Direita aplaude e esquerda critica letra de cantora para hino espanhol
Já são várias as tentativas de pôr letra no hino espanhol, todas elas sem sucesso por falta de consenso. No passado sábado a cantora Marta Sánchez surpreendeu todos quando interpretou o hino, com letra composta por ela própria, no Teatro da Zarzuela de Madrid. Foi a última canção do concerto que assinalava os 30 anos da sua carreira e emocionou todos os presentes. Ninguém estava à espera da surpresa da conhecida artista da pop espanhola e a sua atuação acabou por abrir de novo o debate nacional sobre o hino. A Marcha Real encontrou finalmente a sua letra?
"A letra do hino proposta por Marta Sánchez tem a seu favor a clareza, a facilidade de compreensão e a sua espontaneidade, não foi imposta. Além disso, pretende partilhar e provocar sentimentos mais além de preferências ou convicções políticas", explica ao DN Miguel Ángel Alegre Martínez, professor titular de Direito Constitucional na Universidade de León e coordenador do livro O Hino como Símbolo Político. O académico fica feliz pela boa aceitação geral que teve esta letra, que "incide no orgulho de ser espanhol, no apego e no sentido de fazer parte do próprio país", sublinha.
Veja aqui a atuação de Marta Sánchez:
Uma letra que não exclui ninguém e não vai contra ninguém, "por isso penso que podia cumprir a sua função integradora que deve caracterizar todo o símbolo político". Mas o docente reflete também sobre a dificuldade demonstrada até agora de encontrar uma letra para o hino porque "somos uma sociedade cada vez mais dividida, politizada e radicalizada". Acredita que o símbolo - a música do hino -, já existe e cumpre, teoricamente, a função integradora.
Como era de esperar, esta letra já tem defensores e detratores. E, como noutras ocasiões, gerou polémica. Tudo isto num contexto social e político delicado, com os últimos acontecimentos vividos na Catalunha a provocar o ressurgir de um sentimento patriótico.
O presidente do governo, Mariano Rajoy, gostou da letra e partilhou logo o vídeo da cantora na sua conta oficial de Twitter, e garantiu que "a imensa maioria dos espanhóis sente-se representada". O ministro de Interior, Juan Ignacio Zoido, disse ser "muito agradável" e o porta-voz do PP no Parlamento Europeu, Esteban González Pons, propôs na passada segunda-feira que seja Marta Sánchez a cantar na final da Taça do Rei o hino de Espanha. "Nós espanhóis precisamos de uma letra para o hino, é lógico", disse o eurodeputado. O líder do Ciudadanos, Albert Rivera, definiu a atuação da cantora como "valente e emocionante".
Mas nem todos gostaram da ideia de ficar com esta letra. Foi o caso por exemplo do PSOE para o qual "o hino espanhol não tem letra e pronto". Já o líder do Podemos, Pablo Iglesias, afirmou que prefere ser patriota "nos serviços públicos".
Eterna divisão?
A letra do hino vai criar sempre divisão política? "Penso que sim", afirma Miguel Ángel Alegre Martínez. E há o precedente de 2007, quando o Comité Olímpico Espanhol (COE), com a colaboração da Sociedade Geral de Autores de Espanha, "realizou uma espécie de concurso de ideias para escolher a letra". Entre milhares de propostas recebidas o júri escolheu uma letra que "depois deveria ser levada ao Parlamento e ser tramitada como iniciativa popular para ter carácter oficial". Mas depois da rejeição quase generalizada do texto, o COE retirou-o. "Penso que a chave para explicar os motivos pelos quais uma nova proposta de letra para o hino gera adesão ou divisão e recusa, está em elucidar se o símbolo político é pressuposto da consciência de pertença a uma comunidade e a um projeto político comum, ou vice-versa."
A letra vinda do coração
"Não fui nem valente nem ousada. Fui sentimental, fiz a letra com o coração", é como explica Marta Sánchez a sua composição escrita durante uma estada em Miami. Depois da agitação criada, a protagonista afirma estar "agradecida e emocionada". Se um dia a sua letra for o hino oficial espanhol, "poderia ir tranquila para o túmulo". Com o tempo, esta ou outra letra poderia ser cantada e interpretada em eventos desportivos ou fora deles e converter-se num símbolo com que todos os cidadãos se sentiriam identificados. Esse seria o momento de oficializar a letra.
Mas voltamos ao ponto de partida. Se não existir consenso e acordo entre os cidadãos e a classe política, "é melhor que o hino não tenha letra", afirma Miguel Ángel Alegre Martínez. "Não vale a pena incorporar uma letra para que depois seja recebido com vaias de cada vez que é interpretado."
Madrid