Direitos adquiridos abrem guerra entre arquitetos e engenheiro

Proposta de lei reabre polémica dos projetos de arquitetura. "É um direito", garantem os engenheiros. "É um retrocesso", diz a OA
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A trabalhar como engenheiro civil desde 1992, Ricardo Leão diz estar impedido de fazer projetos de arquitetura desde 2014, ano em que terminou o período transitório dado aos engenheiros civis que até 2009 podiam "ser" arquitetos. "Hoje nem a simples alteração do interior de uma casa posso fazer ou um muro de vedação posso fazer", diz o engenheiro, da Covilhã, que aponta não ter sido abrangido pelo alargamento do período transitório até 2017. "Para isso era preciso uma declaração de uma universidade em que já tivesse 180 créditos ou três anos curriculares."

Este engenheiro de 50 anos tem encabeçado a luta deste profissionais que reclamam ter direitos adquiridos, por o estado português os reconhecer como legítimos autores de projetos de arquitetura até 2009. Situação que não é exclusiva de Portugal e que originou a diretiva comunitária 2005/36/CE, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais.

O problema volta na quarta-feira à Assembleia da República, através de uma proposta (PSD) de alteração da lei 31/2009, de 3 de julho, e que pretende devolver a estes engenheiros civis a possibilidade de assinarem projetos de arquitetura. Isto refere-se apenas a quem tenha iniciado o curso até 1987/1988, nas universidades do Minho e de Coimbra, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e no Instituto Superior Técnico.

"Estamos a falar de 150 a 200 profissionais, menos de 1% dos inscritos na Ordem", disse ao DN Carlos Mineiro Alves, bastonário da Ordem dos Engenheiros de Portugal (OEP), para quem "o que se pretende é fazer uma correção. Em 2015, chegou a estar prevista na proposta da lei 40/2015 mas à última da hora foi retirada."

A Ordem dos Arquitetos é totalmente contra esta proposta de alteração e reuniu os seus nomes mais mediáticos para travar a luta. Siza Vieira e Souto Moura encabeçaram a petição "Arquitectura por Arquitectos", que tem já mais de 14 mil assinaturas. "Isto é abrir uma porta ao desconhecido. Nem todos os engenheiros civis irão a fazer arquitetura mas não sabe quantos o poderão fazer. E se isto for aprovado poderão fazer tudo, até um projeto de recuperação de património como o Mosteiro dos Jerónimos, o que durante o tempo da lei antiga de 1973 não podiam fazer", disse Daniel Fortuna do Couto, vice-presidente do Conselho Diretivo da ordem dos Arquitetos (OA).

Por isso, a OA pede, na petição, que o Parlamento "providencie no sentido de que a Arquitetura seja apenas realizada pelos profissionais qualificados para o efeito, isto é, indivíduos com o título de Arquiteto e como tal reconhecidos pela Ordem dos Arquitetos."

Carlos Mineiro Alves considera lamentável a posição da OA. "Não defendemos que engenheiros façam arquitetura. Isto é uma exceção, estamos a falar de 150 engenheiros que se formaram nessa condição, de poder fazer projetos, iniciando o curso até 1988. Foi o Estado que indicou que podiam fazer arquitetura. Têm mais de 50 anos e isto daqui a 15, 20 anos, acaba, extingue-se. A maioria deles está na província e fazem projetos de moradias, toda a vida fizeram isto."

A OA discorda. "Muitos arquitetos faziam engenharia e com a lei de 2009 deixaram de o fazer. Na altura ficou definido quem podia fazer arquitetura e engenharia. Cada macaco no seu galho. Isto é retroceder. E mais: muitos engenheiros, no período transitório, fizeram cursos de arquitetura. Investiram dinheiro e empenho. E agora o Estado vem dizer que afinal não era preciso? Se assim for, deixa de ser uma pessoa de bem", contrapôs ao DN Daniel Fortuna do Couto.

Um dos argumentos dos engenheiros é a diretiva comunitária e uma recomendação do Provedor de Justiça. "A Comissão Europeia já instou Portugal, por duas vezes a corrigir este problema. Esta situação dos direitos adquiridos acontece também na Áustria, Alemanha e outros. O que pode acontecer é os estrangeiros poderem vir para Portugal ao abrigo da diretiva comunitária e os portugueses não o poderem fazer. Alguém entende isto?", questiona Ricardo Leão.

Não é assim, diz a OA. "O objetivo dessa diretiva foi impedir que houvesse discriminação, permitir que um arquiteto português pudesse exercer noutro país comunitário. Mas nas condições em que cada país tem para o exercício da atividade. Em Portugal para se ser arquiteto é obrigatório estar inscrito na Ordem. Um engenheiro estrangeiro terá sempre que cumprir os requisitos."

As duas ordens falaram com todos os grupos parlamentares, mas ninguém arrisca dizer qual será o sentido da votação esta quarta-feira

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