PAICV tem que mudar "dos pés à cabeça"
"É necessário transformar e capacitar o partido da cabeça aos pés e dos pés à cabeça", disse Pedro Pires, considerando que uma "sociedade complexa, mais instruída e mais exigente" torna a "liderança e gestão" do partido "também mais complexas e exigentes".
O antigo presidente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) considerou, por isso, "indispensável aproveitar as capacidades e a inteligência coletivas acumuladas e desbravar novos caminhos e novas perspetivas, buscando as vias da inovação e de antecipação aos desafios".
O também ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República, há largos anos sem intervenção partidária, tomou a palavra na reta final do segundo dia de congresso para uma inédita intervenção com "ideias e reflexões" sobre os desafios que esperam o partido.
Para Pedro Pires, agora que está na Oposição, o PAICV precisa de "repensar a sua intervenção politica, social e cultural", deverá passar por recuperar a "prática da militância partidária" diariamente e junto das populações.
"Embora as intervenções e participações políticas nos órgãos institucionais e no âmbito da comunicação social sejam absolutamente necessárias, não são suficientes. Seria vantajoso e útil ultrapassar os limites sociopolíticos das eleições e da representação política estrita para intervir no campo mais amplo da sociedade", sustentou.
"O partido, as suas organizações e militantes devem estar capacitados e motivados a agir e intervir no quotidiano social e nas localidades ou centros de trabalho onde as coisas acontecem, a fim de renovar a sua utilidade social. É crucial estar em sintonia com a sociedade, os seus problemas e desafios", acrescentou.
Pedro Pires deixou também um forte apelo à unidade dentro do partido, num dia em que foi debatida a moção de estratégia da presidente Janira Hopffer Almada e em que o denominado Grupo de Reflexão, que contesta a atual liderança, não se fez representar no debate.
"Impõe-se manter o partido unido e solidário. É fundamental buscar paciente e tenazmente a união e a reconstituição das relações de camaradagem e solidariedade mútuas entre os seus membros", disse Pedro Pires.
[citacao:É indispensável devolver sentido ao tratamento camarada entre os membros do PAICV]
"Camarada significa propósito comum, destino comum, militância conjunta, lealdade empenhamento e esforço coletivo. Iguais obrigações, iguais oportunidades e iguais vantagens. O conceito camarada transporta no seu íntimo os sentidos da igualdade, do compromisso, da inclusão e da colegialidade", sustentou.
Júlio Correia, um dos mais destacados membros do Grupo de Reflexão, explicou em declarações à agência Lusa os motivos que levaram estes militantes a não participarem nos debates.
Os membros do Grupo de Reflexão contestaram desde sempre a "oportunidade política" das eleições internas e do congresso, depois de Janira Hopffer Almada ter posto o lugar à disposição na sequência das derrotas eleitorais de 2016, considerando que a liderança tinha obtido "o necessário conforto" para levar o mandato até ao fim em Conselho Nacional.
Por isso, e apesar dos apelos à unidade interna da líder no discurso de abertura do congresso, na sexta-feira, Júlio Correia entende que a presença no debate "convalidaria" posições nas quais o grupo não se revê.
"Manifestamos a nossa discordância em relação a um conjunto de orientações políticas e de procedimentos e, em nome da coerência, pensamos que não devíamos estar neste congresso a convalidar" esses procedimentos e orientações, disse.
Depois de ter estado na abertura, o grupo de militantes ausentou-se do congresso, mas afirma-se disponível para construir consensos com a atual liderança.
"O partido é muito mais que um congresso. Esta é a fase de aprovação de um conjunto de documentos. Todos os atos que precederam até chegar ao congresso são atos que deviam claramente motivar uma grande discussão e a afirmação do contraditório. E isto não ocorreu", disse.
O Grupo de Reflexão, que não apresentou qualquer candidatura às eleições internas nem moção de estratégia ao congresso, adianta que a sua ideia é contribuir para "aprimorar a estratégia" do partido para conseguir alcançar os resultados propostos.
Relativamente aos apelos de união da líder do partido, Júlio Correia sustentou que é preciso "ultrapassar a fase proclamatória" e fazer coincidir o discurso com a prática.
"Estamos disponíveis em nome do PAICV para confrontarmos as nossas ideias, mas quem tem o dever de iniciativa é quem comanda o partido. Quem lidera tem que falar com toda a gente",considerou.
O XV Congresso do PAICV termina domingo com a apresentação das moções setoriais e a eleição dos órgãos nacionais do partido.