Direito de resposta. Ataques maliciosos ao pensamento crítico são o "novo normal"?

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Venho por este meio solicitar, segundo os artigos 24 a 26 da Lei nº 2/99, a publicação do direito de resposta ao artigo de Fernanda Câncio "Raquel Varela, a Universidade Nova e o autoplágio académico: "fraude", "conduta imprópria" ou "normal"?", de 11 de outubro de 2021, na dimensão que a dimensão do texto que a provoca impõe, sendo que esta resposta deve ser publicada no prazo máximo de 2 dias, com o mesmo relevo e apresentação do artigo que a provocou.

Uma rápida pesquisa de vinte minutos e concluo que intervenientes académicos chamados a se pronunciar na peça de Fernanda Câncio têm artigos duplicados em revistas indexadas, não referenciados, e artigos republicados também em livro e capítulo de livro. Por elegância - e por respeito pelas instituições académicas - não citarei nomes nem artigos. Mas pergunto-me, daria isto um artigo com o nome destes académicos, com "fraude" no título, chamada de capa no DN, quatro páginas e fotografias? Ou tal tratamento é reservado a uma mulher, candidata a concursos públicos, e não a homens dentro da carreira?

1. O artigo citado no artigo de Fernanda Câncio na revista Critique (indexada na Scopus) foi aprovado para publicação antes de publicado em livro. Se Fernanda Câncio se tivesse informado saberia que entre o tempo de submissão e aprovação de artigos para revistas científicas e a sua publicação decorrem entre um e cinco anos. E que tenho provas da data de aceitação.

2. Não existe nenhum artigo igual com autorias distintas. Estão online em acesso livre. O artigo publicado em coautoria teve naturalmente o contributo da investigadora Luísa Barbosa Pereira, que comigo fez pesquisa.

3. Ter um artigo científico publicado também em capítulos de livros não só é prática comum, legal, ética, como útil cientificamente. Qualquer autor com uma obra publicada tem dezenas de trechos de textos inteiros republicados em capítulos de livro ou em livros seus. É legal e correto. Os autores são donos dos seus textos, publicam-nos onde querem. Isto é banal: nos mais destacados cientistas nacionais e internacionais da minha área é generalizado.

4. A importância disto para um júri de concurso é nenhuma. A função de um júri académico não é contar artigos e caracteres. Para isso bastaria um computador ou uma secretária. Um CV não se mede a metro, nem ao quilo. Evidentemente que, como pendia sobre mim a acusação ignóbil de ter duplicado as minhas publicações, eu tive de fazer a discussão nesse campo, mas um CV não é, nunca foi isso.

5. Se eu me tivesse autocitado ou mudado usando um dicionário de sinónimos alguns dos meus artigos para capítulos, isso seria talvez medíocre, mas ainda assim legal.

6. Publicar o mesmo artigo duas vezes é contraproducente para o autor, tende a diminuir o fator de impacto: conta mais para o CV um artigo citado dez vezes do que dois citados duas vezes. O autor pode fazê-lo - se a revista não exigir exclusividade face a outras revistas - para chegar a uma maior audiência, mas isso diminui o fator de impacto - um dos itens mais reconhecidos hoje por júris (o que não apoio, mas é assim).

7. Em júris muito competitivos o autor é obrigado a selecionar três a cinco artigos, e é assim na FCT também. Nos concursos para a carreira docente somos obrigados a entregar cinco obras integrais para o júri ler. O CV pode demonstrar que publicou muito ou pouco, em revistas conceituadas ou não, se é um autor muito lido ou não, mas a qualidade do trabalho só pode ser avaliada conhecendo a obra na totalidade. Em alguns concursos que fiz como investigadora visitante nem sequer tive de entregar o CV - ninguém vai ler 115 páginas e contar artigos! -, mas apenas selecionar cinco páginas dele, um projeto, e entregar cinco livros, que o júri lê. É isso que se faz. Não conheço concursos destes sem entrega obrigatória de obras. No Brasil junta-se ter de dar aulas públicas - aqui, na agregação, também. Ou alguém acha que os júris não sabem distinguir obras de republicações?

8. Terá escapado à jornalista que o meu CV com "milhares de caracteres repetidos" foi selecionado pela direção do IHC entre os 15 melhores, entre 400, para a avaliação do próprio IHC junto da FCT.

