unidas, em mensagem vídeo). Prosseguem com um painel constituído por sete presidentes de conselhos de administração e terminam com uma conversa entre os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e de Cabo Verde, José Maria Neves.
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