9. Há problemas éticos a debater na academia e na sociedade? Há. Por exemplo, uma jornalista achar que se pode substituir a um júri nomeado pelo conselho científico é um gravíssimo problema ético - querer fazer de "justiceira" e substituir-se aos órgãos científicos. Andar a contar caracteres do meu CV que foi defendido com sete catedráticos especializados é grave, risível e lamentável. É como a jornalista pegar na bula de um medicamento e ir para os jornais dar lições de medicina.

10. Há muitos problemas éticos que devem ser discutidos, mas não certamente a partir do "caso" criado em volta de mim. Por exemplo, há quem tenha feito o doutoramento e depois disso não investigou nem inovou mais, mas mesmo assim isso não é ilegal. Há quem se autocite, inflacionando o seu fator de impacto científico. Há grupos de académicos, e não só nem principalmente nas ciências sociais, que se citam alegre e repetidamente uns aos outros para benefício mútuo (isso já tem sido abordado na imprensa, não sei se na portuguesa). Há quem use uma pesquisa e a "salamise" (parta em fatias para dar muitas publicações). É altamente questionável, também, que estejamos a ceder os nossos textos e direitos a revistas que depois proíbem a sua cópia noutra revista e vendem os nossos direitos sem nos pagar, ganhando milhões - isso, sim, é generalizado. Para contrariar isso tem havido uma política de open access cada vez maior, a que aderi com entusiasmo. Por isso a jornalista poderá ler, caso lhe interesse, "milhares de caracteres repetidos" escritos por mim em acesso livre.

11. Nas 115 páginas do meu CV há uma entrada que marca a minha carreira como historiadora, porventura mais importante que todas as outras, A História do Povo na Revolução Portuguesa. É uma obra publicada em várias línguas, debatida, lida e estudada em várias universidades. Em Portugal sou contactada pela jornalista para debater a minha pesquisa inédita sobre o 25 de Abril? Não: para contar caracteres.

12. Mais de 200 académicos do mundo inteiro, chocados com a campanha de difamação contra mim (é disso que se trata), deram o nome (não são anónimos) em defesa do meu percurso académico. Dezenas deles são chefes de departamento e editores de revistas científicas. Há muita gente perplexa com a violência desta perseguição. Andaram atrás dos meus editores, colegas estrangeiros, publicaram várias peças em jornais e revistas, sem fundamento ou intenção de verdade, procurando perseguir-me, o que configura uma tentativa de usar a imprensa para pressionar júris de concursos onde sou candidata, impedindo que possa disputar em igualdade de circunstâncias um lugar efetivo na universidade. Não estará aqui a "fraude"? Ou vamos ter de aceitá-lo como o "novo normal" neste admirável mundo novo?

Deixo uma nota final da coordenadora da área da saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dra. Sílvia Jardim, uma dos, até agora, 240 subscritores da carta pública de académicos e intelectuais feita em minha defesa, e que muito me tocou porque creio que toca no essencial: um ato de violência persecutória contra uma académica crítica:

"Defender a voz de Raquel Varela como mulher portuguesa, intelectual e historiadora em Portugal e no mundo é defender o pensamento crítico, a pesquisa verdadeiramente científica no campo das humanidades, a liberdade do debate de ideias e de políticas públicas e ser intransigente com qualquer abuso opressor e especialmente com a violência de qualquer ordem e, especialmente, a violência psicológica implicada nos ataques à idoneidade de caráter da pesquisadora em tela. É também a defesa de uma voz altissonante na academia em prol do trabalho e dos trabalhadores. Repudio veemente a campanha difamatória sofrida por Raquel Varela."
Sílvia Rodrigues Jardim
Médica. Doutora em Psiquiatria.
Coordenadora da Saúde do Trabalhador Universidade Federal do Rio de Janeiro

Caso o DN não reponha a verdade, reservo-me o direito de usar de todos os procedimentos necessários, incluindo os judiciais, para fazê-lo.

Raquel Varela
CC 11262656
12 de outubro de 2021

Nota de direção: "No texto de resposta ora publicado é questionado o tratamento jornalístico dado pelo DN ao tema em causa, como se fosse parte de uma qualquer campanha sexista. Lamentamos tal entendimento. Como lamentamos o facto de termos dirigido perguntas (e por escrito) à Dra. Raquel Varela sobre a matéria e a mesma tenha optado pelo silêncio, reservando as suas reações para o seu blogue, parte das quais aliás publicámos, como aconteceu com o ponto 3 e parte do ponto 10 da presente resposta."

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